A CIÊNCIA COMETE SUICÍDIO QUANDO ADOTA UM CREDO.
Traduzido do latim vulgar para o português do asfalto,
o título desta postagem significa “SÊ BREVE E AGRADARÁS”.
Drummond dizia que escrever é “a arte de
cortar palavras”. Mas como evitar a indesejável verborragia? Ou as frases
de efeito, igualmente repudiadas pelos defensores da norma culta?
É fácil “enxugar” um texto; difícil é fazê-lo sem comprometer o sentido do escrito ou tornar a leitura insípida.
Os puristas desaprovam o uso de aforismos e frases de efeito, mas há casos em que eles são inevitáveis. A questão é não errar a mão. Se o leitor me concede a metáfora (ou seria “analogia”?), acarajé sem pimenta não é acarajé, mas uma coisa é sabor picante, outra bem diferente é comida intragável. E se me for concedido abusar de mais uma metáfora, a diferença entre o remédio e o veneno está na dose: pouco, pode não curar; muito, pode matar.
Observação: Os puristas do idioma torcem o
focinho para metáforas, mas apreciam analogias. O “pai dos burros” registra
esses dois termos como sinônimos, é verdade. Só que sinonímia perfeita é como político
honesto: não existe. Enfim, entende-se por “analogia” uma comparação
de ideias e por “metáfora”, a transposição do sentido de duas ideias.
Pode-se argumentar que escrever bem num país em que o
total de analfabetos (38 milhões em 2018, segundo o portal Agência Brasil)
supera a população de qualquer estado da federação exceto São Paulo (45 milhões
de habitantes em 2020) é como jogar pérolas a porcos. Faz sentido, mas, se é para fazer,
por que não fazer bem feito? O que falamos quase sempre se vai com o vento,
mas o que escrevemos fica registrado para a posteridade (e a Internet, como
os elefantes, não esquece).
A linguagem oral é
menos formal e mais complacente do que a escrita, e não há diferença de pronúncia entre "excesso" e "esseço", por exemplo. Mas “excesso” quer dizer “exagero”, “diferença
para mais”, e "esseço" significa que o apedeuta não sabe escrever.
Emails ou postagens no
Face, Twitter ou WhatsApp não demandam
rebuscamentos nem obediência cega aos ditames da norma culta, mas tampouco dispensam
a observância das regrinhas mais elementares de ortografia e gramática. Informações importantes tendem a perder credibilidade se insertas (com “s”, inserto
significa inserido; com “c”, incerto é sinônimo de duvidoso)
num texto capenga, apinhado de impropriedades, como “para mim fazer”, “a gente
fomos”, e por aí vai.
Cultivar o
saudável hábito da leitura ajuda a escrever melhor. Ler
a obra completa de Machado de Assis seria uma mão na roda, mas, na
impossibilidade, procure ao menos ir além de letras de rap e postagens em redes
sociais.
A língua portuguesa — “última flor do lácio, inculta e bela” — está longe de ser um primor de simplicidade. Uma miríade de armadilhas — de regência (verbal e nominal) a verbos defectivos e anômalos, passando por pontuação, palavras homônimas, homófonas e parônimas, uso dos porquês etc. — espreita aqueles que se aventuram a ir além de meras postagens no WhatsApp e uma eventual lista de compras. No soneto Língua Portuguesa, Olavo Bilac exalta a beleza do nosso idioma, a despeito de o português ser a última língua derivada do Latim Vulgar, que era falado no Lácio (uma região italiana) por soldados, camponeses e camadas populares — e diferente, portanto, do Latim Clássico empregado pelas classes superiores.
Observação: Corretores
ortográfico-gramaticais “vazaram” dos processadores de texto para navegadores, apps
mensageiros e por aí afora, mas são uma benção que pode
facilmente virar maldição: dependendo de como o recurso está configurado, o
algoritmo opera em tempo real e tenta adivinhar, a partir das primeiras letras digitadas,
o que a pessoa vai escrever. Seria ótimo se acertasse todas as vezes, mas,
quando erra, pode fazer muita merda. Como na história do rei que mandou levar o
filho à força (não me lembro para onde, mas isso não importa) e não usou cê-cedilha. Para piorar, devido à correria do dia a dia, deixamos de fazer as indispensáveis revisões, e muito do que postamos acaba
assumindo sentido diverso do pretendido.
