A Constituição Cidadã pavimentou o caminho para o parlamentarismo. O Art. 2º Título X, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, diz o seguinte (litteris): “no dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.”
Quatro anos depois, a emenda constitucional nº
2, de 25 de agosto de 1992, antecipou o plebiscito para o dia 21 de
abril de 1993 e determinou que seus efeitos vigessem a partir de 1º de janeiro
de 1995. Só que faltou combinar com os burros, digo, com o esclarecidíssimo
povo tupiniquim. E aí deu zebra, e a zebra emprenhou e pariu o presidencialismo de coalizão (ou de
cooptação, como queiram).
Noves fora Fernando
Henrique — e olhe lá —, nada que prestasse ocupou o gabinete mais cobiçado
do Palácio do Planalto desde o final da ditadura. Tancredo baixou ao hospital 12 horas antes da cerimônia de posse,
foi declarado morto 38 dias e 7 cirurgias depois e sepultado dali a 3 dias,
levando consigo a esperança do povo brasileiro e deixando no ar uma pergunta
que não quer calar: como estaríamos hoje se a velha raposa mineira tivesse
efetivamente presidido o país?
A passagem de Sarney
— o grande oligarca da política de cabresto nordestina — pela presidência desta
Banânia foi um desastre; a de seu sucessor — o caçador de marajás de araque —
terminou em impeachment, a exemplo do governo Dilma, 24 anos depois.
Do mandato tampão de Itamar
resultou FHC em dose dupla, mas a
empáfia comodista dos tucanos deu azo a 13 anos 4 meses e 12 dias do mais
nefasto lulopetismo. Após a deposição Bruxa má do Oeste, o vampiro do Jaburu concluiu
seu mandato tampão melancolicamente, no melhor estilo “Lame Duck” (como os americanos se referem a políticos que
chegam ao fim mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem
seu desprezo servindo-lhes o café frio). E então vieram as dez pragas do Egito, encarnadas num egum mal despachado que urge
exorcizar.
O impeachment é um processo lento — e penoso, pois paralisa
o país até sua resolução. Em tempos de crise, ele está longe de ser o
instrumento apropriado para resolver problemas de governança e gestão temerária,
mas o que fazer quando não existe outra opção?
No que tange ao impeachment, a Constituição
Cidadã que gestou nosso “presidencialista de cooptação” pariu dois fenômenos:
quando o presidente possui pouca interlocução no Congresso, torna-se presa
fácil de um processo de impedimento (como aconteceu com Collor e Dilma). Mas se
lotear o governo no parlamento, como fez Michel
Temer, o chefe do Executivo dificilmente enfrentará o pior, mesmo que sua
gestão seja temerária ou improba.
O parlamentarismo, longe de estar enraizado na sociedade,
surge como a melhor opção, mas carece de apoio popular pela característica
clássica do eleitor brasileiro em buscar
um salvador da pátria a cada ciclo eleitoral. Para funcionar, uma reforma
política como manda o figurino, que ataque também o modelo eleitoral, adotando
o sistema distrital puro ou misto, ou mesmo eleição em lista fechada, teria de
ser feita ontem, aprovada anteontem e começar a viger a partir do mês passado. Soluções
como essa produzem bons resultados em regimes parlamentares europeus, como os
da Alemanha, Espanha e Reino Unido, além de tornarem as campanhas mais baratas
e reduzirem drasticamente o número de partidos políticos.
Uma mudança dessa magnitude no Brasil seria utópica. Uma alternativa seria
limitar o tempo do mandatário de turno através do recall — um chamamento de votação suplementar no qual o
eleitorado decide se o governante deve ou não concluir seu mandato —, mas poderia
paralisar o país, já que produziria um novo ciclo eleitoral no meio do mandato.
As “idas e vindas” de Bolsonaro
(bom seria se ele fosse e não voltasse nunca mais, mas enfim) me trazem à
lembrança uma célebre frase do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, que testemunhou a transfiguração radical das
circunstâncias, no seu torrão natal, da monarquia para a República e desta para
a ditadura: "Yo soy yo y mi
circunstancia y si non la salvo a ella no me salvo yo."
Políticos costumam evocar a primeira parte desse aforismo para
justificar mudanças bruscas de posição. No caso de Bolsonaro, todavia, a segunda parte do enunciado de Gasset é mais relevante. No português
do asfalto, a mensagem de Gasset
seria traduzida assim: para salvar a própria pele, mande à merda a coerência e
vire-se como puder. Bolsonaro
virou-se do avesso. Aturdido com a perda de popularidade, agarra-se ao jacaré
imaginando que é um tronco. Difícil saber quanto tempo durará a hipotética
conversão às vacinas. Quando está fora de si, nosso indômito capitão não
consegue esconder por muito tempo o que tem por dentro.
O Brasil precisa repensar seu modelo político, torná-lo mais
moderno, ágil e capaz de entregar soluções efetivas para a população. O impeachment
não consegue ser um instrumento eficiente, não da forma como o conhecemos,
visto que a eleição de um presidente pode se tornar a compra de uma agonia no médio
prazo. Por outro lado, estelionatos passaram a ser uma prática recorrente no
Brasil, e os eleitores tornaram-se reféns da traição por período longo demais.
O país tem pressa em acertar, mas permanecerá nesse marasmo enquanto a
população não exigir mudanças. A pandemia mostrou que não temos o direito de
errar — mas, se errarmos, é fundamental dispormos de ferramentas eficazes, que
nos permitam consertar a caga... a burrada com a devida prontidão
Com Marcos Coimbra