As eleições que definirão a nova composição das mesas diretoras da Câmara e do Senado estão marcadas para a próxima segunda-feira. Dá-se de barato que os apadrinhados de Bolsonaro vencerão nas duas Casas. O que seria uma boa notícia se Bolsonaro não fosse Bolsonaro.
Ter maioria no parlamento — ou contar com a boa vontade dos
donos das respectivas pautas — facilita significativamente a
tramitação e aprovação de propostas importantes, como as da privatização de
estatais e das reformas administrativa e fiscal. Mas a Bolsonaro interessa ter “gente sua” em posições-chave — como o “procurador
que não procura” nomeado para chefiar o Ministério Público, o lambe-botas escolhido para substituir Moro na Justiça e Segurança Pública, o general-salamaleques como seu preposto e alter ego na Saúde, o contra-almirante “carne e unha” na presidência Anvisa,
e por aí afora.
Bolsonaro quer Arthur Lira na presidência da Câmara (e responsável por decidir o destino dos mais de 60 pedidos de impeachment engavetados pelo antecessor) e Rodrigo Pacheco na do Senado. Pouco lhe importa a ficha-corrida, digo, o currículo do deputado piauienses, líder do PP e do Centrão. "E daí" se o apadrinhado responde a uma penca de processos que vão de associação criminosa à corrupção passiva e ativa.
Na 1ª Turma do STF, Lira é réu numa ação penal que o aponta como beneficiário de R$ 106
mil em propina de um esquema de corrupção na CBTU. Segundo o Ministério Público, o valor foi entregue em espécie
a um de seus assessores no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Na 2ª Turma, responde a
processo como um dos integrantes do chamado “quadrilhão do PP”, organização
criminosa que teria desviado recursos da Petrobras e garantido ao parlamentar
2,6 milhões de reais em dinheiro sujo.
Para além da esfera criminal, o obelisco da probidade é acusado de usar a ex-mulher como laranja e coagi-la mediante violência física a voltar atrás num depoimento contra ele. A ação foi enviada para a Vara de Violência Doméstica do Distrito Federal pelo ministro Luís Roberto Barroso. Lira recorreu.
Recentemente, o apadrinhado do capetão foi denunciado pela PGR por crimes de peculato e lavagem de dinheiro por participação em um esquema de rachadinha quando era deputado estadual em Alagoas. De acordo com a PGR, a denúncia é referente ao período em ele era deputado estadual e exerceu cargo de direção na Mesa Diretora da Assembleia Legislativa de Alagoas (2003 a 2006).
O esquema segue os moldes implementados por Flávio Rachadinha na Alerj. Como o caso não tem relação com o mandato de deputado federal, foi remetido para a primeira instância da Justiça, que arquivou o processo sumariamente. Ao saber do arquivamento da denúncia, Lira publicou numa rede social: “A vida do homem público é um livro aberto e quem está nela precisa ter serenidade. Nada como um dia depois do outro”.
Para quem acompanha os meandros do Congresso, essa denúncia não foi surpresa. Nem para a situação, nem para a oposição. O MP promete recorrer, mas nem Lira, nem seus apoiadores parecem preocupados. Segundo a denúncia, o esquema de desvios de recursos da Assembleia de Alagoas durou de 2001 a 2007 e teria movimentado R$ 12,4 milhões apenas entre janeiro de 2004 e dezembro de 2005. Lira, sozinho, teria recebido de interlocutores mais de R$ 1 milhão pelo esquema. A defesa, claro, nega as denúncias.
Lira também rechaçou a acusação e seguiu suas articulações pela candidatura à Câmara sem demonstrar abalos. Esse é um dos motivos pelos quais aliados do governo apostam que o passar dos dias vai assentar a poeira levantada pelo MP. O PP garantiu Lira como o candidato único da legenda na disputa, enterrando até mesmo uma possível articulação de Aguinaldo Ribeiro, que é próximo a Maia e tentava construir sua candidatura na esteira do relatório da Reforma Tributária, que está sob sua elaboração.
Antes mesmo de o STF rejeitar a possibilidade de Maia e de Alcolumbre disputarem a reeleição, Lira já trabalhava forte nos bastidores em busca de apoio para disputar a presidência da Câmara. Típico político à moda antiga, ele construiu sua trajetória política desde o berço: é filho do ex-senador Benedito de Lira e foi um dos soldados mais próximos de Eduardo Cunha, que deu início ao processo que expeliu Dilma da Presidência.
