quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

ENQUANTO POLITIZAM AS VACINAS, BRASILEIROS MORREM COMO MOSCAS


Demorou quase dois anos, mas finalmente o general da banda resolveu demitir o ministro do Turismo, envolvido de primeira hora nas investigações do que ficou conhecido como “laranjal do PSL”. 

Marcelo Álvaro Antônio, que tinha mandato de deputado na época em que a prática teria ocorrido, foi denunciado em outubro de 2019 pelo Ministério Público. Passado mais de um ano, a Justiça (leia-se o todo poderoso semideus de toga, Gilmar Mendes) ainda não decidiu se aceita ou não a denúncia.

Segundo O Globo, o presidente da Embratur, Gilson Machado, foi recebido por Bolsonaro no Palácio do Planalto minutos depois de Antônio ser informado da demissão. O jornal diz ainda que Machado negou que será o próximo a assumir o Ministério. 

Dito isso, voltemos às benditas vacinas.

Vivemos num mundo de tolos, onde os que não o são fingem ser para conviver com os que são. Daí maus políticos nos fazerem de trouxas, usarem nosso ouvido de penico e insultarem nossa inteligência — maus políticos é modo de dizer, já que “bons políticos” são como cabeça de bacalhau: sabe-se que existem, mas ver, que é bom, ninguém viu.

A estapafúrdia politização da CoronaVac é um bom exemplo. Bolsonaro receia que o imunizante desenvolvido pelo laboratório chinês SinoVac em parceria com o Instituto Butantan renda dividendos políticos ao governador de São Paulo, provável candidato à presidência em 2022. Daí ele ter desancado publicamente seu fiel escudeiro à frente do ministério da Saúde, ao saber que o general se comprometera a adquirir 46 milhões de doses do imunizante chinês (detalhes no post anterior).

Tivesse o estrelado um mínimo de autoestima e pediria o quepe; como não tem, desmancha-se em subserviência. “Um manda e o outro obedece”, disse o pobre vassalo ao nobre suserano, que filmava a cena estuante de ternura e postava nas redes sociais, para mostrar à caterva que o apoia quem é o galo do terreiro. 

Num país convencional, sob um presidente menos anormal, o ministério da Saúde estaria articulando a compra e distribuição de vacinas, seringas, agulhas e congêneres. Na “democracia consolidada” dos devaneios do ministro Barroso, o que se vê é um embate surreal, irresponsável e criminoso.

Observação: Segundo dados do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde, cada dia de atraso no cronograma de vacinação pode aumentar em 50 mil o número de casos e em 800 o de vítimas fatais da Covid-19.

Lei 14.006, de maio, alterou o artigo 3° da Lei 13.979/2020, permitindo a autorização excepcional e temporária, sem registro da Anvisa, para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária que sejam considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus, desde que registrados por pelo menos uma de quatro autoridades sanitárias elencadas. São elas a Food and Drug Administration, dos Estados Unidos; a European Medicines Agency, da União Europeia; a Pharmaceuticals and Medical Devices Agency, do Japão; e a National Medical Products Administration, da China. O dispositivo legal obriga a Anvisa a dar seu parecer em até 72 horas. Caso contrário, a autorização é concedida automaticamente. 

Mas o Brasil é um país de muitas leis e pouca vergonha na cara, com salientou o jornalista Augusto Nunes. E o mais provável é que esse imbróglio acabe enganchado na “curva de rio” que se tornou o STF. Mas isso é outra conversa.

No que concerne à troca de farpas entre Bolsonaro e Doria, vale lembrar que nenhum teimoso teima sozinho. É compreensível que ambos queiram tirar proveito político da situação, mas inadmissível que o façam à custa da saúde da população. 

Não tenho procuração para defender o governador (nem acho que lhe interessa ter a mim como defensor), mas considero injusto condená-lo por ter "extrapolado",  na reunião virtual da última segunda-feira, quando acusou o ministro-general de fazer política com a CoronaVac. Até porque o tal prazo de 60 dias que, segundo Pazuello, a Anvisa tem para autorizar o uso de uma vacina foi inventado para impedir que “a vacina chinesa do Doria” seja ministrada antes do início da campanha nacional com o imunizante da AstraZeneca.

Como dito, o Pazuello “comanda” a Saúde sob a rígida hierarquia militar segundo a qual manda quem pode e obedece quem tem juízo. Embora tenha patente de general de divisão e seu chefe tenha deixado a caserna pela porta de serviço quando era um simples capitão, o artigo 142 da CF dispõe que:

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem

Portanto, qualquer um que seja empossado presidente desta republiqueta de almanaque, seja ele civil ou militar, torna-se automaticamente o “comandante-em-chefe das Forças Armadas”.

