quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

MAIS BOLSONARICES NO PAÍS DAS MARAVILHAS


Testes cognitivos aplicados em 2.002 pessoas residentes em áreas urbanas e rurais de todo o Brasil deram conta de que apenas 12% da população é considera “proficiente”. De acordo com a última edição do Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional, 3 em cada 10 brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais — ou seja, embora possam ser alfabetizados, não são capazes de interpretar um texto ou realizar cálculos simples.

Como um eleitorado desculturado e desinformado tende a repetir os mesmos erros, eleição após eleição, na esperança de produzir um acerto, não é de estranhar que políticos corruptos se elejam para roubar e roubem para se reeleger, e que governantes populistas e demagogos, donos de capivaras quilométricas, locupletem-se e protagonizem espetáculos de incompetência monumentais.

Desde o golpe de Estado que substituiu a monarquia constitucional parlamentarista pelo presidencialismo republicano, esta banânia teve 38 presidentes (o número varia de 35 a 44, dependendo de como é feita a contagem). De 1926 para cá, dentre 25 mandatários, somente quatro — Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Lula e Fernando Henrique — foram eleitos pelo voto popular e concluíram seus mandatos. Seriam cinco se Dilma não tivesse sido escorraçada durante sua segunda gestão, juntando-se a Washington Luís, Júlio Prestes, Getúlio Vargas, Carlos Luz, João Goulart e Fernando Collor na seleta confraria dos depostos.

Motivos não faltam para Bolsonaro ter o mesmo destino. Falta é vontade política. O presidente da Câmara, como uma galinha choca, aboletou o buzanfã sobre 58 pedidos de impeachment contra o execrável chefe do Executivo, e eu não me espantaria se ele imitasse o presidente do Senado, que, no apagar das luzes do ano legislativo de 2020, arquivou todos os pedidos de impeachment contra ministros do STF e o PGR.

Maia e Bolsonaro vivem às turras, mas, curiosamente, o nobre deputado “vê erros, mas não crimes de responsabilidade” nas ações do desafeto. Talvez ele devesse consultar um oftalmologista.

Acho exagero chamar o presidente de “genocida”, como fez o semideus togado Gilmar Mendes (provando que até um relógio quebrado dá a hora certa duas vezes ao dia), ou de “nazista”, como fez o ex-decano do STF. Mas é impossível discordar do jornal americano Washington Post, que "elegeu" o cacique tupiniquim pior líder mundial no combate à Covid.

A pandemia é uma contingência, mas as quase 200 mil mortes que ela produziu desde março são uma consequência direta do negacionismo e da disputa por protagonismo político do presidente com o governador de São Paulo.

Bolsonaro chegou mesmo a festejar quando a morte de um voluntário interrompeu os testes da CoronaVac (a Anvisa autorizou o Instituto Butantan a retomá-los dois dias depois, quando o IML confirmou que a pessoa havia se suicidado). “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O Presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, disse o capitão à ospália de puxa-sacos que batem ponto todos os defronte ao Alvorada.

O Brasil, que um dia foi referência em saúde pública, não tem vacinas, agulhas, seringas, nem tampouco um plano de imunização consistente e confiável. Nunca antes na história deste país viu-se um festival de incompetência e negacionismo político como o que vem sendo exibido pelo desgoverno federal.

Cerca de 50 países — inclusive vizinhos como Chile e Argentina — já iniciaram a vacinação em massa, mas os brasileiros não sabem quando — nem se — serão imunizados. Isso porque o general subserviente que funciona como marionete do presidente à frente da Saúde (ilegalmente, ainda por cima, já que oficiais da ativa não podem assumir cargos no governo) não firmou protocolos de intenções com múltiplos laboratórios nem adquiriu seringas, agulhas e demais insumos necessários à vacinação em massa.

Quando finalmente decidiu comprar seringas, o expert da logística conseguiu míseros 7,9 milhões — ou seja, 2,4% dos 331 milhões de unidades pretendidas. Como se não bastasse, o ministro de fancaria “esqueceu” mais de 6 milhões de testes RT-PCR num galpão em Guarulhos. Embora esse “lapso” possa causar um prejuízo de R$ 300 milhões aos cofres públicos, o estrelado inepto permanece no comando da pasta onde "um manda e outro obedece". Patético.

A Associação Brasileira de Imprensa protocolou ontem um pedido de impeachment contra Pazuello, sob a alegação de má gestão durante a pandemia. Paulo Jeronimo, presidente da instituição e signatário do documento, diz que o ministro “dá repetidas demonstrações de incompetência, ineficiência e incapacidade para desempenhar as tarefas de seu cargo”, e destaca que, sob a gestão do general, o país saiu de 14.817 óbitos para quase 200 mil, e de 218.223 infectados para 7,8 milhões.

A ABI afirma ainda que o militar não foi capaz de tomar as devidas providências para a disponibilização de vacinas à população, além de ter descumprido abertamente as recomendações das autoridades sanitárias nacionais e internacionais, atentando contra o direito social à Saúde.

