quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

BOLSONARICES E PAZUELLICES

 

Depois que o Colégio Eleitoral ratificou a vitória de Joe Biden e o líder da maioria republicana no Senado cumprimentou o democrata — a exemplo dos presidentes da Rússia e do México —, Bolsonaro (com 38 dias de atraso) finalmente se rendeu aos fatos. Na última terça-feira, durante uma entrevista que concedeu ao apresentador José Luiz Datena, disse nosso morubixaba: 

Alguns minutos antes de entrar no ar eu já dei um ‘start’ para o nosso ministro Ernesto Araújo, para ele fazer essa comunicação nossa, nas redes oficiais do governo. Depois, nas minhas redes particulares. Da minha parte, e da parte dele com toda certeza, o americano é pragmático, nós vamos fazer um trabalho de cada vez mais aproximação.” Até a noite desta terça-feira, somente ele o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, não haviam cumprimentado Joe Biden. Enfim, cada circo tem o palhaço que merece.

No Circo Marambaia tupiniquim, 211,7 milhões de palhaços continuam sem saber se, quando e como serão imunizados contra o vírus que o pior líder mundial no combate à pandemia classificou de “pequena crise” e vaticinou: “serão menos mortes que as [800] causadas pela gripe suína”. 

Clarividente, nosso “mito” vislumbrou por detrás da hecatombe sanitária supostos “interesses econômicos”. Falastrão, gabou-se: “depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, não. Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, o máximo que me aconteceria seria ser acometido de um resfriadinho”. Mais recentemente exortou seus liderados a voltar à normalidade: “O vírus está aí, vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, não como moleques”.

Perguntado sobre o número de mortos, Bolsonaro respondeu ao jornalistas: "Quem fala disso é coveiro. Eu não sou coveiro". Em outra oportunidade, brindou a imprensa com a seguinte pérola: "E daí? Quer que eu faça o quê? Todo mundo vai morrer um dia! Não podemos fugir da realidade." Mais adiante, chamou de "maricas" os brasileiros que usam máscara, fogem de aglomerações e seguem os protocolos estabelecidos por imunologistas e cientistas do mundo inteiro. Semanas atrás, do alto de seus 38% de aprovação popular, sentenciou: "Estamos vivendo o finalzinho de uma pandemia".

Não bastasse ter defenestrado um ortopedista (no dia 16 de abril) e um oncologista (em 15 de maio) do ministério da Saúde para entregar o comando da pasta a um general supostamente especializado em logística (talento que até o momento não apareceu), Bolsonaro, num surto de disputa política e de xenofobia, exigiu do taifeiro-triestrelado que cancelasse a compra da “vacina chinesa do Doria” (que é como nosso líder se refere à CoronaVac) e pressionou a Anvisa para procrastinar a aprovação do imunizante em questão. 

No lance mais recente, o presidente disse que não vai se vacinar, colocou em dúvida a segurança do processo e insinuou uma campanha para alertar a população sobre os riscos dos imunizantes. Compreende-se. Quanto menos gente quiser a vacina, menor será a pressão sobre o governo. O problema é que essas abilolices criam dúvidas onde antes havia esperança. Em agosto, 9% dos brasileiros diziam que não se vacinariam; hoje, são 22%, metade dos quais afirma que jamais tomaria uma vacina desenvolvida na China.

Sabedor de que 52% dos brasileiros ouvidos pelo Datafolha não o culpam pelas vítimas fatais da Covid-19, o presidente caga e anda para a saúde da população. Até porque essas polêmicas o mantêm sob os holofotes. A incompetência chapada e a subserviência desbragada do ministro Pa(u-mandado)zuello justifica um processo de impeachment, mas de nada adiantaria, pois o procurador-pau-mandado-geral dificilmente o levaria adiante.

Observação: Quando assumiu o ministério como interino, Eduardo Pazuello teve justamente a experiência de logística destacada por seus pares. Hoje, constrangidos com o papelão do ministro, os generais afirmam "todos na caserna são experientes em logística, mas o Pazuello não faz mais parte do time".

Ao presidente que não governa, interessa-lhe a tão ambicionada reeleição (para continuar a não governar por outros quatro anos). Desde que o inquérito que o investiga no STF (por ingerência política na PF) seja sobrestado ou arquivado, que seus filhos enrolados não se tornem réus e que o amigão que pagava suas contas não volte para a cadeia, é até bom que as pessoas morram; assim, preocupados em carpir os entes queridos, o povo não sai às ruas para pressionar Rodrigo Maia a tirar seu avantajado buzanfã de cima dos mais de 50 pedidos de despejo do inquilino de turno do Palácio do Planalto.

A despeito de culpar o coronavírus por sua inação — “o Congresso tem de focar a pandemia” —, o presidente da Câmara está preocupado em fazer seu sucessor, e talvez por isso não tenha notado, mas é justamente o não-afastamento do cusco-caguira que atravanca o combate à pandemia. Afinal, se 22% dos brasileiros não querem se vacinar, 78% querem, mas são impedidos por este governo incompetente.

Ontem, ao apesentar a penúltima versão de seu “plano de imunização”, o general-ministro Pazuello assim se pronunciou: “Precisamos produzir mais e ter capacidade para controlar a ansiedade e a angustia para passarmos esses 45, 60 dias que serão fundamentais para que se consigam os registros.”