Lira manteve o Centrão vivo em meio ao enterro político de Cunha e deu o bote na hora em que Bolsonaro descobriu que suas loucuras, sozinhas, não o levariam muito longe. Desde então, tornou-se um dos políticos mais próximos do mandatário. Em seu terceiro mandato consecutivo na Câmara dos Deputados, é descrito pelos aliados como um fiel cumpridor de acordos. Não deixa seus apoiadores na mão, mas também não é do tipo que tolera traição. Por essas e outras, virou o líder do Centrão.
A Bolsonaro interessam
os 160 votos na Câmara e o total comprometimento do apadrinhado com a pauta de costumes e a agenda liberal do governo na economia. A fim
de viabilizar sua vitória, autorizou-o a prometer cargos e emendas
aos colegas, inclusive da oposição. Na última quarta, ao lado da deputada Carla Zambelli (em muito boa companhia,
portanto), o presidente declarou que quer “participar,
influir na presidência da Câmara com esses parlamentares” de modo a ter um
relacionamento pacífico e produtivo. Na quinta 28, durante a inauguração de uma
obra que liga os estados de Sergipe
e Alagoas, discursou: “Amigos de Sergipe, amigos de Alagoas, se
Deus quiser, teremos o segundo homem na linha hierárquica do Brasil, eleito
aqui no Nordeste, pela Câmara dos Deputados. O deputado Arthur Lira. Se Deus
quiser, será o nosso presidente.
Como dito, a capivara do deputado é
irrelevante para o presidente. Afinal, o
que é um peido para quem já está cagado? Para um cara de pau que tem o desplante de dizer que a acabou com a Lava-Jato porque
não existe corrupção no seu governo, mesmo que seus quatro filhos estejam mais enrolados que fumo de corda em balcão de
armazém?
Só para relembrar, Flávio
“Rachadinha” é investigado há mais de dois anos por um
“suposto” esquema de desvio de recursos do gabinete que ocupava na Alerj antes de ser eleito senador.
O julgamento que definiria se a investigação do caso da “rachadinha” volta para a 1ª instância ou se continua sob responsabilidade do Órgão Especial do TJ-RJ havia sido marcado para o último dia 25, mas a defesa do senador dos panetones milionários recorreu ao STF e pediu o adiamento do processo no TJ. O semideus togado que dá as supremas cartas e caga as supremas regras não se fez de rogado:
“De pronto se constata, portanto, a usurpação desta Suprema Corte para deliberar sobre a matéria, dado que a questão está sob discussão tanto na ADI no 6.477, quanto na presente Reclamação. Isso, por si só, já justifica o acionamento do Excelso Supremo Tribunal Federal para sustar a ultrajante medida do célebre Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro”.
Mendes determinou que o Órgão Especial do TJ-RJ se abstenha de adotar qualquer ato judicial que possa reformar o decidido pela 3ª Câmara Criminal Tribunal do TJ-RJ, especificamente quanto à definição da competência do órgão judicante para processar e julgar o terceiro interessado. A determinação vale até “o julgamento de mérito da presente reclamação”, e da feita que, no Supremo, uma decisão tanto pode demorar duas horas quanto vinte anos para ser proferida — a depender do ministro que a toma e a quem ela favorece —, talvez um dia, quem sabe...
Carlos Bolsonaro,
vereador pelo Rio de Janeiro que dá expediente no Palácio do Planalto, é
investigado pela “suposta” contratação
de funcionários fantasmas.
Seu nome é suscitado nada menos que 43 vezes no inquérito dos atos antidemocráticos.
Depoimentos de testemunhas dão conta de que o filho do capitão vem “ajudando” e
“cooperando” com os canais suspeitos de ataques às instituições e ao regime
democrático.
No final de julho, Anderson
Rossi, dono do Foco do Brasil,
foi questionado sobre uma possível ajuda do vereador na estruturação de seu
canal, que chega a faturar R$ 140
mil por mês. Já a Folha
Política, segunda franquia mais rentável entre os canais bolsonaristas,
tinha 1,65 milhão de inscritos no início de março; hoje está com 2,19 milhões —
um salto de 32%. Ernani Fernandes
Barbosa Neto, proprietário
do canal, disse à PF ter
faturado entre R$ 50 mil e R$ 100
mil por mês.