Há quem diga que
escrever independe de regras, mas não é bem assim. Ajuda ter em mente (ou
em mãos) as seis normas incluídas por George
Orwell num ensaio intitulado Politics
and the English Language (A Política e a Língua Inglesa), publicado
em 1946 na revista Horizon e que Richard Blair, filho do
escritor, relembrou numa entrevista feita por Bernardo Marín e publicada pelo EL PAÍS.
Para o autor
britânico, a preocupação com a linguagem não é nem "frívola" nem
exclusiva dos escritores profissionais. Quando alguém se livra dos maus hábitos, "pode pensar com mais clareza, e pensar com clareza
é o primeiro passo para a regeneração da política".
Orwell critica
o que chama de "metáforas moribundas" — que, de tão usadas,
perderam seu significado. Outro vício habitual, ainda segundo ele, é usar
termos pretensiosos com a intenção de "dar um ar de imparcialidade
científica a juízos tendenciosos", bem como "palavras que
quase carecem de significado". Palavras como democracia, socialismo
e liberdade, p.ex., normalmente são usadas com "significados
diferentes que não se podem reconciliar entre si".
Escrever mal é fácil; basta escolher expressões do catálogo de frases feitas. Para não incidir nesse erro, pense no que você quer transmitir e procure colocar a ideia em palavras com clareza, evitando informações desnecessárias ou redundantes e termos confusos, de difícil compreensão.
Independentemente do tipo de texto, objetividade e clareza são primordiais. Mas, de novo, o desafio está em
transmitir a mensagem com o mínimo possível de palavras sem sacrificar o conteúdo. Caso você fique em dúvida sobre a grafia de alguma verbete, consulte um dicionário. Na
impossibilidade, substitua-o por um sinônimo (na língua portuguesa, sinônimo é
o que não falta).
Por alguma razão que desconheço, palavras “capciosas” que a gente usa com frequência podem suscitar dúvidas — com sabe quem já escreveu advinhar em vez de adivinhar, cincoenta em vez de cinquenta, pixar em vez de pichar ou xuxu em vez de chuchu. Nosso idioma é o quinto mais falado em todo o mundo e um dos mais complicados em termos de ortografia e gramática. A propósito, não custa rever minha postagem Pegadinhas do Idioma e seguir o link que remete a uma relação de 100 erros ortográfico-gramaticais que um velho leitor do Blog, hoje falecido, publicou em seu site. Para um estudo mais profundo (ou pesquisas eventuais destinadas a elucidar dúvidas corriqueiras), acesse:
http://educacao.uol.com.br/dicas-portugues/;
http://g1.globo.com/platb/portugues/;
http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/.
Diz um velho ditado que “saber não ocupa lugar”, mas não é bem assim: nossa memória não é infinita e, como no computador, é preciso eliminar dados supérfluos para que novas informações possam ser armazenadas.
Para encerrar, uma anedota:
A turma de
alfabetização da escola recebe a visita de um representante de Cuba, que veio
acompanhado de petralhas e outros puxa-sacos do demiurgo de Garanhuns (durante
cujo governo esse episódio teria ocorrido). A professora, preocupadíssima,
alerta Joãozinho:
— Joãozinho, vê se não
me envergonha na presença do político estrangeiro hein? É melhor ficar de boca
fechada.
— Tá bem, fessora!
O Político conversa
com os alunos, pergunta se já sabem ler, se gostam da professora e toda aquela baboseira
de praxe... A certa altura, ele se dirige a Joãozinho:
— E você, já lê bem?
— Leio sim senhor.
— E qual a palavra
mais bonita que você aprendeu?
A professora fica
branca como cera, mas o menino responde:
— Cubanos.
A mestra suspira,
aliviada. Mas o Secretário insiste:
— E por quê?
— Porque começa com CU acaba com ANUS. E esse B do meio, eu acho que é de BOSTA.