Na postagem de sexta-feira eu comentei que Doria havia programado para o dia do aniversário da cidade de São Paulo — segunda-feira passada — um evento destinado a promover a CoronaVac e incentivar a população a se imunizar.
Segundo José Simão, Sarney parecia uma coruja empalhada que escapou da gripe espanhola. Como é imortal, o eterno donatário da Capitania do Maranhão não precisa se imunizar — a vacina dele é a “FormolVac”, produzida no Egito. Temer, que é vampirão, não quer vacina, quer sangue — a vacina dele é a SangueVac. Doria mandou um recado ao capitão-cloroquina pronunciando cada palavra com que em Caps Lock: BOLSONARO, EU SALVO VIDAS. A vacina do tucano, segundo Simão, é a CashmereVac.
Mudando de assunto, a última pesquisa Datafolha atestou que 40% dos brasileiros consideram Bolsonaro ruim ou péssimo (ante 32% no mês passado). Com isso, o capitão-cloroquina passa a ser dono da segunda pior avaliação entre todos os presidentes eleitos desde a redemocratização, atrás apenas de Collor (48%).
Em meio à
polarização político-ideológica que assola o país, pesquisas, avaliações, opiniões
e previsões devem ser recebidas com alguma reserva. O fanatismo emburrece e a burrice cega,
levando as pessoas a acreditar no que querem e ver as coisas como gostariam que fossem. Os devotos de S. Lula,
o podre, acreditarão ad aeternum na inocência do picareta, a despeito de ele ter sido condenado em dois processos (em três e duas instâncias,
respectivamente) e ser réu em mais meia dúzia de ações criminais.
Voltando ao morubixaba de turno, a atuação desastrosa do governo no enfrentamento da pandemia pode ter consequências. Lideranças do Congresso, ex-presidentes da República e até ministros do STF vêm discutindo nos bastidores o impedimento do alienado (ou a cassação da chapa pela qual ele e Mourão se elegeram, o que mataria dois coelhos com um paulada só).
O movimento pró-impeachment surgiu primeiro em partidos de esquerda e na sociedade civil, mas logo se espraiou, inclusive entre grupos de direita que saíram às ruas para pedir a cabeça de Dilma em 2016. A Folha listou 23 situações que podem embasar uma acusação de crime de responsabilidade contra Bolsonaro, mas Rodrigo Maia dizia ver erros, mas não crimes no procedimento do presidente, e mantinha seu avantajado buzanfã sobre cerca de 60 pedidos de abertura de processo de impeachment.
Quando o STF decidiu que os presidentes da Câmara e do Senado não poderiam disputar um segundo mandato dentro da mesma legislatura, Maia subiu o tom nos ataques ao capitão. A uma semana de deixar o posto, o deputado diz que a discussão sobre o impeachment será inevitável, mas achou por bem deixar o abacaxi dos pedidos de abertura processo para seu sucessor descascar. Na política, o desafeto de hoje pode ser o aliado de amanhã. E vice-versa.
Bolsonaro apoia Arthur Lira para a presidência da Câmara (falaremos da capivara do deputado alagoano numa próxima postagem) e Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado (o mesmo candidato apoiado pelo PT). O Psol, “pensando no bem comum”, lançou a "empolgante" candidatura da antediluviana Luiza Erundina, reduzindo a competitividade do desnorteado e combalido movimento oposicionista que sustenta a candidatura do deputado Baleia Rossi.
A despeito de todas as peculiaridade do desgoverno em curso — que é tão nefasto quanto o de Dilma, mas temperado com pitadas de crueldade —, a cantilena dos demais Poderes continua a mesma: as instituições são sólidas, as ameaças à democracia são retóricas, não há motivos para preocupação. Ledo engano. O Supremo, sem Celso de Mello — de quem eu jamais pensei que fosse sentir falta — e com Gilmar Mendes ditando as regras e exigindo obediência dos pares, empurra com a barriga decisões que possam causar desconforto para sua alteza irreal e os príncipes merdeiros.
Bolsonaro flerta com o golpismo desde sempre, com comprova a escolha do sucessor Sergio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública — uma das personalidades mais patéticas do anedotário contemporâneo, que confunde “segurança nacional” com a “honra” de um presidente que estimula o desrespeito à ciência, menospreza a pandemia e chama o povo de maricas.
O boicote do capitão-decepção à vacinação terá efeito direto na recuperação da economia. O cenário
mais provável é que menos de 80 milhões de brasileiros tenham sido imunizados até o final do ano, o que aumenta as chances de novas medidas restritivas ao funcionamento das empresas e do comércio para evitar o colapso do sistema de Saúde. E o que fazem a
respeito o suserano e seu vassalo? Insistem no negacionismo, receitam cloroquina e, pegos com as calças na mão e as cuecas manchadas de batom, mentem deslavadamente.
Simone Tebet,
candidata à presidência do Senado, diz que ainda não há força suficiente, nas
ruas ou na Câmara, para um processo essencialmente político, como é o caso do
impeachment, avançar. Até mesmo opositores do presidente vão nessa mesma linha, ou acham que o Centrão vai barrar o impeachment, o que acirrará a polarização e terá consequências nefastas para o país.
