Era tão certo quanto a morte, os impostos e as estultices
deste governo que a Câmara chancelaria a prisão do deputado troglodita
bolsonarista (redundância, mas enfim...), até porque reverter uma liminar
decretada monocraticamente pelo ministro Alexandre
de Moraes era uma coisa e revogar uma
decisão unânime dos 11 togados, outra, bem diferente.
A situação do deputado falastrão, que já não era muito
confortável, piorou depois que agentes da PF
encontraram dois celulares escondidos no meio de suas roupas, no alojamento em
que ele ficou detido antes de ser transferido para o Batalhão Especial Prisional (BEP). Estranhamente, um dos aparelhos
havia sido apreendido no dia em que da prisão e entregue a um assessor
parlamentar na terça-feira passada.
O rufião de lupanar de quinta rugiu como um tigre no vídeo
malcriado, latiu como um poodle na audiência de custódia e ronronou como um
gatinho na sessão plenária em que seus pares decidiram não afrouxar sua prisão
(confira neste
vídeo). Mas o mais surpreendente foi o placar, que superou as previsões
mais ousadas: 364 votos favoráveis à
mantença da prisão e 130 contrários (e 3 abstenções).
Observação: O pagode
“Bicho
Feroz”, do inesquecível Bezerra
da Silva (1927-2005), parece ter sido inspirado no nobre deputado. Confira:
“Você com revólver na mão é um bicho
feroz. Sem ele, anda rebolando e até muda de voz. É que a rapaziada não sabe. Quando
você entrou em cana, lavava a roupa da malandragem e dormia no canto da cama. Hoje
está em liberdade e anda trepado com marra de cão. Eu conheço seu passado na
cadeia; seu negócio é somente pagar sugestão. Olha aí, vacilão, simplesmente eu
tô dando esse alô porque sei que você não é de nada. Quando leva um arrocho dos
homens, de bandeja entrega toda rapaziada. Acha bonito ser bicho solto, mas não
tem disposição. Quando entrar em cana novamente, vai passar lua de mel outra
vez na prisão. Olha aí, safadão!”
A Constituição de
1988 foi promulgada durante a gestão
do primeiro presidente civil desde o golpe militar de 1964, ainda em meio à “ressaca”
dos 21 anos de ditadura. É compreensível, portanto, que os constituintes buscassem
resguardar ao máximo o direito de livre expressão dos parlamentares. Mas daí ao
transformar a imunidade parlamentar em salvo-conduto para cometer crimes
impunemente vai uma longa distância. Ou deveria. Basta lembrar o caso
emblemático da dublê de cantora gospel e pastora papa-dízimo Flordelis, que responde a processo como mandante do
assassinato do marido e continua dando expediente na Câmara (deputados
são eleitos para representar o povo no Congresso Nacional, e sua principal tarefa
consiste na elaboração de leis).
A Carta Magna também
garantiu ao plenário da Câmara Federal a prerrogativa de abrir a cela de
deputados presos em flagrante. No caso em exame, as ponderações do decano do STF me parecem irretorquíveis:
"Vão calar o
Supremo para dar voz a um deputado desqualificado? (...) Estou com 74 anos, 42
em colegiado judicante. E jamais imaginei vivenciar o que vivenciei. Jamais
imaginei que uma fala pudesse ser tão ácida, tão agressiva, tão chula no
tocante a instituições. O ato do Supremo fica submetido a uma condição
resolutiva. Confirmado, prevalece. Não confirmado, ele cai. Essa condição
resolutiva é acionada pela Câmara."
Na noite de sexta-feira, a despeito de alguns discursos
vergonhosos — como os do Major Vitor
Hugo e sua colega bolsonarista Carla
Zambelli —, os nobres parlamentares acharam por bem não se arriscar a
transformar a operação de salvamento de um Zé
Ninguém num processo de desmoralização do Judiciário. Até porque, quem tem
juízo não cutuca onça com vara curta, e como a terça parte dos deputados
federais é composta por investigados e réus no STF, a conclusão é óbvia.
Não arrisco um palpite sobre como o conselho de ética (?!)
da Câmara vai se pronunciar. Se a decisão fosse tomada nos próximos dias,
acredito que o brucutu do capitão seria cassado. Mas se demorar semanas (ou
meses), é bem possível que ele seja apenas suspenso ou advertido — embora
devamos ter em mente que o congressista falastrão será julgado como réu em ação
penal a ser aberta pelo STF a pedido
da PGR e, como bem sintetizou Josias de Souza, “logo perceberá que se
meteu num enrosco que faz com que seu pesadelo seja melhor do que o despertar”.
No momento, a cassação do mandato seria um grande negócio
para o despejador de vitupérios. Sem prerrogativa de foro, a denúncia formulada
contra ele pela PGR baixaria para a
primeira instância, e sua defesa teria acesso ao caudaloso manancial de
recursos protelatórios que o ordenamento jurídico brasileiro oferece aos réus. Preservando
o mandato, a bênção do foro privilegiado se tornará uma maldição, porque será
julgado no Supremo pelos ministros
que ele disse que gostaria de ver
surrados nas ruas — e, se for condenado, não terá a quem recorrer.
Vejam como são as coisas... O tigre selvagem que se achava a
última bolacha do pacote descobriu em menos de uma semana que é um pacote sem
bolachas. Tinha-se na conta de amigo do morubixaba e achava que o
corporativismo dos guerreiros da tribo o protegeria das consequências de seus
rosnados. Não considerou o fato (notório, diga-se) de que o grande chefe caga e
anda para os guerreiros que tombam feridos no campo de batalha, e que seus
pares concluíram que não valia a pena acionar o espírito de porco, digo, de
corpo, para defender um corpo estranho no ninho. De repente, “nada” tornou-se
para o Daniel Silveira “uma palavra
que ultrapassa tudo”.