Depois que deixou o governo, há seis meses, Sergio Moro saiu de cena. Mas sua “quarentena jurídica” terminou na semana passada, e agora ele está liberado para realizar atividades remuneradas sem a prerrogativa de conflito de interesses com o cargo que ocupava.
Recentemente, em entrevista à Rádio Guaíba, o ex-ministro comentou a soltura de André do Rap. “Foi uma comédia de erros. O Congresso fez inserções que mais prejudicaram do que ajudaram. Dentre elas essa regra de revisão da prisão preventiva. Sem ela, André do Rap já teria sido condenado duas vezes”, disse.
De passagem, Moro comentou a
nomeação de Kassio Nunes para o STF: “O novo ministro não é
conhecido por posições mais rigorosas na parte criminal. Isso não significa que
ele não é competente. Bolsonaro, no entanto, não seguiu a linha que
prometeu na campanha”. Eu não poderia concordar mais.
Nada como o Supremo Tribunal Federal no Brasil de
hoje — e olhem que o STF tem concorrente que não acaba mais — para
apresentar espetáculos de circo com cara de “melhores momentos” da história
universal das democracias, do Estado de Direito, das “instituições” e da
ciência jurídica em geral.
Basta olhar as poses dos ministros, suas togas, o moço que
lhes puxa a cadeira para se sentarem, o patuá que falam e apresentam como
“linguagem técnica” para se ver, na hora, que nada daquilo ali pode ser sério.
E não é mesmo.
Num de seus recentes shows, a “corte suprema” no Brasil se
debruçou sobre a monumental questão jurídica levantada em torno de “André do
Rap”, um condenado por tráfico de drogas que faz parte da chefia do PCC
em São Paulo — sua condenação, aliás, está confirmada tanto no TRF-3
como no STJ. Resolveu, com grande severidade, que ele deve continuar
preso — mas só que isso não serviu para absolutamente nada, pois o
luminar do saber jurídico e atual decano dos egrégios togados havia tomado
pouco antes recomendabilíssima precaução de mandar soltar o homem —
que, por óbvio, fugiu no ato.
Para que toda essa palhaçada? Por que, aliás, o STF
ainda está mexendo com um criminoso condenado em terceira instância? Já não deu
para saber se ele é culpado ou não? O vírus que provocou essa última alucinação
suprema foi um dispositivo pró-crime introduzido, vejam só, no “pacote
anticrime” que o Congresso aprovou em dezembro de 2019 — justo no pacote
“anticrime”.
O chefe do PCC achou que tinha direito a ser solto,
pela tramoia legal enfiada dentro da lei. Recorreu ao ministro Marco Aurélio.
Foi atendido na hora, com uma rapidez que, se fosse aplicada para os cidadãos
comuns, faria do STF o tribunal mais eficiente do mundo.
Depois que o leite foi devidamente derramado e o criminoso
já estava devidamente longe, o plenário do STF, bravamente, se insurgiu contra
a decisão “monocrática” do decano e decretou que a prisão de “André do Rap”
estava confirmada — só que não havia mais “André do Rap” para ser preso.
Ao fim e ao cabo, todos se deram muito bem. O eminente
ministro fez o que queria. Um ex-assessor seu, sócio da advogada que entrou com
o habeas corpus em favor do condenado, ficou obviamente feliz. Os outros
ministros fizeram papel de justiceiros a custo zero, proibindo que se soltasse
um inimigo da sociedade depois que ele tinha sido solto. “André do Rap”,
enfim, achou isso tudo uma beleza.
É o império da lei à brasileira. Serve para todo mundo —
menos para a população, que paga o salário de todos eles e que tem o direito de
ser protegida pela Justiça.
Com J.R. Guzzo.