sábado, 7 de novembro de 2020

MELHOR DEIXAR PRA LÁ...


A Casa Branca teve onze inquilinos desde que eu me entendo por gente. O primeiro, John F. Kennedy, foi eleito em novembro de 1960 e morreu assassinado três anos e duas semanas depois. Dos outros dez, apenas Gerald Ford (1974-1977), Jimmy Carter (1977-1981) e George H. W. Bush (1989-1993) não foram reeleitos — lembrando que Richard Nixon renunciou durante seu segundo mandato.

Em 2016, Trump obteve 74 votos a mais que Hillary Clinton no Colégio Eleitoral. Nas urnas, a candidata democrata venceu por uma diferença de quase 3 milhões de votos. Só que, no confuso sistema eleitoral deles, são os delegados dos estados que liquidam a fatura, conforme tentei explicar nesta postagem.

Os respeitáveis 65,8 milhões de votos obtidos por Hillary em 2016 guindaram-na à segunda posição no ranking dos candidatos a presidente mais votados da história americana, atrás somente de Barack Obama, que obteve 69,5 milhões de votos em 2008 e 65,9 milhões em 2012. Nesta eleição, antes mesmo de a contagem terminar, Hillary foi superada tanto por Biden quanto por Trump. Às 16h de ontem, o candidato democrata somava 74 milhões de votos e republicano, 69,8 milhões (segundo o mapa do El País). Mas só teremos o vencedor depois que Geórgia, Arizona, Nevada, Pensilvânia e Carolina do Norte concluírem as apurações — que avançam a passo de tartaruga. A diferença entre os dois candidatos não chega a 2% em nenhum desses estados, mas Trump só lidera na Carolina do Norte.

O mundo, por óbvio, aguarda ansiosamente a definição, enquanto assiste a uma enxurrada de protestos, discursos inflamados, tentativas de interromper a contagem dos votos e outras barbaridades. Trump avisou em setembro que “não garantia uma transição de poder pacífica caso fosse derrotado”, e vem acusando os democratas de fraudarem a eleição, aludindo a uma suposta conspiração da grande mídia, das elites financeiras e das grandes empresas de tecnologia para lhe roubar a vitória, e prometendo uma série de medidas judiciais (que parecem carecer de fundamento).

Biden, por seu turno, pede calma. “A paciência tem sido recompensada há mais de 240 anos com um sistema de governo que tem sido invejado no mundo”, disse ele, que ultrapassou Trump em alguns estados-chave — como Pensilvânia e Geórgia — e lidera em Nevada e no Arizona. Na Carolina do Norte, como dito, Trump lidera, mas com menos de dois pontos percentuais de vantagem, e vem diminuindo a diferença na Pensilvânia. No Colégio Eleitoral, são necessários 270 votos dos delegados; por enquanto, Biden tem 253 e Trump, 214. Horas atrás, deu na Fox News — rede de TV historicamente ligada aos republicanos — que Trump teria sido aconselhado por aliados a reconhecer a derrota, se for o caso, e pareceu pensar no assunto. Particularmente, tenho minhas dúvidas, mas até aí morreu o Neves.

Todo esse furdunço me fez lembrar da vetusta novela global A Grande Mentira — cujos 341 torturantes capítulos foram ao ar entre junho de 1968 e julho de 1969. O que me leva a algumas perguntas: faz sentido deixar o mundo aguardando dias a fio pelo resultado de uma apuração que até nossa republiqueta de bananas concluiria em poucas horas?

Por que — e para que — manter um arcaico sistema de voto impresso se é tão mas fácil apertar um botão para escolher o candidato e outro para confirmar o voto?

Será que a maior economia do mundo não tem know-how para criar um sistema eletrônico rápido e seguro como o que usamos desde os tempos de D. João charuto?

Não tenho uma resposta simples para isso. Só sei que os EUA têm a Constituição mais antiga do mundo (233 anos) e um sistema eleitoral que remonta ao século XVIII, criado no tempo dos “pais fundadores”, no qual não há um modelo unificado de votação; a cédula é de papel e cada estado decide o que e como fazer; alguns permitem não só voltar antecipadamente como mudar o voto (acho que até três vezes).

Aqui, o cenário se define quatro ou cinco horas depois que as urnas são lacradas. Assim, não saber quem é o presidente três dias depois do pleito nos parece uma coisa do outro mundo. E é. De um mundo que tem Harvard, Berkeley, Columbia, Stanford (nós não temos uma única universidade entre as 100 melhores do mundo); que tem mais de 300 laureados com o prêmio Nobel (nós não temos um sequer); que tem 1.127 medalhas olímpicas de ouro para expor na vitrine (nós, 30). Mas aqui tem Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho, Justiça Militar, Justiça Desportiva (e tudo acaba no STF, onde tem Mendes, Toffoli, Lewandowski e Nunes Marques e o escambau). Aliás, sabe você quanto custa manter tudo isso funcionando? Não? Talvez seja melhor assim. Deixa pra lá.

Nos EUA, há um sem-número de plebiscitos em andamento. Aqui se governa na base da canetada. Que eu me lembre, houve o plebiscito sobre sistema de governo em 1993 e o das armas em 2005 (este último foi tão malfeito que quem era contra precisava votar sim e quem era a favor, votar não). 

Toca à plebe ignara tupiniquim pagar impostos e votar nas sanguessugas do erário — e compulsoriamente, que aqui o “direito de voto” é “um dever cívico” do cidadão. Faz sentido. Não fosse, ninguém se daria ao trabalho de votar. Duvida? Então ouça 10 minutos do abominável horário político obrigatório e depois me diga se não lhe deu vontade de mudar não de cidade ou de estado, mas de planeta. 

Aliás, aqui se escolhe o candidato pelo número e pela foto, porque se dependesse de ler o nome a maioria dos eleitores — analfabetos de quatro costados — confundiria Jesus com Genésio.

Se ao menos houvesse um recall a cada dois anos, quando o eleitor voltaria às urnas para defenestrar a caterva de fidumas que não cumpriu o que prometeu... Mas talvez não adiantasse muito. Não com essa récua de muares travestidos de eleitores... 

Enfim, esse é o Brasil que vota rápido. Só que mal. Temos um sistema excelente, que entrega a pizza em dez minutos. Só que a pizza não presta. Melhor seria esperar 20 minutos e comer algo de qualidade. Enfim, deixa pra lá.

Last, but not least: se os EUA quisessem realmente substituir seu arcaico sistema eleitoral por urnas eletrônicas ou algo parecido, será que a NASA, o MIT, a Microsoft, a Apple ou o Google não conseguiriam desenvolver uma solução quase tão boa quanto a nossa? 

Responda quem souber. Eu, por mim, prefiro deixar pra lá.

P.S. Como desgraça pouca é bobagem, lá tem Donald John Trump e aqui, Jair Messias Bolsonaro.