ATUALIZAÇÃO: Liminar deferida na noite de ontem pelo ministro Humberto Martins, presidente do STJ, substituiu pelo regime domiciliar com tornozeleira a prisão preventiva de Crivella. Mais cedo, em audiência de custódia, a desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita decidira manter o alcaide preso, mas, segundo Martins, “não ficou caracterizada a impossibilidade de adoção de medida cautelar substitutiva menos gravosa", e que, de acordo com a jurisprudência daquela Corte, a prisão preventiva só deve ser mantida quando se mostrar imprescindível. Gilmar Mendes deve estar frustrado.
Na manhã desta terça-feira, a nove dias do final melancólico de sua desditosa passagem pela prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella foi preso preventivamente, no escopo da investigação sobre o "QG da Propina”. A ação é um desdobramento da Operação Hades, deflagrada em março deste ano, na qual Marcelo Alves, ex-presidente da Riotur, o irmão dele, Rafael Alves, apontado como um dos homens de confiança do prefeito, e Lemuel Gonçalves, ex-assessor de Crivella, foram os principais alvos.
As investigações, iniciadas no ano passado, partiram da
colaboração premiada do doleiro Sérgio Mizrahy, preso pela Operação
Câmbio, Desligo. Ontem, além do alcaide, foram presos preventivamente Rafael
Alves, Fernando Moraes, Mauro Macedo, Adenor Gonçalves
e Cristiano Stockler. Eduardo Lopes, também alvo de mandado de
prisão, não foi encontrado em sua residência no Rio e é considerado foragido.
Observação: A prisão preventiva visa proteger o inquérito ou processo, a ordem pública ou econômica ou a aplicação da lei, podendo ser decretada, por prazo indeterminado, em qualquer fase da investigação policial ou da ação penal. Já a prisão temporária tem duração de 5 dias (prorrogáveis por mais cinco) e pode ocorrer durante a fase de investigação do inquérito policial, para que a polícia ou o MP colete provas que embasem um eventual pedido de prisão preventiva.
Crivella — bispo licenciado e sobrinho do todo-poderoso Edir Macedo, dono da Universal — foi senador (de 2003 a 2017) e ministro da Pesca (entre 2012 e 2014, durante o governo Dilma). Em 2016, derrotou o candidato psolista Marcelo Freixo na disputa pela prefeitura carioca. Ao longo dos últimos quatro anos, escapou de 9 pedidos de impeachment (segundo informações da agência Fiquem Sabendo), mas duas CPIs foram instaladas para apurar denúncias de corrupção na prefeitura e o uso de servidores para atrapalhar jornalistas e intimidar pacientes na porta de hospitais da cidade.
Em setembro, o alcaide teve o celular apreendido durante o
cumprimento de um mandado de busca e apreensão; em novembro, disputou a
reeleição graças a uma liminar
da Justiça Eleitoral. A despeito de contar (ou talvez por contar) com o
apoio do clã dos Bolsonaro, foi fragorosamente
derrotado pelo ex-prefeito Eduardo Paes. Ironicamente, no último debate
entre candidatos à prefeitura, Crivella repetiu incansavelmente que seu
adversário acabaria preso. Ontem, o humorista Marcelo Adnet não deixou
barato (para assistir ao vídeo, clique aqui). Mas o
mais espantoso é que o agora ex-prefeito (Crivella foi afastado do cargo
pela mesma penada da desembargadora que decretou sua prisão) tinha
planos de concorrer ao governo estadual em 2022.
Rafael Alves, empresário e ex-presidente de honra da Escola
de Samba Acadêmicos do Salgueiro, foi apontado pelo MP como um dos
líderes do "QG da Propina", comandante de uma série de
atividades corruptas na prefeitura carioca e responsável
por apresentar JR Pereira, dono do Rio Motorpark, às autoridades municipais
(a empresa em questão foi a única concorrente e, consequentemente, a vencedora
da licitação do Autódromo de Deodoro, na Zona Oeste do
Rio). Em colaboração premiada, o doleiro Sérgio Mizrahy
disse que Alves se tornou um dos homens de confiança de Crivella
por ajudá-lo a viabilizar a doação de recursos de empresas e pessoas físicas na
campanha de 2016. Filiado ao Republicanos — partido do prefeito e dos
filhos 01 e 03 do presidente Bolsonaro —, Alves foi pré-candidato
à prefeitura de Angra em 2016.