Disse ainda o fardado que terão de assinar um termo de consentimento aqueles que quiserem tomar uma vacina “eventualmente aprovada para uso emergencial”. Na mesma entrevista, o secretário de Vigilância Sanitária e Saúde, Arnaldo Medeiros, frisou que “a primeira fase de comunicação do plano de vacinação tem o intuito de tranquilizar a população”.

Observação: Especialistas em Saúde dizem que “a necessidade de assinatura de um termo de responsabilidade pode suscitar dúvidas na população e desestimular a vacinação”. Já os juristas afirmam que a obrigatoriedade do termo é ilegal.

Na avaliação do presidente da Câmara, Pazuello vai muito mal e se perdeu na gestão da pasta: “Eu acho o ministro da Saúde um desastre. Vai ser um desastre para o país, primeiro, e para o governo. No momento da pandemia, o ministério da Saúde do jeito que está, quem vai pagar a conta primeiro é a sociedade, que é mais importante do que o governo pagar a conta.”

Maia ironizou a suposta habilidade logística do general, que, segundo ele, até agora não apresentou nada organizado, para a vacina, para nada. Nas palavras do deputado:

 “Eu acho que ele pode, sem dúvida nenhuma, além de prejudicar muito a imagem do Exército brasileiro, ele pode comprometer muito, com essa falta de organização, com essa incompetência, tanto a solução para a vacina quanto a solução para esse movimento, esse aumento no número de infectados, de mortos, que precisaria de uma articulação melhor e de melhor qualidade entre governo federal, estados e municípiosO Exército vai perder o que ganhou nos últimos anos de imagem desde a redemocratização. Pazuello é um ótimo general para fazer a logística do Exército, mas para fazer a logística do Ministério da Saúde é um desastre.”

Encerro com um texto da jornalista Vera Magalhães:

As pesquisas divulgadas no fim de semana pelo Datafolha pintam um cenário tão desanimador quanto a nossa absoluta ausência de estratégia para uma campanha de vacinação eficaz contra o novo coronavírus: elas mostram que boa parte da sociedade brasileira foi inoculada pela boçalidade de Jair Bolsonaro, e que ela se alastra por terrenos perigosos e dá a esse presidente, o pior da República, uma resiliência inacreditável num cenário de mortes e crise econômica.

O presidente, com seu comportamento indigno da cadeira que ocupa, voltou a dizer na terça-feira que não se vacinará contra o coronavírus. Como tantas vezes tem feito nos últimos dois anos, novamente se comportou como um inconsequente, ao promover aglomerações na Ceagesp e instar uma criança a tirar a máscara para ser compreendida, e mostrou o ridículo de que é feito ao se enfurnar no meio da bandinha da Polícia Militar do Estado de São Paulo, numa pose ridícula de prefeito de Sucupira.

Esse tipo de postura se impregnou em setores da sociedade de forma mais deletéria do que poderíamos imaginar antes da pandemia. No Brasil, movimentos antivacina nunca tiveram grande aderência, mas com Bolsonaro até isso vai sendo corroído.

A pesquisa Datafolha mostra que são 22% os que dizem que não pretendem se vacinar. Eram 9% em agosto! Entre os que dizem confiar em Bolsonaro, esse índice vai a 33%. E os que dizem que não aceitariam se vacinar com imunizante chinês são 47%.

É impressionante a adesão de uma parcela imensa dos brasileiros à desinformação absoluta em relação às vacinas, praticada de forma deliberada e estudada pelo presidente e por seus asseclas. Isso no momento em que o País já vive uma segunda onda de contágio pelo Sars-CoV-2 e não tem perspectiva de receber vacinas que não sejam a Coronavacproduzida pelo Butantan, pelo fato de Bolsonaro e seu ministro da Saúde, o inepto general Eduardo Pazuello, não terem feito seu trabalho.

Combinado com os outros dados da pesquisa, que mostram aprovação de 37% dos brasileiros a Bolsonaro e que 44% livram o presidente de culpa pela má condução do combate à pandemia, temos um cenário desolador em que vamos ficar no fim da fila da vacina sem que a população exija de forma altiva o seu direito a ser vacinada para que o País comece a superar a maior epidemia que o atingiu desde 1918!

Trata-se de uma corrosão muito rápida e profunda dos valores que guiam a vida em sociedade — entre os quais a constatação, que deveria ser óbvia, de que a vacinação é um direito, sim, mas também um dever de um indivíduo em relação à coletividade e à saúde pública.

A completa falta de preocupação de Bolsonaro com as mais de 181 mil mortes de brasileiros e sua incapacidade de recomendar àqueles que governa qualquer conduta que não seja individualista, egoísta e baseada numa visão estreita e mesquinha de mundo vão moldando o pensamento de uma parcela do povo brasileiro à imagem e semelhança do capitão. E sua imagem é a de alguém que banaliza a vida.

Diante de tal estado de apatia combinada com cinismo cabe como último recurso contar com o funcionamento ainda que precário das instituições. O STF terá a chance de colocar nos trilhos o Plano Nacional de Imunização indigente divulgado pelo general Pazuello, e estabelecer regras para que sim, a vacinação (quando houver vacina) seja obrigatória para matrícula e frequência em escolas, viagens de avião, inscrição em concursos, frequência em academias de ginástica etc.

Porque só esperar o bom senso dos brasileiros, como mostram as pesquisas e as cenas de aglomeração em várias cidades e as promovidas pelo presidente, não será suficiente.