“SE ALGUMA COISA PODE DAR
ERRADO, DARÁ. E MAIS, DARÁ ERRADO DA PIOR MANEIRA, NO PIOR MOMENTO E DE MODO
QUE CAUSE O MAIOR DANO POSSÍVEL”, ensinou o major Edward Aloysius Murphy Jr., autor da célebre Lei de
Murphy. E com efeito: o desdém à dimensão da pandemia e a guerra contra a vacinação levaram Bolsonaro a escancarar sua absoluta incapacidade governamental
no momento em que o país mais precisa de liderança, visto que a ação do tinhoso genocida (falo do Sars-CoV-2), que vinha perdendo força, ganhou
novo ímpeto graças à estupidez inconsequente da ospália irresponsável
que resolveu “decretar
o fim da pandemia”.
Situações extremas exigem medidas extremas, mas é preciso
que quem as determina saiba o que está fazendo. E esse não é o caso do mandatário
de turno, cuja gestão se notabilizou pela mais absoluta imprestabilidade e o
gestor, por sua mentalidade tacanha e flagrante divergência entre seus
objetivos e os anseios da nação. Daí ter voltado à baila o tema do impeachment.
Bolsonaro deveria
observar com mais atenção a situação de seu amado, idolatrado e sempre
macaqueado muso inspirador, que perdeu o apoio de republicanos de peso
graças à invasão
do Capitólio (financiada, sabe-se agora, por ele próprio, que pagou
US$ 2,7 milhões aos organizadores do movimento), entrou para a história
como o único presidente americano impichado duas vezes e pode virar réu em pelo menos dez ações criminais.
À luz do efeito Orloff — o famoso “eu
sou você amanhã” — a versão tropicalizada do peruquento alaranjado periga colher
frutos amargos da incúria de seu pau-mandado, já que o passador-de-pano-geral da República foi pressionado a pedir
ao STF a abertura de um inquérito para apurar as mortes por asfixia no Amazonas.
Discórdia, polarização e cizânia político-ideológicas foram semeadas durante décadas pelo “nós contra eles” de Lula e seus acólitos, regadas pelos tucanos e estrumadas pelo presidente, por seus filhos e por ministros sectários do ex-astrólogo e pseudo filósofo Olavo de Carvalho. Mas pouco importa se Bolsonaro se criou no confronto ou se foi nele forjado, pois que criatura e criador fundiram-se num só, e dessa fusão surgiu um ente bizarro e multifacetado.
Bolsonaro ora se comporta como um troglodita truculento que quer ganhar no grito, resolver as coisas no braço e calar a boca da imprensa na porrada; ora como um paranoico que atira no mensageiro para não ouvir más notícias. Ora reencarna o mau militar conhecido na caserna como "Cavalão", que foi expurgado da corporação por atos de indisciplina e deslealdade para com os seus superiores, ora ressurge como o parlamentar medíocre que aprovou dois projetos e colecionou mais de trinta ações criminais em seus 27 anos de deputância.
Mas em momento algum se parece, nem remotamente, com um presidente da República.
Bolsonaro faltou à aula quando Tancredo
Neves ensinou que “na política, não
brigam os homens, mas as ideias”, que “o
processo autoritário traz consigo o germe da corrupção, que ele começa
desfigurando as instituições e acaba desfigurando o caráter do cidadão”, e
que “governo e oposição, acima dos seus
objetivos políticos, têm deveres inalienáveis com o povo.”
Bolsonaro foi eleito como parte da solução de um problema, mas tornou-se ele próprio um problema para o qual a Constituição oferece duas soluções: o impeachment (hipótese aventada até por aliados do presidente no Congresso) e a abertura de inquérito pelo procurador-geral da República, em caso de crime comum.
Há
ainda uma terceira via, mas quem acompanha com atenção o cenário político
tupiniquim sabe que é mais provável chover Moët & Chandon do que o capitão caverna renunciar. E é aí que mora
o perigo.
O momento atual não poderia ser mais inadequado para a abertura de um processo de impeachment — remédio amargo por natureza, mas que se torna quase intragável num contexto como o atual. No entanto, como na anedota da sopa de pedra, o cenário que se vislumbra no horizonte não deixa alternativa. A uma, porque a gravidade da situação não impediu o capitão-problema (que não se sabe ao certo se é maquiavélico ou demente) de empurrar porta afora do Ministério da Saúde não um, mas dois médicos, para nomear um general da ativa, sem nenhuma experiência na área da saúde, mas fiel como um cão a seu comandante-em-chefe.
A propalada expertise em logística nada teve a ver com a nomeação
do estrelado (que, na verdade, não é capaz sequer de encontrar o próprio rabo
usando as duas mãos e uma lanterna). O que Bolsonaro
queria era fazer prevalecer sua visão tacanha e negacionista de como enfrentar
a mãe de todas as crises, e para isso não precisava de um ministro, mas de um vassalo que cumprisse cegamente as ordens
do suserano e não se constrangesse em bancar o boneco de ventríloquo.
Mandetta foi demitido porque não se prestou a esse patético papel, e Teich encerrou sua passagem relâmpago (29 dias) pelo ministério por não estar disposto a lamber as botas do presidente, que insistia em pôr fim ao isolamento horizontal e promover medicamentos sem comprovação científica no combate à Covid, como a cloroquina, a hidroxicloroquina e a ivermectina.
Pazuello caiu nas graças do capitão por se sujeitar a atuar como
promotor da cloroquina, minimizar a importância de reduzir a taxa de
transmissão do vírus por meio de medidas restritivas e reconhecer
publicamente que, no seu ministério, um
manda e outro obedece“.
