quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

ESTO BREVIS ET PLACEBIS

A CIÊNCIA COMETE SUICÍDIO QUANDO ADOTA UM CREDO.

Traduzido do latim vulgar para o português do asfalto, o título desta postagem significa “SÊ BREVE E AGRADARÁS”.  

Drummond dizia que escrever é “a arte de cortar palavras”. Mas como evitar a indesejável verborragia? Ou as frases de efeito, igualmente repudiadas pelos defensores da norma culta?

É fácil “enxugar” um texto; difícil é fazê-lo sem comprometer o sentido do escrito ou tornar a leitura insípida. 

Os puristas desaprovam o uso de aforismos e frases de efeito, mas há casos em que eles são inevitáveis. A questão é não errar a mão. Se o leitor me concede a metáfora (ou seria “analogia”?), acarajé sem pimenta não é acarajé, mas uma coisa é sabor picante, outra bem diferente é comida intragável. E se me for concedido abusar de mais uma metáfora, a diferença entre o remédio e o veneno está na dose: pouco, pode não curar; muito, pode matar.

Observação: Os puristas do idioma torcem o focinho para metáforas, mas apreciam analogias. O “pai dos burros” registra esses dois termos como sinônimos, é verdade. Só que sinonímia perfeita é como político honesto: não existe. Enfim, entende-se por “analogia” uma comparação de ideias e por “metáfora”, a transposição do sentido de duas ideias.

Pode-se argumentar que escrever bem num país em que o total de analfabetos (38 milhões em 2018, segundo o portal Agência Brasil) supera a população de qualquer estado da federação exceto São Paulo (45 milhões de habitantes em 2020) é como jogar pérolas a porcos. Faz sentido, mas, se é para fazer, por que não fazer bem feito? O que falamos quase sempre se vai com o vento, mas o que escrevemos fica registrado para a posteridade (e a Internet, como os elefantes, não esquece).  

A linguagem oral é menos formal e mais complacente do que a escrita, e não há diferença de pronúncia entre "excesso" e "esseço", por exemplo. Mas “excesso” quer dizer “exagero”, “diferença para mais”, e "esseço" significa que o apedeuta não sabe escrever.

Emails ou postagens no Face, Twitter ou WhatsApp não demandam rebuscamentos nem obediência cega aos ditames da norma culta, mas tampouco dispensam a observância das regrinhas mais elementares de ortografia e gramática. Informações importantes tendem a perder credibilidade se insertas (com “s”, inserto significa inserido; com “c”, incerto é sinônimo de duvidoso) num texto capenga, apinhado de impropriedades, como “para mim fazer”, “a gente fomos”, e por aí vai.

Cultivar o saudável hábito da leitura ajuda a escrever melhor. Ler a obra completa de Machado de Assis seria uma mão na roda, mas, na impossibilidade, procure ao menos ir além de letras de rap e postagens em redes sociais.

A língua portuguesa — “última flor do lácio, inculta e bela” — está longe de ser um primor de simplicidade. Uma miríade de armadilhas — de regência (verbal e nominal) a verbos defectivos e anômalos, passando por pontuação, palavras homônimas, homófonas e parônimas, uso dos porquês etc. — espreita aqueles que se aventuram a ir além de meras postagens no WhatsApp e uma eventual lista de compras. No soneto Língua Portuguesa, Olavo Bilac exalta a beleza do nosso idioma, a despeito de o português ser a última língua derivada do Latim Vulgar, que era falado no Lácio (uma região italiana) por soldados, camponeses e camadas populares — e diferente, portanto, do Latim Clássico empregado pelas classes superiores.

