Uma suprema tramoia urdida nos porões da Suprema Corte nos autorizava a prever que os supremos togados reescreveriam (mais uma vez) a Constituição, desta feita para conceder aos presidentes das duas Casas Legislativas que compõem o Congresso Nacional o "direito líquido e certo que lhes foi tolhido pelo constituinte inclemente" que, no § 4.º do art. 57 da Carta Magna de 1988, escreveu o seguinte:
“Cada
uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1.º de
fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e
eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a
recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.”
Agonizante, o pobre parágrafo aguardava o tiro de misericórdia, digo, o voto de misericórdia que o tornaria letra morta. Mas há situações em que o imprevisto tem voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e acabou que, por 6 votos a 5, nosso herói sobreviveu.
Julgava-se uma ação na qual o PTB de Roberto
Jefferson (aquele do Mensalão) buscava assegurar o "teor literal"
do parágrafo em questão, afastando "qualquer
interpretação" dos regimentos internos da Câmara e do Senado "que
busque ampliar o alcance do dispositivo constitucional."
Sorteado relator da ação, Gilmar Mendes tratou a Constituição promulgada nas pegadas da redemocratização como um "resquício do autoritarismo" militar.
A despeito de o ter o texto ter sido elaborado por um Congresso Constituinte, ao qual foi outorgada essa atribuição, o iluminado de toga construiu uma tese que submete a Lei às
conveniências da conjuntura política. Na opinião do ministro,
a sucessão na Câmara e no Senado é assunto interno do Congresso, e o Supremo
não deve meter o bedelho, exceto quando for necessário ajustar o brocardo.
Decisões do Supremo sobre temas políticos
costumam gerar polêmicas e ser amplamente discutidas. Sejam os debatedores os ditos especialistas ou não,
sempre há os que veem razões substantivas nos votos vencidos e vencedores. Desta vez, no entanto, os cinco ministros que se uniram para trucidar o pobre artigo retrocitado ficaram falando sozinhos, reféns da evidência de que atuaram
na jurisdição política.
Perverter o texto constitucional, ainda mais quando se é dele o guardião, não deixa de ser um atentado à democracia. Assim como criar uma crise interna de óbvias e graves repercussões externas por motivo fútil não fará bem à já alquebrada reputação do colegiado.
Submetidas ao constrangimento de ser expostas e isoladas na condução de um acerto político, as togas vencidas articulam nos porões da Corte a obstrução de pautas propostas por Fux e tramam manobras regimentais que imponham empecilhos ao trabalho do presidente do Tribunal.
Embora ocorra com frequência na esfera do Legislativo, no âmbito do Judiciário essa prática recende a desvio de função, extrapola o limite do dissenso, exorbita a divergência natural entre magistrados e entra no terreno da picuinha vingativa, cujo prejuízo institucional atinge o país justamente numa quadra em que o equilíbrio é não apenas essencial ante o desequilíbrio reinante no Executivo, como foi valor reivindicado pela população nas recentes eleições municipais.
Rumo oposto tomarão as excelências contrariadas se levarem adiante o plano de transformar o STF numa arena de vale-tudo em nome de vaidades e agendas pessoais que em nada interessam ao Brasil.
Com Josias de Souza e Dora Kramer