Em um inquérito que corre atualmente no STF, Zero Dois aparece como suspeito de ser líder do chamado “gabinete do ódio”, um grupo de
assessores que se encarregam de espalhar mentiras sobre ministros da Corte e
apoiar manifestações antidemocráticas nas redes sociais e em grupos de
apoiadores do presidente, pedindo o
fechamento do Congresso e do Supremo.
Eduardo Bolsonaro está
na mira da PGR, que determinou a abertura de
“notícia de fato” para saber se o deputado violou a Lei de Segurança Nacional em
declarações postadas nas redes sociais. Além disso, uma apuração preliminar o
investiga por pagamentos em dinheiro vivo quando
da compra de dois apartamentos no Rio, em 2011 e 2016.
Nem o filho caçula do presidente, Jair Renan, foge à regra que baliza os “negócios da família”.
Embora não tenha cargo público, o pimpolho é suspeito de tráfico de influência.
Em 13 de novembro, ele articulou e participou de uma reunião entre o
ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e um grupo de empresários da Gramazini Granitos e Mármores —
empresa que patrocina a Bolsonaro
Jr. Eventos e Mídia, cuja sede fica num camarote do estádio Mané Garrincha. O compromisso, que não
constava na agenda oficial de Marinho,
foi revelado pela
revista Veja. O ministro informou que o filho do chefe “participou na qualidade de ouvinte e por
acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a
União”, e que a reunião foi um pedido do Planalto.
As relações da empresa de Renan com o Planalto vão além de promover reuniões entre os
investidores de seu negócio e ministros. Segundo reportagem do
jornal Folha de S.Paulo, a Astronautas Filmes, produtora de audiovisual que possui contrato
milionário com o Governo, realizou gratuitamente a cobertura da festa de
inauguração da Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia. Somente neste ano,
a produtora recebeu R$ 1,4 milhão do governo federal. Em nota, a empresa afirma
que não existe nenhum “laço de favorecimento”. O deputado federal Ivan Valente solicitou à PGR que investigue suposto tráfico
de influência no caso.
Bolsonaro sempre
disse ser um “defensor da família”. Após quase dois anos à frente do governo,
transparece sua preocupação em proteger pelo menos uma delas: a sua própria. O
primeiro passo foi articular a
troca no comando da PF, em abril, com a exoneração do diretor-geral da entidade,
o delegado Maurício Valeixo.
O então ministro Sérgio Moro denunciou
a maracutaia. Posteriormente vieram à tona imagens de
uma reunião ministerial na qual o capitão-honestidade
diz que não esperaria alguém
“foder” a família dele, ou amigo, para trocar alguém da
“segurança”. A fala também fazia referências ao Rio de Janeiro, onde as
investigações bafejam no cangote dos filhos Flávio e Carlos.
Voltando a eleição para a mesa diretora da Câmara, Rodrigo Maia, que apoia o deputado Baleia
Rossi, acusa Bolsonaro de querer
tirar a independência do parlamento. “É
um alerta aos deputados e deputadas que a intenção do presidente é transformar
o parlamento em um anexo do Palácio do Planalto. Isso enfraquece o mandato de
cada deputado e deputada, principalmente o protagonismo da Câmara nos debates
com a com a sociedade.”
Maia acusa o
governo de ter prometido R$ 20 bilhões
em emendas para conquistar votos a favor de Lira. “Pelo o que eu já vi que o governo está prometendo junto ao seu
candidato vai dar, pelo menos. uns R$ 20 bilhões de emendas extra
orçamentárias. Quero saber em que orçamento para o ano de 2021. que eles
poderão cumprir, se vitoriosos, essa promessa.”
Estamos tocando violino enquanto o Titanic segue em rota de colisão com o iceberg. Com um governo
inepto que tem de lidar com o Congresso a partir de um pacto de mediocridade,
acaba que o Executivo finge governar e o Legislativo finge legislar.
Para ser eleito, o postulante precisa da maioria absoluta
dos votos – se todos os 513 parlamentares votarem, vence quem obtiver 257
votos. Caso esta quantidade não seja alcançada, os dois mais votados disputarão
o segundo turno. Aliados de Lira
acreditam em uma vitória no primeiro turno. No entanto, já dizia o velho Magalhães
Pinto que “política é como nuvem;
a gente olha e está de um jeito, olha de novo e já mudou”.