Observação: Corretores ortográfico-gramaticais “vazaram” dos processadores de texto para navegadores, apps mensageiros e por aí afora, mas são uma benção que pode facilmente virar maldição: dependendo de como o recurso está configurado, o algoritmo opera em tempo real e tenta adivinhar, a partir das primeiras letras digitadas, o que a pessoa vai escrever. Seria ótimo se acertasse todas as vezes, mas, quando erra, pode fazer muita merda. Como na história do rei que mandou levar o filho à força (não me lembro para onde, mas isso não importa) e não usou cê-cedilha. Para piorar, devido à correria do dia a dia, deixamos de fazer as indispensáveis revisões, e muito do que postamos acaba assumindo sentido diverso do pretendido 

Há quem diga que escrever independe de regras, mas não é bem assim. Ajuda ter em mente (ou em mãos) as seis normas incluídas por George Orwell num ensaio intitulado Politics and the English Language (A Política e a Língua Inglesa), publicado em 1946 na revista Horizon e que Richard Blair, filho do escritor, relembrou numa entrevista feita por Bernardo Marín e publicada pelo EL PAÍS.

Para o autor britânico, a preocupação com a linguagem não é nem "frívola" nem exclusiva dos escritores profissionais. Quando alguém se livra dos maus hábitos, "pode pensar com mais clareza, e pensar com clareza é o primeiro passo para a regeneração da política".

Orwell critica o que chama de "metáforas moribundas" — que, de tão usadas, perderam seu significado. Outro vício habitual, ainda segundo ele, é usar termos pretensiosos com a intenção de "dar um ar de imparcialidade científica a juízos tendenciosos", bem como "palavras que quase carecem de significado". Palavras como democracia, socialismo e liberdade, p.ex., normalmente são usadas com "significados diferentes que não se podem reconciliar entre si".

Escrever mal é fácil; basta escolher expressões do catálogo de frases feitas. Para não incidir nesse erro, pense no que você quer transmitir e procure colocar a ideia em palavras com clareza, evitando informações desnecessárias ou redundantes e termos confusos, de difícil compreensão. 

Independentemente do tipo de texto, objetividade e clareza são primordiais. Mas, de novo, o desafio está em transmitir a mensagem com o mínimo possível de palavras sem sacrificar o conteúdo. Caso você fique em dúvida sobre a grafia de alguma verbete, consulte um dicionário. Na impossibilidade, substitua-o por um sinônimo (na língua portuguesa, sinônimo é o que não falta).

Por alguma razão que desconheço, palavras “capciosas” que a gente usa com frequência podem suscitar dúvidas — com sabe quem já escreveu advinhar em vez de adivinhar, cincoenta em vez de cinquenta, pixar em vez de pichar ou xuxu em vez de chuchu. Nosso idioma é o quinto mais falado em todo o mundo e um dos mais complicados em termos de ortografia e gramática. A propósito, não custa rever minha postagem Pegadinhas do Idioma e seguir o link que remete a uma relação de 100 erros ortográfico-gramaticais que um velho leitor do Blog, hoje falecido, publicou em seu site. Para um estudo mais profundo (ou pesquisas eventuais destinadas a elucidar dúvidas corriqueiras), acesse:

http://educacao.uol.com.br/dicas-portugues/;  

http://g1.globo.com/platb/portugues/

http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/.

Diz um velho ditado que “saber não ocupa lugar”, mas não é bem assim: nossa memória não é infinita e, como no computador, é preciso eliminar dados supérfluos para que novas informações possam ser armazenadas. 


Para encerrar, uma anedota:

A turma de alfabetização da escola recebe a visita de um representante de Cuba, que veio acompanhado de petralhas e outros puxa-sacos do demiurgo de Garanhuns (durante cujo governo esse episódio teria ocorrido). A professora, preocupadíssima, alerta Joãozinho:

— Joãozinho, vê se não me envergonha na presença do político estrangeiro hein? É melhor ficar de boca fechada.

— Tá bem, fessora!

O Político conversa com os alunos, pergunta se já sabem ler, se gostam da professora e toda aquela baboseira de praxe... A certa altura, ele se dirige a Joãozinho:

— E você, já lê bem?

— Leio sim senhor.

— E qual a palavra mais bonita que você aprendeu?

A professora fica branca como cera, mas o menino responde:

— Cubanos.

A mestra suspira, aliviada. Mas o Secretário insiste:

— E por quê?

— Porque começa com CU acaba com ANUS. E esse B do meio, eu acho que é de BOSTA.