Fernando Moraes, delegado aposentado, ex-chefe da Divisão
Antissequestro da Polícia Civil do Rio, ex-vereador pelo MDB e conselheiro da Agetransp em 2019, nomeado pelo ex-governador
Luiz Fernando Pezão, foi levado para a Polinter por apresentar
sintomas da Covid-19. Segundo um médico e executivo do grupo Assim
Saúde, que fez colaboração premiada com o MP, Moraes
chegou a cobrar propina a chutes, coronhadas e arma em punho.
Mauro Macedo, ex-tesoureiro de antigas campanhas de Marcelo Crivella
e acusado de receber doações não declaradas de R$ 450 mil da Fetranspor, tem fama de bom administrador herdada pelo
sucesso como gestor de negócios de empresas ligadas à Igreja Universal,
do primo Edir Macedo, e ganhou um apelido inusitado durante a campanha de Crivella à prefeitura em 2016: “Mestre dos Magos”.
Eduardo Lopes foi senador do Rio pelo mesmo partido
de Crivella — de quem era suplente —, e secretário de Pecuária, Pesca e
Abastecimento do governo Witzel. Tentou a reeleição no pleito de 2018, mas teve míseros 3% dos votos nas urnas. Durante a campanha, chegou a ser notificado por possível prática de propaganda irregular com
abuso de poder religioso. Alvo da operação desta terça, foi procurado em sua casa, no Rio, mas a defesa informou que ele está morando em
Belém do Pará, onde deverá se apresentar à polícia.
Os outros dois presos são os empresários Cristiano Stockler e Adenor
Gonçalves dos Santos — Adenor, a exemplo de Moraes, apresentava
sintomas da Covid-19 e foi levado para a Polinter.
Nos últimos quatro anos, sete políticos que ocuparam os palácios
da Guanabara e da Cidade (sedes do governo do estado e da
prefeitura da capital, respectivamente) foram presos ou afastados do mandato.
Todos os ex-governadores ainda vivos foram implicados em escândalos de
corrupção; cinco acabaram presos temporariamente — Moreira Franco, Anthony
Garotinho, Rosinha Garotinho e Luiz Fernando Pezão — e Sérgio
Cabral continua preso em Bangu 8, onde cumpre penas que somam 294
anos. Só Leonel Brizola e Marcello Alencar, já mortos, não
integram essa lista.
Nilo Batista, Benedita da Silva e Francisco Dornelles não respondem a processos, mas tampouco foram eleitos para o cargo. Batista governou do início de abril de 1994, após a renúncia de Brizola, até o final de dezembro do mesmo ano, quando deu posse a seu sucessor (o tucano Marcelo Alencar). Em janeiro de 1995, voltou a advogar e retomou suas atividades acadêmicas. Benedita governou entre 2002 e 2003, após saída de Anthony Garotinho para concorrer às eleições presidenciais. Já Dornelles governou por pouco mais de um mês, entre a prisão de Pezão, em novembro de 2018, e a posse de Wilson Witzel, em janeiro de 2019 — o ex-desembargador eleito governador em 2018 com o apoio de Flávio Rachadinha Bolsonaro, afastado em agosto passado, acusado de corrupção em contratos públicos, mas que ainda não foi alvo de mandado de prisão.
Luiz Fernando de Souza (conhecido como “Pezão” por calçar 47) governou de 2014 a novembro de 2018, quando foi preso pela Lava-Jato. Em dezembro de 2019 o STJ reverteu a prisão preventiva, e a partir de então Pezão se refugiou em Piraí (RJ), mas usa tornozeleira eletrônica e não pode sair de casa entre 20h00 e 6 da manhã. Antes de se eleger governador, ele foi vereador, prefeito da cidade de Piraí (RJ), subsecretário estadual de Governo e de Coordenação e secretário estadual de Obras, vice-governador e governador — cargo que assumiu com a renúncia de Sérgio Cabral, e para o qual se reelegeu em 2014. As denúncias contra ele envolvem crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa que somam R$ 39,1 milhões, em valores atualizados.
Garotinho ocupou o Palácio da Guanabara de 1999 a 2002. Desde que deixou o cargo, foi preso 5 vezes (acusado por crimes de corrupção, concussão, participação em
organização criminosa e falsidade na prestação das contas eleitorais), mas acabou sendo solto e responde aos processos em liberdade. Sua
Moreira Franco governou de 1987 a 1991 e foi preso em março de
2019, em um desdobramento da operação Lava-Jato, sob acusação de receber R$
1 milhão em propina pelo favorecimento de obras relativas à usina nuclear Angra
3. Passou 4 noites na cadeia e responde ao processo em liberdade.