Mas o perigo não mora no julgamento de ontem, mas nas consequências, que têm o triste hábito de vir depois. Gilmar Mendes dava por perdida a questão da alegada parcialidade de Moro no processo do tríplex, e assim pediu vista dos autos depois que Fachin e Cármen se posicionaram contra o pleito da defesa. E ficou sentando em cima do troço desde dezembro de 2016, esperando a aposentadoria de Celso de Mello. Deu certo. Agora, Mendes leva pressa. Quer que o julgamento seja pautado para a semana posterior à do carnaval. Isso que ministro imparcial, isento, probo. Mais é prosa.
Observação: Com o bonifrate do Bolsonaro na segunda turma, é provável que a sentença de Moro seja anulada e os autos voltem à primeira instância, para serem apreciados pelo atual juiz federal da 13ª Vara de Curitiba, Antonio Bonat.
Na entrevista, Fachin diz que a Lava-Jato chegou no “andar de cima” e que a operação “não só não acabou como mal começou”. Apesar disso, o magistrado reconhece que há “sintomas de revigoramento” da corrupção por parte de agentes do Estado. Diz também que o que pode estar prestes a acabar é o “lavajatismo”, que de um lado só vê defeitos nas apurações e, de outro, só enxerga qualidades na atuação da operação. Mas o ministro também demonstra preocupação com as eleições de 2022, diz que a democracia brasileira vive uma crise e critica a participação de militares da ativa no governo federal. Posto isso, sigamos adiante.
A praga dos sete anos deflagrada pela péssima escolha feita por uma récua de muares, no primeiro turno das eleições presidenciais passadas, continua desgraçando o país do futuro em que o futuro nunca chega e a má conduta do inquilino de turno do Planalto e do Alvorada, amplamente documentada, constitui crime de responsabilidade. Mas a lei, ora a lei...
No âmbito do Direito tupiniquim, o termo “lei” (do latim lex) designa uma norma jurídica emanada do poder Legislativo (vereadores,
deputados e senadores) e sancionada pelo chefe do Executivo (prefeito
municipal, governador de estado ou presidente da República) para impor cidadãos
a obrigação de se submeterem a ela sob pena de sanções, cuja aplicação fica a
cargo do poder Judiciário.
Os membros do Legislativo (seja municipal, estadual ou
federal) são eleitos democraticamente pelo voto popular, e criar leis que
atendam aos interesses do povo — de quem todo o poder emana, segundo a Constituição Federal, que é nossa Carta Magna (ou Lei Maior) — é sua
principal atribuição.
De acordo com o artigo 5º da Constituição Cidadã, “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes(...)”.
Todavia, ainda que nenhum parágrafo, inciso ou alínea deste
artigo assim disponha, convencionou-se que alguns
são “mais iguais” que os outros.
Num passado não muito remoto, quando éramos felizes e não sabíamos, o parágrafo único do artigo 1º da Constituição tinha a seguinte redação: “Todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”. Ao rascunharem a versão promulgada em 1988, porém, nossos constituintes promoveram uma alteração sutil nesse texto, que a partir de então passou a ser: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Segundo a nova reação, o poder deixou de ser exercido em nome do povo.
A “Constituição Cidadã” nos tirou o país
que tínhamos e transformou-nos em escravos de nossos “representantes” — que
continuamos elegendo, diga-se, para exercer o podem em nosso nome. Mas eles fazem o que querem, como querem e quando querem, sem prestar
contas a ninguém, e quase sempre em benefício próprio, seja para aumentar a
burocracia que os mantém, seja para angariar votos para a próxima eleição, seja
para proteger os seus “companheiros
representantes”.
Em tese, cabe ao povo decidir, através do voto, o destino de
políticos que mijam fora do penico. Mas na prática a teoria é outra. Sobretudo
quando o “direito de voto” é
estendido “democraticamente” a
analfabetos, ignorantes, apedeutas e desinformados, nas mãos de quem um título
eleitoral é tão perigoso quanto uma caixa de fósforos na mão de um chimpanzé num
paiol de pólvora.
Não é exagero afirmar que um sem-número de atos cometidos
pelo mandatário de turno caracterizam crimes de responsabilidade. Augusto Aras abriu investigação
preliminar para verificar se há indícios de que o morubixaba e seu pajé da
Saúde cometeram “práticas delitivas” no gerenciamento da pandemia da Covid, no
mesmo dia em que um grupo de senadores pediu a abertura de CPI para investigar a atuação do governo. Mas a blindagem que Bolsonaro criou — tanto na PGR quanto no
Congresso — torna remotas as chances de uma dessas iniciativas prosperar.
Aras, que foi escolhido
a dedo para o cargo por Bolsonaro, tratou
a investigação como uma medida meramente protocolar. Do mundo da lua onde parece
habitar, o procurador não viu um indício sequer dos crimes apontados no pedido.
Resta saber como ele define o morticínio no Amazonas e no Pará por falta de
oxigênio nos hospitais, enquanto o governo federal, imerso numa inacreditável letargia negacionista, limitava-se a distribuir
cloroquina e recomendar o “tratamento precoce”, e o capitão travestido
de presidente se referia ao general que ele próprio travestiu de interventor
como um
tremendo de um ministro.
Mais cedo
ou mais tarde Bolsonaro e seu preposto
no ministério da Saúde terão de responder por seus atos — mais cedo será melhor
para o País, já que mais de mil brasileiros morrem por dia em decorrência da
pandemia da Covid. Frise-se que muitas
dessas mortes poderiam ter sido evitadas se o Ministério da Saúde e o governo
federal cumprissem o papel que lhes cabe, mas isso dificilmente acontecerá
enquanto Pazuello estiver no
Ministério e Bolsonaro, na
Presidência.
Bolsonaro parece confortável com o arranjo que costurou na PGR e no Congresso. Mas não demitiu o ministro da Saúde, que já está sob investigação, deixando claro que seu subordinado agiu por orientação superior — afinal, como o próprio intendente declarou outro dia, “um manda e o outro obedece”.
Pazuello é o terceiro ministro da Saúde na gestão de Bolsonaro — os outros dois foram empurrados porta afora do gabinete porque se recusaram a comungar do negacionismo de sua alteza irreal e de sua obsessão pelo emprego de fármacos sem eficácia cientificamente comprovada contra o coronavírus.
Observação: O próprio fabricante da ivermectina
informou que não há base científica para receitar o remédio contra e, pior,
ressaltou que há “preocupante falta de
dados de segurança”.
Bolsonaro é garoto-propaganda de um elixir que não só não faz bem como pode fazer mal. “Pelo menos eu não matei ninguém”, diz ele, exercendo sua especialidade, que é terceirizar responsabilidades.
Então tá.