No primeiro turno, o absenteísmo eleitoral foi de 29,3% (bem superior aos 21,84% de 2016). Imagina-se que esse percentual cresça ainda mais neste domingo, o que pode prejudicar o prefeito tucano. Covas, como se sabe, não pode prescindir do apoio do segmento mais idoso do eleitorado, e são justamente os mais velhos que, por serem do assim chamado "grupo de risco", costumam pensar duas vezes antes de sair de casa para votar.
Falando em "grupo de risco", a dois dias da votação o candidato do Psol testou positivo para a Covid-19. Com a confirmação, a TV Globo cancelou o único debate que faria nesta eleição municipal na capital paulista, segundo anúncio feito no Twitter pelo jornalista Cesar Tralli, que seria o mediador do encontro. Também pelo Twitter, Boulos informou que pediu à emissora que mantivesse o debate (do qual ele participaria de forma virtual) e a sua récua de muares militantes que tentem conquistar votos até domingo, dia da votação.
Segundo dados da última pesquisa Ibope, Covas lidera as intenções de voto com 48%, 11 pontos percentuais à frente do "novo Lula", que tem 37% e talvez não faça um mau negócio se perder essa eleição. Assim, não precisará encarar o desafio de administrar uma cidade como São Paulo, livrando-se do risco de perder o capital político recentemente conquistado, que lhe permitirá posicionar-se nas articulações do campo da esquerda para o embate de daqui a dois anos. A ver.
Observação: No Rio, as expectativas se concentrarem sobre o tamanho da surra que Marcelo Crivella levará de Eduardo Paes, que também não está numa situação das mais confortáveis, considerando que irá se deparar com uma cidade pré-falimentar, muito diferente daquela que prefeitou por oito anos e da qual saiu bem avaliado. Agora, tanto sua habilidade quanto seu capital político serão postos à prova.
Em O Sonho de um Homem Ridículo, Dostoievski, explica por que mais de um milhão de pessoas votaram no candidato populista de esquerda que, para explicar sua postura de eterno confronto, é capaz de cunhar pérolas como “radicalismo é ter gente revirando o lixo para comer”.
Boulos e o Psol expressam a queda do homem e sua malfadada crença de que é possível se igualar a Deus e criar o Paraíso na Terra. Não deu certo uma vez. Não deu certo duas, dez, vinte vezes. Não dará certo agora. Nem nunca. Porque a ideia de que é possível controlar a ação humana é antinatural. Mas Boulos, o Lula com contornos científicos, insiste no erro. E consegue arrastar uma legião formada sobretudo por uma elite intelectualizada, que abdicou da fé na realidade e hoje prefere abertamente a fé na ciência social.
Nos últimos anos, o eleitorado “de direita” esteve tão
ocupado em rebater as acusações de fascismo e em pôr Lula et caterva
na cadeia que se esqueceu da força do discurso progressista. Tão certo estava do ridículo do discurso identitário que ignorou sua força entre os que já
foram arregimentados pela fé secular da política, e que, portanto, não veem
outros motivos para existir que não o fato de ser negro, homossexual ou trans, e a possibilidade de “vingar a história de opressão”. Ainda que isso seja puro
delírio.
Observação: Um resumo da vida política brasileira
nas últimas eleições aparece em dois termos: petistas e antipetistas.
A rejeição ao PT esteve presente em 2016 e em 2018, na esteira da crise
política que levou ao impeachment de Dilmanta e das investigações da Lava-Jato.
Um cenário que fez o bando perder eleitores, apesar de ainda ser um dos mais
votados, e cair das 256 prefeituras conquistadas em 2016 para, até agora, 174 —
sem considerar os resultados das 15 que disputa no segundo turno.
Tamanha foi, também, a obsessão da luta anticorrupção que nos esquecemos de que ela é uma febre que quaisquer trinta gotinhas de paracetamoro amenizam, mas não eliminam o vírus, que é a crença de que o Estado é meu pastor e nada me faltará. Durante décadas o PT professou esse credo, que agora é repetido pelo Psol. E não há reação capaz de ir contra esse movimento. Até porque a reação, isto é, o movimento difuso que atende por bolsonarismo baseia-se na mesma premissa: a de que o Estado é capaz de prover o maná que nos sustentará durante essa travessia do nada rumo a lugar nenhum. Não é.
É possível que Boulos seja apenas um sonho ruim. Que o Psol se revele uma quimera tão sem futuro quanto as
causas ultra identitárias do partido. Mas também é possível que o discurso de
vingança seduza (mais uma vez) uma população com uma noção deturpada de justiça, doutrinada por professores, muitos deles filiados ao Psol,
que acredita que o prefeito, governador e presidente existem para lhes dar uma
vida fácil, sem quaisquer obstáculos.
Eis como Dostoievski descreve a queda do homem e,
incidentalmente, explica o fascínio que figuras como Boulos despertam: “(...)
O conhecimento é maior do que o sentimento, a consciência da vida é maior do
que a vida. A ciência nos dará sabedoria, a sabedoria revelará as leis e o
conhecimento das leis que regem a felicidade é maior do que a felicidade. (...)
Todos sentiram tanta inveja dos direitos de sua personalidade que passaram a
fazer todo o possível para prejudicar e destruir a personalidade dos outros, e
tornaram isso o sentido de suas vidas. Depois veio a escravidão, até mesmo a
escravidão voluntária; os fracos se submetiam aos fortes, desde que os fortes
os ajudassem a subjugar os ainda mais fracos”.
Mesmo nesse contexto, a campanha do candidato do Psol
não acredita ter mais a perder do que a ganhar com o apoio (ainda que insincero)
do demiurgo de Garanhuns. "Todo partido tem algum nível de rejeição, mas tem também apoio na cidade, simpatizantes, eleitores, e nós não podemos
prescindir desses apoios para chegar à vitória", disse ao UOL o
presidente nacional do Psol, Juliano Medeiros.
Boulos também prefere avaliar que o PT mais ajuda que atrapalha na campanha. "Todos esses apoios agregam, fazem a nossa campanha crescer ainda mais", disse. Já para Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, "o antipetismo já é antiBoulos". A questão é que isso não faz com que o PT deixe de ser uma força partidária relevante, com militância na cidade, e que é imprescindível para chegar à vitória.
Quem não vota no PT já não vota em Boulos,
independentemente do apoio do PT. Mas a associação com a quadrilha de Lula
pode e será utilizada, sobretudo porque o bando vermelho foi rival do bando tucano
nas últimas décadas. Mas o detalhe é que o Psol agora enjeita o papel de coadjuvante.
Quer ser protagonista. Se será ou não, só o tempo dirá.