Desde que iniciou o mandato de senador, Flávio Bolsonaro viajou para Israel, onde acompanhou uma partida de futebol de veteranos chamado Shalom Game, que contou com jogadores brasileiros como Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo, e esteve em Las Vegas e Miami, onde sua agenda envolveu "visitas técnicas" a um hotel-cassino, arena de música e um estádio de futebol em construção. Segundo o colunista Rubens Valente, do Uol, a viagem aos EUA custou aos cofres públicos R$ 12,5 mil em diárias (mais R$ 31,4 mil, correspondente às diárias do senador Irajá Abreu, do deputado federal Helio Lopes e de um segurança parlamentar, que o acompanharam no folguedo).
Na manhã da quinta-feira, antevéspera do fim de semana
prolongado pelo feriado de finados, o primogênito do capitão desembarcou no
arquipélago de Fernando de Noronha com a mulher, Fernanda Antunes.
Na ida, o senador usou um trecho bancado com recursos públicos para se deslocar de
Brasília para Recife, onde pernoitou. O uso de dinheiro da chamada cota
parlamentar para comprar passagens aéreas só é permitido quando o deslocamento
é a trabalho, o que não era o caso. Depois que a imprensa noticiou o caso, o senador
falou em "equívoco" e prometeu devolver os R$ 1.617,66. A
informação foi confirmada pelo Senado Federal.
Observação: Não havia registro de ressarcimento
das passagens usadas pela mulher, Fernanda. A assessoria do senador informou
que não havia compromissos do mandato previstos para Flávio na ilha
durante o feriado, mas não soube dizer se ele havia realmente utilizado os bilhetes
emitidos.
No ano passado, o Estado denunciou manobras da
presidência do Senado — que vinham desde a gestão de Renan Calheiros —
para manter os gastos dos parlamentares sob sigilo, alegando questões de
segurança. O próprio Zero Um usou um parecer de 2016, produzido na
gestão Renan Calheiros, para negar acesso a dados que o jornal solicitou
via Lei de Acesso à Informação.
Aliás, Flávio, Queiroz e outras 15 pessoas —
entre elas as esposas do senador e de seu ex-assessor, além de duas filhas de
Queiroz — foram denunciados à Justiça pelos crimes de organização
criminosa, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e peculato. Segundo
o portal UOL, a acusação foi entregue pelo MP-RJ ao TJ-RJ.
A denúncia havia sido encaminhada no dia 19 de outubro, mas o desembargador que
deveria relatar o caso estava de férias, e o sistema só
redistribuiu o processo na última terça-feira. Ao assumir a relatoria
do processo, o magistrado decretou sigilo, daí a promotoria não ter divulgado
mais detalhes. Através de nota, Flávio Bolsonaro disse que o MP não tem
provas e que a denúncia não passa de uma "crônica macabra".
A investigação apontou que Queiroz recebeu R$ 2
milhões em depósitos de 11 ex-assessores do gabinete do então deputado na Alerj
e sacava os recursos logo em seguida. O MP-RJ afirma haver indícios de
que toda essa arrecadação teve como destino gastos pessoais do filho do
presidente — como pagamento de escolas dos filhos e o plano de saúde da família,
que foram pagos, na maioria das vezes, com dinheiro vivo e somaram mais de R$
280 mil entre 2013 e 2018. Há também indícios de que o senador utilizou a loja
de chocolates de que era sócio para lavar até R$ 1,6 milhão por meio de
depósitos em dinheiro vivo, além da compra e venda de dois apartamentos, entre
2012 e 2014 — pelos quais Flávio e Fernanda pagaram R$ 638 mil em
espécie, “por fora”, ao vendedor dos imóveis. O negócio rendeu, segundo
registros em cartório, um lucro de R$ 813 mil em menos de dois anos, como
revelou a Folha em janeiro de 2018.
A propósito do indiciamento, assim se manifestaram alguns órgãos
de imprensa internacionais:
— O Financial Times classificou o caso como um “constrangimento” para
a imagem de Jair Bolsonaro.
— A Bloomberg qualificou a denúncia como “mais
uma dor de cabeça jurídica” para o presidente brasileiro, que se
elegeu com uma “forte plataforma anticorrupção em 2018”.
— O jornal The Guardian diz que a reputação de
“forasteiro da política e cruzadista anticorrupção que tiraria o Brasil da
lama" sustentada por Jair Bolsonaro tem se
desfeito em decorrência das suspeitas envolvendo não apenas o filho Flávio
Bolsonaro, mas também os irmãos Carlos e Eduardo. Para o Wall
Street Journal, “o caso aumentou a tensão política no
Brasil, colocando a família Bolsonaro contra o Judiciário e a mídia”.
Segundo Josias de Souza, a estratégia da defesa
reforça a impressão de que Flávio tornou-se um denunciado indefeso. Ao
enumerar os supostos defeitos da denúncia, a nota da diz coisas definitivas sem
definir muito bem as coisas. Fala em "vícios processuais",
"erros de narrativa e matemáticos". Alega que não há "qualquer
indício de prova." O filho do capitão se declara inocente desde que as
suspeitas de desvio de verbas da folha de seu gabinete vieram à luz, no final
de 2018. Num segundo momento, aderiu a uma retórica petista ao dizer que não
sabia de tudo que seu então assessor fazia no gabinete. E insinuou que o
Ministério Público faz perseguição política, usando-o como degrau para chegar
ao pai-presidente.
Agora, alega-se que a denúncia do Ministério Público não
fica em pé. O curioso é que os advogados do senador — tanto os atuais e quanto
o anterior — sempre se esforçaram para criar incidentes processuais. Tentaram
bloquear as investigações uma dezena de vezes. Conseguiram apenas deslocar o
caso da primeira instância para o foro especial do Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro. Exigiram segredo absoluto em torno do processo. Mas o sigilo faz do
indiciado um inocente sui generis, que se recusa a levar à vitrine a
denúncia cuja suposta fragilidade comprovaria sua inocência.
Mas ainda tem mais: Luiza Souza Paes, ex-assessora do
gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro admitiu em depoimento o esquema das
“rachadinhas”. As informações foram reveladas pelo jornal O
Globo, que obteve o depoimento em que a ex-servidora informou ao MP-RJ
que nunca atuou como servidora para Flávio e que era obrigada a devolver
mais de 90% dos vencimentos. Além do salário, ela tinha que devolver 13º,
férias e vale-alimentação.
Segundo o jornal, o primeiro salário bruto de Luiza
foi de R$ 4.966,45, quando estava lotada no gabinete de Flávio, e o
último foi de R$ 5.264,44, quando estava na TV Alerj. Ela disse aos
investigadores que repassou cerca de R$ 160 mil a Queiroz por meio de
depósitos e entrega de dinheiro em espécie, e que sabia de outras pessoas que
também atuavam da mesma maneira — não trabalhavam e devolviam os salários.
Os 25 desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de
Justiça do Rio vão analisar a acusação decidir se aceitam ou não a denúncia.
Se aceitarem, Flávio e os demais envolvidos se tornarão réus. Vale
lembrar que, em junho, pouco depois da prisão de Queiroz, o senador conseguiu
na 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ o direito ao foro privilegiado no caso
das rachadinhas, retirando o processo das mãos do juiz Flávio Itabaiana,
da 27ª Vara Criminal. A alegação é que ele era deputado estadual na
época em que ocorreram os fatos, tendo exercido a função até assumir o cargo de
senador, no começo do ano passado.
A Promotoria ainda tenta reverter a decisão e devolver a
avaliação da acusação ao juiz da 27ª Vara Criminal. O STF não tem
previsão para analisar o recurso.