Não se engane pelo discurso dos líderes políticos do Centrão e assemelhados: o impeachment de Jair Bolsonaro e a consequente saída de cena dos seus asseclas ideológicos faz parte da solução para a epidemia de Covid.
Para além de toda a sabotagem
interna no combate à doença e da falta de coordenação
nacional — outra vez constatável pela confusão na distribuição das vacinas do Butantan confiscadas pelo Ministério da
Saúde —, viramos párias internacionais
no campo da imunização. E isso é muito mais do que uma imagem forte de
oposicionistas.
O fato vem sendo comprovado pela
forma como estamos sendo tratados por Índia, China e até a Argentina. Começando
pelos nossos vizinhos, eles estão exportando insumos para o México fabricar a
vacina da Oxford/AstraZeneca. O Brasil, companheiro de Mercosul, deveria ser o
destino preferencial desses insumos, mas o governo Bolsonaro e o seu antichanceler, Ernesto Araújo, desprezam o atual ocupante da Casa Rosada, Alberto Fernández, como se ser
peronista fosse um crime de lesa-majestade cometido contra os brasileiros. Não
é. É um problema dos argentinos.
No caso da China, o atraso de
remessas de insumos para a produção da CoronaVac
e da vacina de Oxford/AstraZeneca no
Brasil pode ter alegadas razões fabris ou estratégicas, mas certamente as
hostilidades do governo brasileiro em relação àquele país estão na origem das
dificuldades. Estamos pagando o preço pelo fato de o presidente da República, o
antichanceler Ernesto Araújo, o
ex-ministro da Educação Abraham
Weintraub e o deputado federal Eduardo
Bolsonaro terem macaqueado as atitudes de Donald Trump e seus aloprados em relação à segunda potência
econômica do planeta, como se nós fôssemos a primeira — e não um nação que
representa cerca de 1% do comércio mundial e depende da China para manter a
nossa balança comercial superavitária, já que se trata da principal parceira do
Brasil. O atraso na remessa dos insumos é a resposta chinesa ao insultos
dirigidos a Pequim por essa turma de ineptos e irresponsáveis que está no
poder.
No caso da Índia, fomos
colocados na rabeira da fila de países que receberão a Covishield. De acordo com o que apurou Claudio Dantas, o antichanceler Ernesto Araújo “exibiu
postura ‘arrogante’ (em relação à diplomacia indiana), chegando a dizer que
seria um privilégio para a Índia fornecer vacinas ao Brasil. Para as
autoridades locais, faltou sensibilidade para entender o contexto social e
geopolítico”.
A Índia está priorizando a entrega das encomendas a países vizinhos, tem até 90 dias para entregar as vacinas encomendadas pelo Brasil, mas “não há disposição para antecipar a entrega do lote de 2 milhões de vacinas, pelo menos enquanto Ernesto Araújo permanecer no comando da diplomacia brasileira – o que impede também a negociação de novos lotes”.
Atualização: O governo indiano liberou ontem as exportações comerciais de vacinas, com as primeiras remessas sendo enviadas para o Brasil e Marrocos na madrugada desta sexta (pelo horário local). A informação foi dada pelo chanceler indiano, Harsh Vardhan Shringla, à agência Reuters.
É espantoso: brigamos até com
a Índia, outra integrante do Brics,
assim como a China. Temos até um banco de fomento com eles, mas fomos
desaforados e agora recebemos o troco.
A vacinação em massa será um
processo demorado em boa parte dos países, por razões de produção e
distribuição perfeitamente compreensíveis. Mas nenhuma outra nação conta com um
presidente da República tão incompetente e fora da casinha quanto Jair Bolsonaro. Isso significa que a
vacinação em massa será ainda mais complicada no Brasil, com a perda de
milhares de vidas que poderiam ser salvas a tempo. Já se fala em interrupção da
imunização que mal começou. É intolerável.
A abertura do processo de
impeachment seria um sinalização importante para o mundo e um bem para os
cidadãos. Permitiria ao Brasil contar com a colaboração dos países ofendidos —
o que inclui os Estados Unidos do vituperado Joe Biden — e organizar-se para que a vacinação em massa ocorra por
aqui de forma coordenada e rápida na medida do possível. É preciso que nos
livremos de Bolsonaro o quanto
antes. É uma questão de saúde pública.
Texto de Mario Sabino