LÁGRIMAS NÃO SÃO ARGUMENTOS.
Como dito no post anterior, a engenharia
social não é o golpe em si, mas a técnica de persuasão mediante a qual o
vigarista alcança seu objetivo.
Vigarista remete a vigário, que o Pai dos Burros define como: 1) aquele que faz as vezes de outro ou o substitui; vicário; 2) padre que substitui o prelado de uma
paróquia; 3) aquele que trapaceia
outrem; velhaco, vigarista.
Em uma crônica
publicada no jornal “O Sol”, em
1926, o poeta português Fernando Pessoa
anotou que um proprietário rural chamado Manuel
Peres Vigário teria comprado gado e pagado os vendedores com notas falsas
de 100 mil réis. O episódio ficou conhecido como “os contos de réis do Manuel Vigário” e, mais adiante, como conto do Vigário.
Outra versão
alude a uma disputa pela imagem de Nossa Senhora entre as paróquias de Pilar e da Conceição, em Ouro Preto (MG). Segundo ela, um dos párocos sugeriu
amarrar a santa a um burro e soltá-lo entre as duas igrejas — o animal foi para
a igreja de Pilar, que ficou com a
imagem até que se descobriu que o dono do burro era o próprio vigário da
paróquia.
Um terceira
hipótese remonta ao final do século XIX, quando atuava na Espanha, em Portugal
e no Brasil uma quadrilha que enviava cartas a famílias abastadas, relatando
passagens dramáticas e comoventes. Em meio às lágrimas, assomava a história de
uma suposta herança deixada em nome do destinatário, que era chancelada por um
insuspeito religioso.
Há no Brasil ao
menos três registros de pessoas que receberam a tal correspondência, todas
assinadas pelo vigário Manuel Suarez
Lopes, da suposta Iglesia Parroquial
de Santa Maria, na província espanhola de Pamplona. Para cuidar dos
trâmites legais do testamento, as vítimas mandavam um valor em dinheiro e nunca
mais ouviam falar do vigário. Em um relato da época pode-se ler: “O conto do vigário é um laço armado com
habilidade à boa-fé do próximo ambicioso. É o caso em que os espertos se fazem
de tolos e o tolo quer ser esperto.” E assim é até hoje.
O célebre “conto do bilhete premiado” é tão antigo quanto a Loteria — que foi instituída no Brasil durante o segundo Império e
passou a ser controlada pela Caixa Econômica Federal no início da década de 1960
—, mas ainda dá bom caldo. Ele é aplicado geralmente por dois golpistas; um se
passa por alguém humilde e ingênuo, e o cúmplice, por uma pessoa mais
articulado e com boa verbalização.
O golpista nº 1
afirma ter um bilhete premiado, mas não pode receber o prêmio porque não dispõe
dos documentos necessários, por razões de caráter religioso ou por outro motivo
qualquer. A narrativa varia e quase sempre é comovente, mas o objetivo é um só:
“depenar o pato” (como se dizia antigamente). Se a certa altura da conversa a
vítima não tiver se oferecido para receber o prêmio, o golpista faz a sugestão
e a adoça com a promessa de uma polpuda gratificação. E é aí que entra o
golpista nº 2.
Bem vestido,
bem falante e aparentando ser uma alguém que merece confiança, o cúmplice diz
que não pôde deixar de ouvir a conversa, pede licença para verificar o bilhete,
finge ligar para alguém na Caixa e confirma a história do cúmplice. Ato
contínuo, ele sugere à vítima que deixe algum bem de valor ou importância em
dinheiro como garantia de que voltará com o prêmio. E enquanto a vítima vai à lotérica,
os dois vigaristas tomam chá de sumiço.