quinta-feira, 19 de novembro de 2020

BUGS, SOFTWARE COMO SERVIÇO ETC. (PARTE IV)

CONHECER A SI MESMO É O MAIOR SABER.

Vimos que a primeira edição da interface gráfica que se tornaria um sistema operacional autônomo dali a dez anos, transformaria a firmeca de garagem fundada por Bill Gates e Paul Allen em 1975 na “Gigante do Software” e abriria as portas da seleta confraria dos bilionários da Forbes a seus desenvolvedores foi anunciada em 1983, mas só chegou ao mercado dois anos mais tarde.

Inicialmente, a Microsoft deu ao software o nome de Interface Manager (como sabemos, "windows" significa "janelas", daí ter sido trabalhoso e demorado registrar como marca uma palavra de uso corrente no idioma do Tio Sam). Mas as versões 1.0 e 2.x não chegaram nem perto de revolucionar o mercado, embora facilitassem bastante a operação do PC.

Vale lembrar que até então a interação usuário-computador se dava pelo teclado e exigia a digitação de intrincados comandos de prompt baseados em texto e parâmetros. Por outro lado, quem operava computadores, naquela época, ou eram programadores, ou eram entusiastas de tecnologia. “Pessoas comuns” só passaram a se interessar por essas máquinas maravilhosas depois que a interface gráfica e o dispositivo apontador (mouse) entraram em cena.

Diferentemente do que muita gente imagina, nem a interface gráfica nem o mouse foram “inventados” pela Microsoft. A GUI — sigla de Graphical User Interface, ou interface gráfica do usuário — foi idealizada muito antes de a tecnologia que lhe agregaria utilidade prática ser desenvolvida pela Xerox (nos longínquos anos 1970) e popularizada, mais adiante, pela Apple. Vejamos isso melhor.

Lá pelo início dos anos 1960, o engenheiro Douglas Engelbart, inspirado no trabalho de um tal de Vannevar Bush, vislumbrou a possibilidade de interagir com computadores a partir de informações dispostas em uma tela, onde o usuário poderia se organizar de maneira gráfica e “pular” de uma informação para outra. Até então, mesmo as interfaces em modo texto, com comandos executados em tempo real, eram consideradas “coisas de outro mundo”, visto que os mainframes da época operavam com  cartões perfurados — como os da loteria esportiva dos anos 1970 —, que demoravam horas para entregar o resultado do processamento.

O dispositivo apontador criado nos anos 1960 — que mais adiante seria batizado como “mouse” em virtude de o formato e o fio comprido lhe darem a a aparência de um camundongo, não tinha qualquer utilidade prática antes de Engelbart e sua equipe demonstrarem o potencial de conceitos inovadores (para a época) como o de hipertexto e de comunicação por rede, além de uma tela que podia ser compartilhada por dois usuários a partir de locais diferentes. Daí para uma interface gráfica baseada no conceito de janelas — que mais adiante se tornariam reposicionáveis e incorporariam bordas, barras de título e de rolagem, ícones, menus de contexto clicáveis, caixas de diálogo e botões de opções — foi um pulo.

Em 1976, valendo-se da tecnologia desenvolvida por Engelbart e com a participação de ex-funcionários da Xerox, o visionário Steve Jobs, fundador da Apple, criou um computador pessoal (batizado de Lisa) operável via interface gráfica baseada em ícones — que representavam graficamente um documento ou uma aplicação — e com uma barra de menu desdobrável (pull-down) que exibia todos os menus logo nas primeiras linhas da tela.

Lisa OS incorporou marcas de verificação — destinadas a destacar os itens selecionados (ativados) nos menus — e o conceito de atalhos de teclado para os comandos mais comuns, além do então inovador ícone da Lixeira, para onde o usuário podia arrastar os arquivos que desejasse excluir. O mouse, que havia se consagrado com três botões, passou a ter apenas um no Lisa. E pelo fato de a interface exigir pelo menos duas ações para cada ícone — uma para selecionar e outra para executar o programa ou arquivo —, surgiu o conceito do duplo clique.

Anos mais tarde, as primeiras versões Windows levaram à vitrine um sistema gráfico aprimorado, com uma barra de menus para cada janela — no Lisa e nos Macintosh havia uma única barra no topo da área de trabalho — e janelas dispostas lado a lado (configuração que seria descartada pela Microsoft nas versões subsequentes, quando a sobreposição de janelas foi implementada). 

No final dos anos 1980, diversos desenvolvedores criaram interfaces gráficas para estações Unix — sistema que daria origem ao Linux) —, mas a lei da selva vale tanto no mundo real como na digital: em poucos anos, noves fora a Apple e a Microsoft, todas as empresas faliram ou foram encampadas por outras companhias.

Antes de encerrar, impõem-se algumas considerações. Vamos a elas:

Noves fora alguns sessentões (com este que vos escreve), poucos usuários de PC tiveram seus primeiros contatos com o sistema da Microsoft antes do final do século passado, quando a bola da vez era o Win 98 — a aziaga edição Millennium foi lançada sem setembro de 2000 e o festejado XP, em outubro de 2001. Em vista disso, imagino que dê para contar nos dedos os leitores do Blog que conviveram com as saudosas versões 3.x, ainda que elas tenham vendido mais de 10 milhões de cópias em apenas dois anos. 

Até não muito tempo atrás, eu tinha na estante um lugar reservado para o manual do usuário que a Microsoft fornecia com o Win 3.11 for Workgroups — um calhamaço respeitável, que ombreava em número de páginas com os romances intermináveis de Irving Wallace. Mas um belo dia um amigo levou o livro emprestado e a partir daí eu nunca mais soube de nenhum dos dois. 

Ainda que cheirem a bolor e pareçam de certo modo elementares — até porque o são, ao menos diante da profusão de recursos e funções que as versões mais recentes do Windows nos oferecem — as vetustas versões da saudosa interface gráfica dos tempos de antanho, cujos arquivos de instalação vinham numa caixinha de prosaicos disquetes (que a gente copiava, sem o menor pudor, para servir aos amigos) eram bastante divertidas. Daí eu não resistir aos apelos do saudosismo e me estender além da conta nesta e nas próximas postagens, que, não fosse por isso, até um articulista prolixo como este vosso humilde criado conseguiria ir dos entretantos aos finalmentes em uma poucas dezenas de parágrafos. 

Dito isso, espero que os leitores compreendam (e irrelevem) este "arroubo sentimental" e possam extrair dele, mediante a leitura desta sequência, ao menos uma fração do prazer que a nostalgia me proporcionou ao escrevê-la. 

Continua...