Em agosto, Bolsonaro afirmou que nem ele nem seus
ministros participariam das eleições municipais. Não foi o que se viu nas
últimas semanas. Tanto o cacique quanto os índios atuaram ativamente em favor
de seus apadrinhados. Até aí, no entanto, nenhuma surpresa: cumprir promessas feitas e
honrar a palavra empenhada não figuram entre as virtudes do morubixaba de
fancaria.
Embora tenha transformado a biblioteca do Palácio da
Alvorada numa espécie de palanque eletrônico para comícios virtuais em forma de
lives, o capitão-cloroquina disse candidamente que só pediu votos para
seus apadrinhados “depois do expediente”. Como se a Presidência fosse um cargo
ocupado por um barnabé que bate cartão. E um barnabé que não trabalha: em dois
anos de gestão, foi tão incapaz de liderar o país no enfrentamento à pandemia quanto
de encaminhar as reformas necessárias à recuperação da economia.
O resultado das urnas deixou patente que o povo quer um
mandatário que sirva ao país, não que se sirva dele. Mas Bolsonaro só
tem olhos para a reeleição. Afora isso, sua única prioridade é blindar a prole —
mais enrolada com a Justiça do que fumo de corda em balcão de armazém. Mas a derrota fragorosa de seus apadrinhados foi uma resposta a seus desvarios: candidatos que defenderam o afastamento social e o uso
de máscaras foram recompensados pelo eleitorado.
Tanto a vitória de Joe Biden
quanto as eleições
municipais tupiniquins acenderam um farol de alerta para o presidente — que se recusa, a exemplo de seu amado ídolo, a aceitar o resultado das urnas nos EUA
e insiste em ver indícios de fraude no pleito em terra brasilis, talvez
porque a derrota de seus apadrinhados o promoveu
Em São Paulo, Celso Russomano teve uma trajetória meteórica — de líder nas pesquisas a martelo sem cabo e quarto colocado, com 10,5% dos votos válidos. Joyce Hasselmann, que também postulou a prefeitura paulistana, passou de deputada federal mais votada em 2018 a detentora de míseros 98,3 mil votos — menos de 10% do total obtido no pleito anterior. A deputada Carla Zambelli não conseguiu eleger o irmão e, seguindo os passos do chefe, levantou suspeitas de fraude na apuração.
No Rio de Janeiro, foi Bolsonaro quem resolveu dar um apoio envergonhado ao prefeito Marcelo Crivella, que conseguiu ir para o segundo turno, mas com uma rejeição na casa dos 60%. Nenhum dos quatro candidatos apoiados pela primeira-dama Michele Bolsonaro se elegeu, a exemplo da ex-mulher do presidente, mãe de 01, 02 e 03. A situação também foi de derrota para os apadrinhados em Belo Horizonte, Manaus e Recife. Em Fortaleza, o deputado Capitão Wagner varreu o apoio para debaixo do tapete, temendo a rejeição. Deu certo: ficou 2,4 pontos percentuais atrás do primeiro colocado.
O oráculo das urnas revelou o exaurimento da polarização dos extremos políticos, o anseio da população por eficiência, competência e gestão, e o erro de estratégia do criminoso Lula, que se autodeclara "um animal político", mas, por manter o PT sob escravidão, deu azo à ascensão do psolista Guilherme Boulos.
O PSOL nasceu da revolta de alguns membros do PT com relação à corrupção, quando da confissão do marqueteiro Duda Mendonça, delator no Mensalão, que admitiu ter recebido pagamento do PT em contas no exterior.
No debate que a CNN promoveu na segunda-feira 16, Boulos
tentou jogar o adversário para a direita e Covas, a classificar o oponente
de radical. Depois que o tucano disse que os paulistanos recusam o radicalismo,
o governador João Doria resumiu em uma frase como serão os próximos dias
da campanha: “Aqui, nós defendemos a propriedade privada. Eles invadem”.
Bolsonaro entrou em parafuso e só vai se recuperar — se é que vai — caso consiga molhar
Para além disso, sua excelência exsuda incoerência (às vezes com método, mas isso é outra história). Quando candidato, prometeu acabar com a reeleição. Eleito, diz que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar; esquiva-se de tomar decisões; age como se esperasse que as coisas se resolvam por si mesmas ou que o Congresso toque o país adiante; embora se queixe do fardo do cargo, continua com os dois pés no palanque.
Como o poder abomina o vácuo, o Congresso assumiu o
protagonismo político que, num sistema presidencialista, cabe ao chefe do
Executivo. O fracasso da “nova política” anunciada na campanha levou Bolsonaro,
uma vez eleito, a chafurdar na velha política e se ancorar no Centrão. Resta
saber se essa âncora não se tornará a bola de ferro que o puxará para o fundo
do lamaçal.
Faltando três meses para a eleição das mesas diretoras na
Câmara e no Senado, Bolsonaro tenta articular em favor do Centrão,
que quer manter sob sua asa a Comissão Mista de Orçamento. O presidente da Câmara
bateu o pé, e as marafonas do Congresso passaram a agir como se fossem da
oposição, obstruindo as votações até que sua vontade seja feita.
O Centrão é formado por partidos que se adaptam a
qualquer governo e não têm escrúpulos em mudar de lado se seus interesses pouco
republicanos assim o exigirem. O problema é que os compromissos obscuros que Bolsonaro
assumiu com essa caterva em troca de sobrevida no cargo a despeito dos ataques
recorrentes à dignidade da Presidência podem transformar o Congresso numa
extensão de seu desastroso governo.
Bolsonaro deu expediente no baixo clero da Câmara
durante 27 anos, sempre filiado a partidos do Centrão. Como o cenário
muda conforme o lado do balcão em que se encontra o observador, o capitão-empatia demora a perceber que essa maleabilidade põe em risco não só sua claudicante
gestão, mas também a tão sonhada reeleição. Por outro lado, que alternativa tem
um mandatário incompetente, incapaz de liderar o processo político e que passa
todo o expediente criando confusão e ultrajando os brasileiros, como se não
soubesse fazer outra coisa?
Enfim, concluído o primeiro turno e faltando menos de duas
semanas para o término das eleições, foi-se o último pretexto de Bolsonaro para
não trabalhar. Resta saber qual será sua próxima desculpa.