quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

NOTÍCIAS DO PAÍS DO FUTURO QUE NUNCA CHEGA


Comentarei oportunamente o imbróglio das mensagens da vaza-jato e o julgamento de ontem no STF. Sen enbargo, sugiro a leitura da entrevista concedida pelo ministro Fachin à Folha.

O relator da Lava-Jato no Supremo foi voto vencido no julgamento de ontem, contrariando minhas expectativas (eu achava que a ministra Cármen Lúcia se alinharia a ele contra os três patetas). Ainda não tive tempo de ler a íntegra do voto da magistrada, mas concordo com a parte que ouvi num telejornal, segundo a qual ela disse que todo mundo ter acesso ao conteúdo das mensagens, menos a defesa, seria um contrassenso.

Mas o perigo não mora no julgamento de ontem, mas nas consequências, que têm o triste hábito de vir depois. Gilmar Mendes dava por perdida a questão da alegada parcialidade de Moro no processo do tríplex, e assim pediu vista dos autos depois que Fachin e Cármen se posicionaram contra o pleito da defesa. E ficou sentando em cima do troço desde dezembro de 2016, esperando a aposentadoria de Celso de Mello. Deu certo. Agora, Mendes leva pressa. Quer que o julgamento seja pautado para a semana posterior à do carnaval. Isso que ministro imparcial, isento, probo. Mais é prosa.

Observação: Com o bonifrate do Bolsonaro na segunda turma, é provável que a sentença de Moro seja anulada e os autos voltem à primeira instância, para serem apreciados pelo atual juiz federal da 13ª Vara de Curitiba, Antonio Bonat

Na entrevista, Fachin diz que a Lava-Jato chegou no “andar de cima” e que a operação “não só não acabou como mal começou”. Apesar disso, o magistrado reconhece que há “sintomas de revigoramento” da corrupção por parte de agentes do Estado. Diz também que o que pode estar prestes a acabar é o “lavajatismo”, que de um lado só vê defeitos nas apurações e, de outro, só enxerga qualidades na atuação da operação. Mas o ministro também demonstra preocupação com as eleições de 2022, diz que a democracia brasileira vive uma crise e critica a participação de militares da ativa no governo federal. Posto isso, sigamos adiante.

A praga dos sete anos deflagrada pela péssima escolha feita por uma récua de muares, no primeiro turno das eleições presidenciais passadas, continua desgraçando o país do futuro em que o futuro nunca chega e a má conduta do inquilino de turno do Planalto e do Alvorada, amplamente documentada, constitui crime de responsabilidade. Mas a lei, ora a lei...

No âmbito do Direito tupiniquim, o termo “lei” (do latim lex) designa uma norma jurídica emanada do poder Legislativo (vereadores, deputados e senadores) e sancionada pelo chefe do Executivo (prefeito municipal, governador de estado ou presidente da República) para impor cidadãos a obrigação de se submeterem a ela sob pena de sanções, cuja aplicação fica a cargo do poder Judiciário.

Os membros do Legislativo (seja municipal, estadual ou federal) são eleitos democraticamente pelo voto popular, e criar leis que atendam aos interesses do povo — de quem todo o poder emana, segundo a Constituição Federal, que é nossa Carta Magna (ou Lei Maior) — é sua principal atribuição.

De acordo com o artigo 5º da Constituição Cidadã, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes(...)”. Todavia, ainda que nenhum parágrafo, inciso ou alínea deste artigo assim disponha, convencionou-se que alguns são “mais iguais” que os outros.

Num passado não muito remoto, quando éramos felizes e não sabíamos, o parágrafo único do artigo 1º da Constituição tinha a seguinte redação: “Todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”. Ao rascunharem a versão promulgada em 1988, porém, nossos constituintes promoveram uma alteração sutil nesse texto, que a partir de então passou a ser: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Segundo a nova reação, o poder deixou de ser exercido em nome do povo.

A “Constituição Cidadã” nos tirou o país que tínhamos e transformou-nos em escravos de nossos “representantes” — que continuamos elegendo, diga-se, para exercer o podem em nosso nome. Mas eles fazem o que querem, como querem e quando querem, sem prestar contas a ninguém, e quase sempre em benefício próprio, seja para aumentar a burocracia que os mantém, seja para angariar votos para a próxima eleição, seja para proteger os seus “companheiros representantes”.

Em tese, cabe ao povo decidir, através do voto, o destino de políticos que mijam fora do penico. Mas na prática a teoria é outra. Sobretudo quando o “direito de voto” é estendido “democraticamente” a analfabetos, ignorantes, apedeutas e desinformados, nas mãos de quem um título eleitoral é tão perigoso quanto uma caixa de fósforos na mão de um chimpanzé num paiol de pólvora.

Não é exagero afirmar que um sem-número de atos cometidos pelo mandatário de turno caracterizam crimes de responsabilidade. Augusto Aras abriu investigação preliminar para verificar se há indícios de que o morubixaba e seu pajé da Saúde cometeram “práticas delitivas” no gerenciamento da pandemia da Covid, no mesmo dia em que um grupo de senadores pediu a abertura de CPI para investigar a atuação do governo. Mas a blindagem que Bolsonaro criou — tanto na PGR quanto no Congresso — torna remotas as chances de uma dessas iniciativas prosperar.

Aras, que foi escolhido a dedo para o cargo por Bolsonaro, tratou a investigação como uma medida meramente protocolar. Do mundo da lua onde parece habitar, o procurador não viu um indício sequer dos crimes apontados no pedido. Resta saber como ele define o morticínio no Amazonas e no Pará por falta de oxigênio nos hospitais, enquanto o governo federal, imerso numa inacreditável letargia negacionista, limitava-se a distribuir cloroquina e recomendar o “tratamento precoce”, e o capitão travestido de presidente se referia ao general que ele próprio travestiu de interventor como um tremendo de um ministro.

Mais cedo ou mais tarde Bolsonaro e seu preposto no ministério da Saúde terão de responder por seus atos — mais cedo será melhor para o País, já que mais de mil brasileiros morrem por dia em decorrência da pandemia da Covid. Frise-se que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se o Ministério da Saúde e o governo federal cumprissem o papel que lhes cabe, mas isso dificilmente acontecerá enquanto Pazuello estiver no Ministério e Bolsonaro, na Presidência.

Bolsonaro parece confortável com o arranjo que costurou na PGR e no Congresso. Mas não demitiu o ministro da Saúde, que já está sob investigação, deixando claro que seu subordinado agiu por orientação superior — afinal, como o próprio intendente declarou outro dia, “um manda e o outro obedece”. 

Pazuello é o terceiro ministro da Saúde na gestão de Bolsonaro — os outros dois foram empurrados porta afora do gabinete porque se recusaram a comungar do negacionismo de sua alteza irreal e de sua obsessão pelo emprego de fármacos sem eficácia cientificamente comprovada contra o coronavírus. 

Observação: O próprio fabricante da ivermectina informou que não há base científica para receitar o remédio contra e, pior, ressaltou que há “preocupante falta de dados de segurança”.

Bolsonaro é garoto-propaganda de um elixir que não só não faz bem como pode fazer mal. “Pelo menos eu não matei ninguém”, diz ele, exercendo sua especialidade, que é terceirizar responsabilidades.

Então tá.