O Brasil não é um país sério (essa frase não foi dita pelo chanceler francês Charles de Gaulle, mas pelo diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho) nem para principiantes (como observou o maestro Tom Jobim). É uma republiqueta de bananas onde apedeutas elegem oportunistas que se candidatam para roubar, roubam para se reeleger e criam leis para proteger a si e seus pares, pouco se lixando se uma seleta confraria de criminosos com cacife para bancar honorários astronômicos a chicaneiros estrelados jamais vir o sol nascer quadrado.
O presidente Bolsonaro enfiou em local
incerto e não sabido (mas certamente besuntado com leite condensado) a maioria das promessas de campanha feitas pelo candidato Bolsonaro. O DCI listou
31 delas, entre as quais o fim
do instituto da reeleição, da audiência
de custódia e da progressão das
penas, a redução da carga tributária
e do número de congressistas, a nomeação de ministros com base na
meritocracia, a independência do
Banco Central, o combate inclemente
à corrupção e à “velha política do toma-lá-dá-cá” e por aí afora.
A Justiça Eleitoral exige que candidatos
a cargos executivos registrem seus planos de governo, e o Código Eleitoral tipifica
algumas condutas, mas o estelionato
eleitoral não se enquadra em nenhuma delas. Assim, no país onde sobram leis e falta vergonha na cara, prometer em campanha o que não se pretende ou não se pode cumprir não é
crime.
Depois de subir a rampa e vestir a faixa, o mau militar promovido a péssimo parlamentar que acabou presidente mercê uma inimaginável conjunção de fatores — entre os quais a facada desfechada por um napoleão de hospício inimputável (e incompetente) — encarnou uma curiosa versão “Dilma de calças”, sem Lula na retaguarda, mas com uma dose generosa de crueldade.
A lista de desserviços que esse morubixaba de fancaria prestou à aldeia, seja por pensamentos, seja por palavras, atos e omissões, daria um livro, mas a pandemia tornou pior o que já era bastante ruim. A monumental fieira de asneiras garantiu a nosso mandatário negacionista, tosco e de mentalidade tacanha o “título” de pior líder mundial a comandar uma reação contra a pandemia. E isso em abril do ano passado, quando o pior ainda estava por vir (clique aqui para relembrar algumas pérolas da sabedoria bolsonariana).
A despeito da chegada das vacinas, o cenário é preocupante. Falta imunizante até para atender profissionais da saúde que atuam na linha de frente, mas abundam políticos sem caráter, rápidos no gatilho para se locupletar do orçamento de guerra, bem como gente inescrupulosa (para não dizer filha da puta), adepta da “vacina pouca, meu braço primeiro”. Sem mencionar milhões de irresponsáveis inconsequentes que agem como se tivessem voltado 18 meses no tempo, mas o que voltou graças a eles foi o pesadelo dos hospitais lotados. Vale lembrar que o Sars-Cov-2 precisou de 9 meses para ceifar um milhão de vidas, mas, a partir daí, bastaram 4 meses para dobrar esse número.
Graças a meses de planejamento, investimentos e mobilização do setor privado pelo Governo do Estado de São Paulo, a enfermeira Mônica Calazans recebeu a primeira dose da CoronaVac uma semana antes da data prevista pelo governador para o início da vacinação em massa dos paulistanos.
Pode ter havido algum exagero em pompa, circunstância e aparato publicitário nesse evento, mas convenhamos que se dependêssemos do capitão que manda, do general que obedece e do calendário de vacinação do governo federal, continuaríamos aguardando, sabe Deus até quando, o dia D e a hora H. Acabou que o tal do Dia D foi o Dia do Doria — o do início da vacinação. Não fosse o esforço do governador tucano, tão cedo haveria vacina por aqui.
Observação: Pesquisa realizada pelo Datafolha mostra que para 46% dos brasileiros, Doria fez mais contra a pandemia do que Bolsonaro. Apenas 28% apontam o presidente como o mais empenhado entre os dois.
Depois de questionar eficácia e a segurança da “vachina do Butantan” e de dizer que o ministério da Saúde não compraria a Coronavac — evidenciando que até uma samambaia tem mais autonomia e poder de decisão que o general Pazuello —, Jair Bacamarte, o alienista alienado reescreveu a história.
“Sempre disse que qualquer vacina, uma vez aprovada pela Anvisa, seria adquirida pelo governo federal” e que “somos o sexto país que mais vacinou no mundo, brevemente estaremos nos primeiros lugares, para dar mais conforto à população e segurança a todos, de modo que a nossa economia não deixe de funcionar", afirmou o presidente. Pura fake news: O UOL Confere apurou que o Brasil aparece em 49º lugar em números relativos e 17º lugar em números absolutos.
Bolsonaro sugeriu que o fato de o Brasil ter caído na lista de países com mais mortos pela Covid por milhão de habitantes tem relação com o assim chamado tratamento precoce. “Isso no meu entender é a preocupação, o profissionalismo do médico brasileiro, que busca uma solução para esse problema. Porque, afinal de contas, muitas doenças não teríamos achado o remédio se não fosse o tratamento off label, fora da bula, feito lá atrás".Embora não tenha citado nominalmente a hidroxicloroquina e a azitromicina, o curandeiro de araque afirmou
que "o médico e o paciente têm que
ser respeitados. E quem decide o tratamento precoce de uma pessoa infectada, já
que não temos um medicamento ainda comprovado cientificamente, o médico pode na
ponta da linha decidir em comum acordo com o paciente o que vai receitar".
Desde a implosão de Mandetta e de Teich — que recusaram o patético papel de bonifrate do capitão da caverna sem luz — o ministério da Saúde está sob a batuta do pajé, mas quem dita as regras é o cacique. Aras evitou o quanto pôde — e enquanto pôde — melindrar seu benfeitor. Pressionado, tentou sair pela tangente alegando que cabe ao Legislativo responsabilizar o presidente por crimes de responsabilidade. E, para deixar bem claro que não aceita pressão, disse ainda que “o estado de calamidade pública decretado por conta da pandemia é a ‘antessala do estado de defesa’”.
Observação: Aras não perde nenhuma oportunidade de demonstrar sua imorredoura gratidão a quem o indicou para o cargo — o que caracteriza desvio de finalidade. Investigar autoridades é atribuição de quem exerce as funções de procurador-geral da República, cujo cargo é dotado de independência funcional.
Considerando que alternativa seria pedir demissão, o procurador-que-não-acha-porque-não-procura
resignou-se a abrir um inquérito para investigar a conduta do ministro de
mentirinha, livrando o rabo de seu amo e senhor. No entanto, em se tratando da
dupla “um manda e o outro obedece, é injusto
que culpar apenas o pau-mandado.
É fato que o general foi avisado com antecedência de que faltaria oxigênio nos hospitais de Manaus e não fez nada a respeito — ou fez: distribuiu nada menos que 120 mil unidades de hidroxicloroquina. Dito de outro modo: Pazuello abasteceu com um remédio comprovadamente inútil contra a Covid hospitais e postos de saúde que lidavam com a morte de pacientes por falta de oxigênio medicinal.
O PGR levantou a hipótese de "omissão"
e disse que investigação é necessária para municiar de dados uma "eventual ação judicial" conta o
ministro, mas não disse um “A” sobre
a participação do presidente — que agora endossa em privado críticas à atuação
de seu preposto.
Pazuello não foi o
primeiro esbirro de Bolsonaro a se
ver nessa situação, e dificilmente será o último. O inusitado, no caso, é que em troca da lealdade servil ao suserano o
vassalo receberá uma ação judicial.