É compreensível que Bolsonaro queira mijar no chope de Doria, mas não se pode perder de vista que o governador tucano busca imunizar o quanto antes a população do seu estado, enquanto o sumo mandatário desta banânia (que nem partido tem) chama a Covid-19 de “gripezinha” (e depois nega mentirosamente tê-lo feito, como negou ter dito que não ia esperar “foder minha família ou amigo meu“ para trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro).

Observação: O capitão também debochou do prefeito de Itajaí (SC), que anunciou a aplicação de ozônio pelo ânus como tratamento contra o vírus; tripudiou dos brasileiros que foram infectados; chamou o Brasil de “país de “maricas”, e por aí segue sua abjeta procissão de palhaçadas.

Até onde foi possível apurar (são 16h00 de quarta-feira, 9), o ministério da Saúde sequer encomendou as seringas necessárias à vacinação, ao passo que Doria já estabeleceu um cronograma estabelecendo o início da imunização dos paulistas em 25 de janeiro, aniversário da capital do estado. E foi somente depois que governador tucano anunciou seu calendário que o governo federal começou a se mexer. Pazuello, que se havia negado a receber os executivos do laboratório Pfizer, disse ter autorizado a compra de 70 milhões de doses. Só que a Pfizer não tem 70 milhões de doses para entregar ao Brasil em 2021. Depois do bate-boca entre Pazuello Doria, uma nota da Secom afirmou que o Brasil terá disponível um total de 300 milhões de doses (só Deus e a secretaria sabem de onde veio esse número; até quarta-feira, Pazuello só garantia 100 milhões de doses. 

Enfim, não fosse a pressão do governador paulista, o Planalto continuaria em ritmo de cágado perneta. O jornalista Thomas Traumann postou no Twitter que "os políticos e analistas chocados com o jeito rude de Doria deveriam juntar seus exércitos de unicórnios voadores e autores de notas de repúdio para ver o que seriam capazes de fazer; este é um governo que só se mexe no confronto"

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) criticou a previsão de Pazuello: “Nós já temos uma vacina em fase final de testes no Brasil, que é a CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan e pelo governo do Estado de São Paulo. No dia de hoje, o Reino Unido já começou a vacinação. Antes de terminar o ano, outros países o farão. Então, quero apelar ao governo, que não pode continuar titubeando como está na questão fundamental da resolução da vacina." 

O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) também criticou o governo federal: "Nós precisamos tomar um norte, um rumo, uma direção. A vacina, não importa se é chinesa, se é americana, se é russa, se é inglesa. Não importa. Ela tem que vir para o Brasil para atender o povo brasileiro".

Também nesta quarta-feira, a OAB acionou o STF para que o governo federal seja obrigado a garantir o uso das vacinas que forem aprovadas e registradas por agências reguladoras de outros países. A entidade se respalda na retro citada  Lei Covid”, aprovada pelo Congresso Nacional no início da pandemia. Na petição, a entidade afirma que o Executivo Federal “tem menosprezado a gravidade da situação e vem assumindo uma postura omissa e negacionista, quando, em verdade, deveria assumir o papel de coordenação e articulação nacional em torno do combate à pandemia”, e que a demora na definição do plano de vacinação coloca em risco o direito à saúde, inclusive por meios públicos; o direito à integridade física dos cidadãos; e também o direito humano e fundamental à vida. Nesta quarta-feira, Pazuello afirmou que a vacinação pode começar em janeiro.

Além de levar a questão das vacinas para instância jurídica, a OAB também solicitou ao STF que os fundos de recursos recuperados em operações contra a corrupção, como a Lava-Jato, sejam investidos no plano nacional de imunização contra o coronavírus. Até o momento, nem o governo federal nem o ministério da Saúde se manifestaram oficialmente sobre a ação.

Enfim, todos cometem enganos, mas só os imbecis insistem, esperando que uma hora a asnice se transforme magicamente num acerto. Na administração da pandemia, Bolsonaro se agrilhoou a desatinos que já começam a ficar cansativos. Alguém deveria lembrar o indômito capitão de que Donald Trump, seu ídolo e modelo de negacionismo, levou um tranco das urnas americanas, e o eleitorado tupiniquim preferiu eleger prefeitos que lidaram com o vírus de costas para a pregação palaciana.