Nada mais natural que a campanha pelo pé na bunda do trevoso
comece pequena. A despeito do vulto das manifestações de 2013 — que eclodiram para protestar contra o aumento das tarifas do transporte público, mas foram
adquirindo uma pauta diversa, ganhando corpo e revelando uma insatisfação com a
classe política —, Dilma, a insuperável,
se reelegeu em 2014 e só foi expelida em 2016.
Há quem considere junho de 2013 um mês que não terminou, que dialoga diretamente com a crise econômica e política vivida hoje pelo país. Mas isso é outra conversa. Fato é que a campanha pelo impeachment não está tão pequena assim. Embora Bolsonaro tenha ironizado as carreatas (com um sorrisinho amarelo), dizendo que “só tinha 10 carros", protestos semelhantes ocorreram país afora no sábado e no domingo (obviamente, o presidente não fez referência a eles). E carretas em dois dias seguidos, bandeiras vermelhas e verde-amarelas, gente de esquerda e de direita… e a carreata da direita saiu da Barra da Tijuca, o bairro mais bolsonarista do Rio de Janeiro, onde moram Jair, Flávio e Carlos Bolsonaro...
A ideia de que o Centrão vai barrar o impeachment é um engano. Esse bloco fisiologista e venal de marafonas congressista faz o que é bom para si mesmo. Hoje, bom para o Centrão é apoiar o capitão; se amanhã o vento mudar e o impeachment pegar fogo, os ratos abanarão o navio, deixarão o capitão na mão. Nós já vimos esse filme numa versão em que Dilma foi protagonista. E ainda que o impeachment seja derrotado, a pressão servirá ao menos para manter Bolsonaro na defensiva, minimizando seu potencial de causar (ainda mais danos) ao país.
Dito isso, “passo a palavra” a Ricardo
Rangel:
Supondo que não haja impeachment até lá, enfrentaremos
uma encruzilhada em 2022. Se Bolsonaro
vencer, estará renovado o mandato do pior presidente da história; se perder, o
caminho será o golpe — e o roteiro está à vista de todos:
1. Bolsonaro
questiona constantemente, sem fundamento, a lisura do processo eleitoral. Se
perder, mentirá que a vitória lhe foi roubada e convocará seus apoiadores a
“resistir” e tomar o poder na marra.
2. A máquina de fake news bolsonarista faz esforço
incansável para desacreditar a imprensa, de modo que o eleitorado duvide quando
ela denunciar que Bolsonaro mente.
3. Bolsonaro
luta para controlar o Congresso em busca de meios com que barrar os esforços
para impedir o golpe vindouro.
4. O presidente fez um “liberou geral” para a compra de
armas: de 2019 para 2020, a venda mais do que dobrou. Quem está comprando não
são cidadãos moderados e cumpridores da lei: é a extrema direita apoiadora de Bolsonaro.
5. Bolsonaro
seduz constantemente as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros (dos quais
vêm as milícias, que o presidente sempre defendeu), onde conta com forte apoio,
inclusive nas patentes mais altas. Apoia um projeto de lei para reduzir o
controle dos governadores sobre as PMs e criar para elas patentes de oficiais
generais: se aprovada, tal lei dará aos comandantes grande autonomia, ao mesmo
tempo que fará com que sintam gratidão eterna a Bolsonaro. No ano passado, ele estimulou o motim da PM no Ceará.
6. O presidente seduz também as Forças Armadas (onde não
tem tanto prestígio): se conseguir uma quebra na hierarquia suficiente para que
o Exército não reprima motins das PMs, isso basta.
É sedutora a tese de que nossas instituições são fortes,
de que uma tentativa de golpe não terá sucesso, de que Bolsonaro não seria louco de tentar uma loucura dessas. Sedutora e
equivocada. Nossas instituições são menos fortes do que gostamos de imaginar:
ao contrário dos EUA, que barrou o golpe de Trump, nossa tradição não é
liberal e democrática, mas corrupta e autoritária. E, mesmo que seja uma
loucura, isso não significa que Bolsonaro
— homem despótico, desprovido de senso crítico e com traços de paranoia — não
vá tentar o golpe. Até porque sua alternativa é voltar para a planície e
assistir placidamente à evolução de processos penais contra seus filhos e,
possivelmente, contra ele mesmo.
Se tentar o golpe, mesmo que fracasse, Bolsonaro causará enorme dano ao país. É preciso impedi-lo, e a hora de se mexer é já. O Congresso deve eleger presidentes da Câmara e do Senado sem vínculo com Bolsonaro, repudiar a lei das PMs, criar legislação contra fake news (não é simples, admita-se) e restringir o comércio de armas. PF e Exército devem unificar e melhorar o controle de armas. O Supremo deve concluir o inquérito das fake news e punir os responsáveis. O TSE deve publicar o algoritmo das urnas eletrônicas. Governadores e comandantes das Forças Armadas devem purgar bolsonaristas radicais das tropas.
Não tomar tais providências é cortejar o desastre no ano que vem.