O ministro foi alertado com quatro dias de antecedência para a escassez crítica de oxigênio em Manaus, tanto por integrantes do governo do estado quanto pela empresa que fornece o produto, mas não tomou nenhuma providência. Num evento político no dia 11 — para promover a distribuição do kit-Covid e defender o “tratamento precoce” que, segundo Bolsonaro, é o procedimento adequado para evitar o colapso do sistema de saúde, disse à imprensa que chegou em casa e soube pela cunhada que o irmão não tinha oxigênio nem para passar o dia. "O que você vai fazer?", ela perguntou. Pazuello respondeu: “Nada. Você e todo mundo vão esperar chegar o oxigênio e ser distribuído. Não tem o que fazer. Então, vamos com calma.”
Observação: Técnicos
e diretores da Anvisa que
recomendaram a aprovação emergencial das vacinas no domingo 17 deixaram claro
que não há alternativa terapêutica
disponível eficiente contra a doença. Em outras palavras: não existe
"tratamento precoce". Existe, sim, a certeza de que oxigênio salva
vidas.
Falhas do governo do Amazonas podem ter contribuído para o colapso do sistema de saúde do estado, mas isso não muda o fato de que a gestão do ministro da Saúde é uma catástrofe comparável à de Bolsonaro no executivo federal.
Desde que assumiu a pasta (e a transformou em cabide de farda para os amigos do chefe), Pazuello estarrece o Brasil com um festival de barbaridades que vão da indicação de medicamentos de eficácia não comprovada no trato da Covid à tentativa de escamotear as estatísticas da pandemia. E o vai-e-vem do acordo do ministério sobre a CoronaVac, a falta de testagem em massa e os 6,86 milhões de testes RT-PCR “esquecidos” num depósito federal em Guarulhos, que custaram R$ 290 milhões ao cofres públicos e corriam sério risco de acabar no lixo completam o quadro desolador.
Pazuello levou quatro meses para se manifestar acerca de uma oferta de vacinas da Pfizer e não se preocupou em antecipar agulhas e seringas para a vacinação. Quando foi despertado de sua letargia quando pelo Ministério da Economia, amargou mais um fiasco: Dos
331 milhões de unidades que se propôs a comprar, só conseguiu 7,9 milhões
(2,4% do total pretendido).
O descaso do governo federal com a efetivação de um plano de vacinação para o país levou um grupo de 352 juristas, intelectuais, artistas e ambientalistas a solicitar a abertura de uma ação criminal contra Bolsonaro no STF, responsabilizando-o por “sabotar e frustrar” o processo de imunização de modo a colocar em risco a saúde pública. Para além disso, seis subprocuradores-gerais da República cobraram de Augusto Aras medidas para investigar e responsabilizar Bolsonaro por crimes comuns, pela sabotagem no combate à pandemia.
O passador-de-pano-geral saiu pela tangente, alegando que cabe ao Legislativo responsabilizar o presidente por crimes de responsabilidade. E, para deixar claro que não aceita pressão, afirmou que “o estado de calamidade pública decretado por conta da pandemia é a ‘antessala do estado de defesa’”.
Em nota, os procuradores responderam que a atribuição para a persecução penal de crimes comuns é de responsabilidade da competência do STF, tratando-se, portanto, de função constitucionalmente conferida ao Procurador-Geral da República, cujo cargo é dotado de independência funcional.
Observação: Desde o início desta gestão, mais de 60 pedidos de impeachment já foram
protocolados contra Bolsonaro, mas o presidente da Câmara engavetou todos eles, alegando não ser o momento oportuno para dar andamento a um processo dessa natureza. Vale lembrar que Maia deixa o cargo no mês que vem.
Afora a postura de Bolsonaro
ante à pandemia, os procuradores seus constantes questionamentos sobre a lisura do sistema
eleitoral brasileiro, com acusações de fraudes sem apresentação se provas “que só contribuem para agravar o quadro de
instabilidade institucional”. Também destacaram a afirmação do presidente, “em clara afronta à Constituição Federal”,
de que as
Forças Armadas são as responsáveis por decidir se há democracia ou ditadura em
um país.
O texto em reação à nota de Aras
Atual decano do STF, o ministro Marco Aurélio Mello disse “não ver com bons olhos” esse imbróglio, e lembrou uma declaração sua de 2017, na qual disse que “temia” pelo Brasil caso Bolsonaro fosse eleito.
Diversos parlamentares sentiram o cheiro de
ameaça na nota de Aras. Para o
presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, a PGR deixou de ser procuradoria geral de República e passou ao triste papel de advogada de
defesa do presidente da República”.
Bolsonaro não está anos-luz daquilo que se possa chamar de estadista, mas usa de sua influência sobre apoiadores para fazer exatamente o contrário do que se esperaria de qualquer pessoa normal em posição de liderança. Tanto suas ações quanto suas omissões durante a pandemia chegam às raias do absurdo, e as consequências são contabilizadas em óbitos. Sua postura inefável lhe garantiu o topo do ranking dos presidentes com maior número de crimes de responsabilidade (pelo menos isso). Se permanecer no cargo até 2022, pode ser difícil, para seus sucessores, quebrar esse recorde.
Todos estamos cansados dessa situação, de saco cheio das restrições
de circulação, distanciamento social e uso de focinheiras, mas não há
alternativa que não manter essas medidas supostamente preventivas até que a imunização
em massa produza os resultados esperados. O tempo que isso levará vai depender de
diversas variáveis, como veremos num próxima oportunidade.