Em 2016, Trump obteve 74 votos a mais que Hillary Clinton
no Colégio Eleitoral. Nas urnas, a candidata democrata venceu por uma
diferença de quase 3 milhões de votos. Só que, no confuso sistema eleitoral
deles, são os delegados dos estados que liquidam a fatura, conforme tentei
explicar nesta
postagem.
Os respeitáveis 65,8 milhões de votos obtidos por Hillary
em 2016 guindaram-na à segunda posição no ranking dos candidatos a presidente mais
votados da história americana, atrás somente de Barack Obama, que obteve
69,5 milhões de votos em 2008 e 65,9 milhões em 2012. Nesta eleição, antes mesmo de
a contagem terminar, Hillary foi superada tanto por Biden quanto por
Trump. Às 16h de ontem, o candidato democrata somava 74 milhões de votos
e republicano, 69,8 milhões (segundo o mapa do El
País). Mas só teremos o vencedor depois que Geórgia, Arizona,
Nevada, Pensilvânia e Carolina do Norte concluírem as apurações
— que avançam a passo de tartaruga. A diferença entre os dois candidatos não
chega a 2% em nenhum desses estados, mas Trump só lidera na Carolina
do Norte.
O mundo, por óbvio, aguarda ansiosamente a definição,
enquanto assiste a uma enxurrada de protestos, discursos inflamados, tentativas
de interromper a contagem dos votos e outras barbaridades. Trump avisou
em setembro que “não garantia uma transição de poder pacífica caso fosse
derrotado”, e vem acusando os democratas de fraudarem a eleição, aludindo a
uma suposta conspiração da grande mídia, das elites financeiras e das grandes
empresas de tecnologia para lhe roubar a vitória, e prometendo uma série de medidas
judiciais (que
parecem carecer de fundamento).
Biden, por seu turno, pede calma. “A paciência tem
sido recompensada há mais de 240 anos com um sistema de governo que tem sido invejado
no mundo”, disse ele, que ultrapassou Trump em alguns estados-chave —
como Pensilvânia e Geórgia — e lidera em Nevada e no Arizona.
Na Carolina do Norte, como dito, Trump lidera, mas com menos de
dois pontos percentuais de vantagem, e vem diminuindo a diferença na Pensilvânia.
No Colégio Eleitoral, são necessários 270 votos dos delegados; por
enquanto, Biden tem 253 e Trump, 214. Horas atrás, deu na Fox
News — rede de TV historicamente ligada aos republicanos — que Trump
teria sido aconselhado por aliados a reconhecer a derrota, se for o caso, e
pareceu pensar no assunto. Particularmente, tenho minhas dúvidas, mas até aí
morreu o Neves.
Todo esse furdunço me fez lembrar da vetusta novela global A
Grande Mentira — cujos 341 torturantes capítulos foram ao ar entre junho
de 1968 e julho de 1969. O que me leva a algumas perguntas: faz sentido deixar
o mundo aguardando dias a fio pelo resultado de uma apuração que até nossa
republiqueta de bananas concluiria em poucas horas?
Por que — e para que — manter um arcaico sistema de voto
impresso se é tão mas fácil apertar um botão para escolher o candidato e outro
para confirmar o voto?
Será que a maior economia do mundo não tem know-how para
criar um
sistema eletrônico rápido e seguro como o que usamos desde os tempos de
D. João charuto?
Não tenho uma resposta simples para isso. Só sei que os EUA
têm a Constituição mais antiga do mundo (233 anos) e um sistema
eleitoral que remonta ao século XVIII, criado no tempo dos “pais fundadores”,
no qual não há um modelo unificado de votação; a cédula é de papel e cada
estado decide o que e como fazer; alguns permitem não só voltar antecipadamente
como mudar o voto (acho que até três vezes).
Aqui, o cenário se define quatro ou cinco horas depois que
as urnas são lacradas. Assim, não saber quem é o presidente três dias depois do
pleito nos parece uma coisa do outro mundo. E é. De um mundo que tem Harvard,
Berkeley, Columbia, Stanford (nós não temos uma única
universidade entre as 100 melhores do mundo); que tem mais de 300 laureados com
o prêmio Nobel (nós não temos um sequer); que tem 1.127 medalhas olímpicas de
ouro para expor na vitrine (nós, 30). Mas aqui tem Justiça Eleitoral, Justiça
do Trabalho, Justiça Militar, Justiça Desportiva (e tudo
acaba no STF, onde tem Mendes, Toffoli, Lewandowski
e Nunes Marques e o escambau). Aliás, sabe você quanto custa manter tudo
isso funcionando? Não? Talvez seja melhor assim. Deixa pra lá.
Nos EUA, há um sem-número de plebiscitos em andamento. Aqui se governa na base da canetada. Que eu me lembre, houve o plebiscito sobre sistema de governo em 1993 e o das armas em 2005 (este último foi tão malfeito que quem era contra precisava votar sim e quem era a favor, votar não).
Toca à plebe ignara tupiniquim pagar impostos e votar nas sanguessugas do erário — e compulsoriamente, que aqui o “direito de voto” é “um dever cívico” do cidadão. Faz sentido. Não fosse, ninguém se daria ao trabalho de votar. Duvida? Então ouça 10 minutos do abominável horário político obrigatório e depois me diga se não lhe deu vontade de mudar não de cidade ou de estado, mas de planeta.
Aliás, aqui se
escolhe o candidato pelo número e pela foto, porque se dependesse de ler o nome
a maioria dos eleitores — analfabetos de quatro costados — confundiria Jesus
com Genésio.
Se ao menos houvesse um recall a cada dois anos, quando o eleitor voltaria às urnas para defenestrar a caterva de fidumas que não cumpriu o que prometeu... Mas talvez não adiantasse muito. Não com essa récua de muares travestidos de eleitores...
Enfim, esse é o Brasil que vota rápido. Só que mal.
Temos um sistema excelente, que entrega a pizza em dez minutos. Só que a pizza
não presta. Melhor seria esperar 20 minutos e comer algo de qualidade. Enfim, deixa pra
lá.
Last, but not least: se os EUA quisessem realmente substituir seu arcaico sistema eleitoral por urnas eletrônicas ou algo parecido, será que a NASA, o MIT, a Microsoft, a Apple ou o Google não conseguiriam desenvolver uma solução quase tão boa quanto a nossa?
Responda quem souber. Eu, por mim, prefiro deixar pra lá.
P.S. Como desgraça pouca é bobagem, lá tem Donald John Trump e aqui, Jair Messias Bolsonaro.