quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O "MEMENTO MORI" DO GENERAL REGO BARROS

 

O general de divisão do Exército Otávio do Rêgo Barros, natural do Recife (PE) e hoje com 60 anos, ingressou na carreira militar em 1975, como aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, e passou para a reserva no final de julho de 2019. De 2014 a janeiro do ano passado, ele chefiou o Centro de Comunicação Social do Exército e era um dos principais assessores do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Ambos deixaram seus postos para ocupar cargos de destaque no primeiro escalão do pesadelo kafkiano que nosso presidente delirante, o Messias que não miracula, chama de “meu governo”.

Como porta-voz da Presidência, Rego Barros falava diariamente com a imprensa no Palácio do Planalto. Mas passou a ser alvo de críticas do “vereador federal” Carlos Bolsonaro, para quem os cafés da manhã com jornalistas, organizados pelo general, serviam para prejudicar o presidente. No início deste ano, os briefings diários foram substituídos por falas do próprio presidente na entrada e saída do Palácio da Alvorada, e o general, esvaziado e sem função definida internamente, acabou demitido no dia 7 de outubro. Três semanas depois, sob o título “Memento Mori" — expressão latina que significa algo como "Lembre-se de que você é mortal" —, ele publicou no Correio Brasiliense uma analogia entre o papel que exercia no Planalto e as atribuições de um cochichador do imperador romano Júlio César. Confira alguns trechos do que escreveu o ex-porta-voz:

"Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói! É doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas eletrônicas, são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem tanto quanto uma nota de sete reais. Tão logo o mandato se inicia, aqueles planos são paulatinamente esquecidos diante das dificuldades políticas por implementá-los ou mesmo por outros mesquinhos interesses.

Rêgo Barros escreveu, ainda, que "a estabilidade política do império está sob risco." Insinuou que Legislativo e Judiciário devem manter Bolsonaro sob vigilância. "As demais instituições dessa República —parte da tríade do poder— precisarão, então, blindar-se contra os atos indecorosos, desalinhados dos interesses da sociedade, que advirão como decisões do 'imperador imortal'. Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões."

Além de recomendar atenção aos outros Poderes, Rego Barros criticou auxiliares presidenciais que se comportam como "seguidores subservientes" e exaltou o papel de um setor constantemente criticado pelo presidente: "A imprensa, sempre ela, deverá fortalecer-se na ética para o cumprimento de seu papel de informar, esclarecendo à população os pontos de fragilidade e os de potencialidade nos atos do César."

"Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião. O escravo se coloca ao lado do galardoado chefe, o faz recordar-se de sua natureza humana. A ovação de autoridades, de gente crédula e de muitos aduladores, poderá toldar-lhe o senso de realidade.

Infelizmente, nos deparamos hoje com posturas que ofendem àqueles costumes romanos. Os assessores leais — escravos modernos — que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos chegam a ficar roucos. Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal. 

A população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade. Por fim, assumindo o papel de escravo romano, ela deverá sussurrar aos ouvidos dos políticos que lhes mereceram seu voto: ‘Lembra-te da próxima eleição!’”, concluiu o general, e encerrou o artigo com a frase: "Paz e bem!".