terça-feira, 8 de dezembro de 2020

BRASIL — A INCOMPETÊNCIA QUE ATRAVANCA O PROGRESSO!

 


A novela das vacinas está longe de terminar. A boa notícia é que pelo menos 50 dos mais de 200 imunizantes em desenvolvimento mundo afora estão em fase de testes e seis aguardam liberação por parte dos órgãos responsáveis. 

No Reino Unido, a vacina da Pfizer foi aprovada para uso emergencial; no México, a Comissão Federal para a Proteção contra Riscos Sanitários e o Ministério da Saúde já têm a solicitação correspondente, e a população deve começar a ser vacinada ainda este mês. Na Rússia, primeiro país no mundo a registrar uma vacina, a Sputnik V começou a ser distribuída em um hospital de Moscou no último dia 30.

Observação: A Pfizer descobriu que as matérias-primas usadas no início da produção de seu imunizante não atende aos padrões da empresa, e deve reduzir para 50 milhões o volume total de doses que serão despachadas para diversos países até o final do ano em curso. Ainda assim, a previsão é de que mais de um bilhão de doses sejam distribuídas em 2021.

Aqui nesta espelunca, o general Pazuello — comandante em chefe do Ministério da Saúde (sob intervenção militar desde maio, quando o oncologista Nelson Teich deixou o cargo 28 dias depois da nomeação) — informa que já elaborou um plano para vacinar a população a partir de março, e que o processo se dará em quatro etapas

Tomara que ao menos isso funcione, que não se repita o show de incompetência envolvendo os 6,86 milhões de testes RT-PCR cuja validade expira entre este mês e o próximo e, portanto, correm o risco de ir para a lata do lixo

A propósito: a aprovação de vacinas deve acarretar uma demanda gigantesca por insumos usados no processo de imunização e, consequentemente, resultar na falta de seringas e agulhas. Será que alguém já está providenciando esse material?

Observação: Pazuello foi criticado por conta da condução da pasta nas últimas semanas e sua cabeça vem sendo pedida por membros do governo e da base governista, tanto do Centrão quando da ala ideológica. Mas o morubixaba da aldeia reluta em servi-la. Os militares são contrários à ideia (o ministro, vale lembrar, é general da ativa), pois passaria a impressão de que não conseguiram colocar ordem no Ministério da Saúde.

As declarações do ministro-general seriam tranquilizadoras se fossem críveis. Em audiência no Congresso, ele tratou como certa a chegada ao Brasil, a partir de janeiro, de uma vacina que acaba de retornar à fase de testes. Deu especial realce ao produto do laboratório AstraZeneca, principal aposta do governo — que já investiu quase R$ 2 bilhões nesse imunizante — e aguarda o desembarque de 15 milhões de doses. 

Observação: A Fiocruz falava em 30 milhões de doses. Pazuello diz que haverá 100 milhões delas no país já no primeiro semestre de 2021, e mais 160 milhões no segundo semestre. Pela conta da Fiocruz, o número do segundo semestre seria de 110 milhões de doses, ou seja, 50 milhões a menos.

O ministro esqueceu de lembrar — ou lembrou de esquecer, como ironizou Josias de Souza — que um grupo de voluntários recebeu uma dose e meia em vez das duas doses previstas e, paradoxalmente, quem tomou a dose menor teve proteção maior (de 90%) do que quem recebeu as duas doses completas (62%). Assim, a vacina teve de retornar à fase de testes e o cronograma de entrega exposto pelo general vale até certo ponto: o ponto de interrogação.

Pazuello declarou que o governo espera receber outros 42 milhões de doses de vacinas do consórcio Covax Facility, coordenado pela OMS. Que vacina? Ele citou o imunizante da Pfizer, mas há aqui dois problemas: 1) a Pfizer ainda não aderiu ao consórcio da OMS, no qual o Brasil investe R$ 2,5 bilhões; 2) o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, auxiliar que priva da confiança do ministro, declarou na véspera que essa vacina não serve para o Brasil por conta da temperatura de armazenagem.

Por mal dos pecados, o general não mencionou em sua exposição a CoronaVac, chamada pelo capitão-cloroquina de "vacina chinesa do João Doria.", que, ironicamente, pode ser a única vacina disponível no Brasil no início do ano. Se for certificada pela Anvisa, ela será aplicada em São Paulo. Doria afirmou na última quinta-feira que 46 milhões de doses estarão disponíveis em janeiro, e a chegada de 600 litros para a manufatura de um milhão de doses permitirá a produção da primeira vacina contra o coronavírus em solo nacional já a partir desta segunda-feira (7).

Durante a coletiva, o tucano criticou o cronograma do governo federal, que prevê para março o início da imunização. “Se o Ministério da Saúde tiver juízo, competência e a visão de que a vacina é para todos os brasileiros, poderá oferecer a outros estados [antes do previsto”, disse Doria. “É surpreendente essa indiferença, esse distanciamento [com a população], essa falta de compaixão com a vida dos brasileiros. Por que iniciar a imunização em março quando podemos fazer em janeiro?

Antes de concluir, relembro que milharmilhão, bilhão, trilhão, e assim por diante, são substantivos masculinos, e que a concordância nominal se traduz pela adaptação em gênero e número do substantivo a seus modificadores — artigos, pronomes, adjetivos e numerais. Portanto, o certo é dizer “dois milhões de doses da vacina...”, e não “duas milhões de doses...”, como tenho ouvido com irritante frequência nos noticiários. A confusão se dá porque alguns determinados numerais apresentam flexão de gênero — caso dos cardinais 1 e 2, e as centenas a partir de 200. Por exemplo: duas doses, duzentas doses, quinhentas doses. Mas, de novo, milhão, bilhão e companhia são substantivos masculinos.

Ensina o professor Pasquale Cipro Neto que, com o devido perdão das mulheres, o certo é escrever “os milhões de mulheres". Se tratássemos da moeda britânica — a libra —, não diríamos, por exemplo, que um quadro foi vendido por “duas milhões de libras”, e sim por “dois milhões de libaras”, já que o artigo concorda não concorda com “libras”, que é palavra feminina, mas com “milhões”. Pode-se dizer o mesmo de casos como o de "as duas milhões de doses", que se deve trocar por "os dois milhões de doses".

Em suma: Os artigos e os numerais que antecedem "milhar", "milhares", "milhão" e "milhões" devem ser masculinos ("os milhões de geladeiras", "os milhares de reclamações", "os dois milhões de vítimas"). Vale lembrar que se diz "duas dúzias de ovos" (e não "dois dúzias de ovos").  

Quanto ao adjetivo e o particípio em casos como o de "os dois milhões de libras investidos(as)” ou o de "os dois milhões de doses que foram distribuídas(os)", a concordância é livre, podendo ser feita com milhões ("investidos" e "distribuídos", respectivamente) ou com o substantivo posterior ("os dois milhões de libras investidas" e "os dois milhões de doses que foram distribuídas"). Na prática, predomina a concordância, por atração, com o último elemento ("libras" e "doses").

Diante da incompetência acachapante deste governo — se é que se pode chamar esse show de horrores de governo —, o fato de um ou outro âncora de telejornal cometer erros de concordância nominal perde a relevância. Mesmo porque são erros de fácil correção, ao passo que a falta de absolutamente deste governo de merda... só mudando o governante.