Na avaliação de Dora
Kramer, nunca, ao menos na História recente, uma eleição para as
presidências da Câmara e do Senado determinou ou sequer influiu no resultado da
escolha do presidente da República que pelo cronograma político ocorre quase
dois anos depois. E não será desta vez que essa determinante estará presente.
No máximo, a disputa parlamentar serve de indicativo sobre a
força e a influência do Executivo no Congresso. Ainda assim, isso só ocorre de
maneira acentuada quando há oponentes de identificação governo/oposição
marcadamente diferentes. Quando o deputado Arlindo
Chinaglia perdeu para Eduardo Cunha,
em 2015, o resultado sinalizou a situação precária da então presidente Dilma, que insistiu num candidato do PT
e no ano seguinte sofreria impeachment. Nada parecido ocorre agora, quando não
há diferenças radicais entre os principais adversários que, aliás, fazem
discursos relativamente amenos entre si.
Ricardo Noblat relembra
que, na eleição para a presidência da Câmara em 2019, a vitória de Rodrigo Maia eram favas contadas, mas na
do Senado houve de tudo. Davi Alcolumbre
sentou-se na cadeira de presidente e conduziu a própria eleição. Ao final, 82
votos foram depositados nas urnas — vale lembrar que o Senado é composto por 81
parlamentares. Este ano, um grupo expressivo de deputados que votarão em Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro e do Centrão, cogitam de fotografar o próprio voto para. Estão sendo
incentivados a isso pelo governo, em parte para desmoralizar de vez o voto
secreto, mas também porque o governo teme traições e não quer pagar o que
prometeu a quem o traiu. Portanto, voltamos aos tempos da Velha República, onde
as eleições eram fraudadas.
“O cenário
pré-eleitoral pode até servir como arma na batalha de comunicação com a opinião
pública, mas não reflete o quadro real da cena de 2022”, diz Dora, para quem “o desenho será definido ao longo dos próximos meses e depende mais do
desempenho de Bolsonaro que dos presidentes da Câmara e do Senado, independentemente
de quem sejam”. Tomara que ela esteja certa.
Dora pondera
ainda que governar requer prática, discernimento, experiência e habilidade, e
que escolher um governante com boa chance de acertar tampouco é tarefa fácil, donde
o ideal seria que o eleitorado exigisse de si o mesmo e mais
um pouco, tendo o preparo da pessoa escolhida como fator determinante numa
eleição.
Observação: É
exatamente isso que venho dizendo desde sempre, ao atribuir a culpa por nossas
mazelas às péssimas escolhas feitas pelo “esclarecidíssimo
eleitorado tupiniquim nas últimas três décadas e meia de “redemocratização”.
Com exceção de FHC, eleito duas
vezes no primeiro turno com base na questão objetiva de gestão, tudo o mais
foram escolhas referidas em presunções não raro enganosas que, no confronto com
a realidade, mais adiante geraram decepções.
Em 1989 havia 22 opções, alguma boas, outras certamente bem
melhores que o aludido caçador de marajás. Em 2002 deixou-se de lado a
continuidade de FH representada por
homem (José Serra) de inequívoco
preparo em nome da ideia de que o desculturado exótico com nome de molusco
seria, afinal, a redenção dos pobres e a salvação do país.
Seguimos na mesma toada nas outras eleições, levando à
Presidência a “mulher do Lula”, de
novo em detrimento de José Serra,
que já havia dado inúmeras demonstrações de competência no ramo de governo, mas
era “muito antipático” para nossos
padrões de camaradagem. Até que chegamos a Bolsonaro,
cujas credenciais serviam no máximo para lhe assegurar lugar no panteão das
figuras folclóricas, mas sem atuação consistente em 27 anos de vida no
Congresso com destaque meramente caricato.
Diante de tal jornada de escolhas guiadas pelo
impressionismo de ocasião, não é de estranhar que o Brasil tenha destronado
pela via constitucional dois presidentes e já esteja pensando em impedir um
terceiro, no espaço de menos de trinta anos. Isso fala dos mandatários, mas
fala, sobretudo, dos respectivos eleitorados.
Na avaliação do ex-senador, ex-ministro e ex-governador Cristóvão Buarque, precisamos mais que
nunca de um presidente capaz de inspirar
coesão no presente e rumo para o futuro. Nossa tarefa imediata é impedir a continuação do atual quadro de
divisão sectária, negação da realidade, incompetência gerencial e falta de foco
no longo prazo.
Em 1985, consciente da responsabilidade de impedir a
continuação do regime militar, os democratas se uniram, desde os mais
progressistas aos mais conservadores, com exceção do PT, que preferiu não votar em Tancredo
Neves. A união permitiu cinco anos de democracia, com sucessivas eleições
para escolher rumos conforme a proposta de cada candidato. Por nossos erros,
nossas divisões, por prioridades e comportamentos equivocados, deixamos que forças autoritárias e retrógradas voltassem
ao poder com o voto dos eleitores. Corremos o risco desta interrupção de
nossa marcha ao futuro continuar, reeleita pelo eleitor. Para eleger um presidente que nos conduza ao futuro é preciso primeiro
impedir um presidente que só vê o passado e destrói o presente construído nos
últimos 35 anos de democracia.
Os candidatos naturais em 1985, grandes líderes, entenderam do
que a história precisava e adiaram suas candidaturas para 1989, dentro do marco
democrático. Fizeram unidade e garantiram transição. Nossa tarefa imediata,
portanto, é impedir a continuação do retrocesso elegendo um presidente que
permita retomar o debate democrático com bom senso, respeito à verdade e ao
contraditório. Para enfrentar o atual, é
preciso haver união em torno um candidato único, com baixa rejeição entre os
eleitores, que deixe seus projetos, metas e interesses pessoais para a eleição
seguinte. Alguém que seja capaz de manter os acertos da democracia, que atraia
o eleitorado e que se comprometa a disputar um único mandato. Se os demais
postulantes não adiarem suas disputas para 2026, assumirão o risco de ver 2022
repetir 2018.
A glória parlamentar vive de discurso. Churchill é mais citado pelos seus grandes discursos e pelos
rápidos e irônicos apartes. Como ao concitar a resistência: “Não tenho nada a oferecer senão sangue, suor e lágrimas.”
E Kennedy, pelo seu chamamento: “Não perguntem o que seu país pode fazer por
você, perguntem-se o que vocês podem fazer pelo seu país.” Ou a resposta de
Churchill a Lady Braddock, que disse: “O
senhor está bêbado.” E ele: “E a
senhora é muito feia. A diferença é que amanhã eu estarei sóbrio.”
Carlos Lacerda
também era um raio e destruía num aparte. Certa vez, uma deputada aparteou-o: “O senhor é
um purgante.”
Ele respondeu: “E a senhora, o efeito.” O plenário do Tiradentes quase vai abaixo de tanto
riso… Hoje, infelizmente, nem humor existe mais.