[Pazuello] Não só não providenciou as imprescindíveis vacinas – quando cerca de 50 países já estão vacinando suas populações –, como negligenciou até mesmo a aquisição de simples seringas para aplicá-las. Ainda que seu superior hierárquico, o presidente da República, inegavelmente tenha enorme responsabilidade nos desmandos, o ministro não pode escudar-se nesse fato para se abster de tomar as providências básicas que a função requer”, diz o texto. 


Bolsonaro parece não compreender que a retomada da economia depende diretamente do controle da pandemia, e que para conter a propagação do vírus é preciso imunizar a população. Em vez de descer do palanque e governar o país, ou ceder o lugar a alguém mais competente e preparado, faz-se de vítima, culpa a "mídia sem caráter" pelas mazelas e ainda bravateia: "Vão ter que me aguentar até o final de 2022, pode ter certeza aí". Vale notar que ele vinculou sua permanência no cargo ao atual mandato. Teria sido um ato falho ou será que caiu a ficha?

Nas horas vagas, o presidente atua como garoto-propaganda de drogas como cloroquina e hidroxicloroquina, que não combatem a Covid e podem causar efeitos colaterais adversos, e do vermífugo Nitazoxanida, conhecido no Brasil como Anitta, que também é comprovadamente ineficaz no tratamento da doença. 

Na baixada santista, onde passou o réveillon, Bolsonaro deixou claro (pela enésima vez) que está cagando e andando para a pandemia e os protocolos sanitários. Mas o vuco-vuco na Praia Grande pode não ter passado de encenação.  De acordo com a internauta Ester Nogueira, uma amiga sua viu “um número de homens” chegando à orla da praia e entrando no mar, “como que à espera de algum acontecimento”. Minutos depois, Bolsonaro apareceu e a aglomeração começou “a puxar um coro sinistro, com palavras de baixo calão, para incendiar a turba” e gritos de “mito”, que o incentivaram a pular do barco no mar e nadar até a praia, onde participou da aglomeração, sem máscara, seminu e trocando descuidadamente perdigotos, gritando slogans e ecoando os cânticos gritados pela turba ignara, num espetáculo grotesco, inaceitável e imperdoável.

Lamentavelmente, ações como essa são criam um ambiente adverso à observância do distanciamento social e à própria vacinação (quando existirem vacinas, seringas e agulhas, naturalmente). Pesquisa Datafolha realizada em agosto do ano passado revelou que 9% dos entrevistados não pretendiam se vacinariam. Em dezembro, eram 22%.

Enquanto esse caos imperar, continuaremos assistindo a megashows de desobediência performados por milhares (milhões?) de irresponsáveis que, seguindo o exemplo do “grande líder”, cagam e andam para os protocolos sanitários (querendo, assista ao vídeo).

Para piorar, depois que o resultado negativo para Covid se tornou obrigatório para viajar ao Brasil, laudos falsos vem sendo oferecidos por US$ 200, e brasileiros têm recorrido a esse expediente para regressar ao país. Fingindo-se interessada na compra de um laudo, a equipe do Jornal da Band gravou a conversa mantida via aplicativo de mensagens com um vendedor em Cancun, no México, que disse enviar até uma dúzia de exames por dia. Minutos depois, as mensagens foram apagadas.

Na última terça-feira, governadores de diferentes estados se reuniram com o secretário de vigilância do Ministério da Saúde para cobrar um cronograma de vacinação, mas saíram de mãos abanando. “Nossa expectativa era de que houvesse alguma definição. A reunião foi até estressante. Cobramos uma data e não nos foi fornecida. Quando chegam os insumos? Quando começa a vacinação? O secretário disse que iria levar nossa demanda ao ministro Pazuello. O Brasil está ficando no final da fila. Há um atraso inexplicável”, reclamou o governador do Piauí, Wellington Dias.

Também na terça-feira, Bolsonaro disse aos baba-ovos de plantão que o Brasil está quebrado e que ele não consegue fazer nada. Ontem, porém, mudou o disco. Afirmou que o país está uma “maravilha” e responsabilizou a imprensa por uma “onda terrível” sobre sua fala na véspera (confira o vídeo).

Confusão ontem, viu? Que eu falei que o Brasil estava quebrado. Não, o Brasil está bem, está uma maravilha. A imprensa sem vergonha, essa imprensa sem vergonha faz uma onda terrível aí. Para imprensa bom estava Lula, Dilma, que gastavam R$ 3 bilhões por ano para eles”, disse o capitão sem-noção. E também negou ter conversado por telefone com o vampiro do Jaburu, desmentindo a informação publicada por Lauro Jardim: “De vez em quando eu falo com o Temer, mas tem mais de 30 dias que eu não falo com ele”.

Segundo o colunista publicou em O Globo, o ex-presidente ligou para o atual visando tranquilizá-lo caso Baleia Rossi seja eleito presidente da Câmara. Bolsonaro alegou que a notícia foi “inventada” e que seria uma forma de influenciar as eleições para as mesas do Congresso. Para completar, disse que a imprensa brasileira “não é nem lixo, né, lixo é reciclável” e que “não serve para nada, é só fofoca e mentira o tempo todo.”

Após a conversa com apoiadores na saída da residência oficial, sua insolência se reuniu no Planalto com 17 ministros, entre os quais Paulo Guedes, que ainda está em período de férias. A reunião não constava nas agendas oficiais no início do dia. Vai ver que a imprensa que inventou.