terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

TUDO É RELATIVO


Tudo é relativo e a verdade não foge à regra. A única verdade absoluta é que nada é absoluto, até porque a verdade pode ser subjetiva. O que é bom para você não necessariamente é bom para mim e vice-versa. Há quem morra de amores por Lula e quem o deteste; há quem ache Bolsonaro um "mito enviado por Deus” e quem o veja como a encarnação de Belzebu; e há quem tenha ojeriza aos dois (como é o caso deste que vos escreve). Mas isso é outra conversa.

Tomemos como exemplo a Covid, que já fulminou 2,31 milhões de viventes ― 212 mil só no Brasil ― e deixou um sem-número de desempregados mundo afora. Enquanto a maioria dos brasileiros sofre com os efeitos da crise, uma seleta confraria de 42 bilionários tupiniquins viu seu patrimônio crescer R$ 177 bilhões entre março e junho do ano passado. 

A riqueza combinada dos 10 homens mais ricos do mundo aumentou US$ 540 bilhões (R$ 2,9 trilhões) durante a pandemia. Segundo a Oxfam, esse montante daria com folga para pagar a vacinação da população mundial (7,5 bilhões de viventes).

Jeff Bezos, fundador da Amazon, chegou a ganhar US$ 13 bilhões num único dia. Com o lucro que obteve somente no mês de setembro de 2020, ele poderia ter dado a todos os 876 mil funcionários de sua empresa um bônus de US$ 105 mil (R$ 574 mil) e continuar tão rico quanto era antes da pandemia.

Um dos setores mais afetados pela crise foi o do turismo, devido ao jejum compulsório imposto aos viajantes contumazes. Em tese, a impossibilidade de aproveitar as férias de julho para fazer compras em Miami e as de final de ano para esquiar em Gstaad deveria estimular o turismo local. Na prática, porém, a teoria costuma ser outra: com o cancelamento do carnaval, a prefeitura do Rio de Janeiro prevê uma perda de R$ 3,6 bilhões — no ano passado, cerca de R$ 4 bilhões movimentaram a economia da cidade.

Pode-se gostar ou não de João Doria, mas não se pode deixar de reconhecer que se não fosse por ele o Ministério da Saúde ― que está há nove meses sob a batuta da dupla “um manda e outro obedece” ― só começaria a imunizar os brasileiros na hora H do dia D. Pelo cronograma estabelecido pela conspícua parelha, a vacinação começaria pelos idosos com mais de 100 anos que comparecessem aos postos acompanhados dos pais. 

ObservaçãoBolsonaro chegou à conclusão de que é mais fácil esperar todos os brasileiros completarem 75 para vaciná-los. O ministro-astronauta recomendou a criação de lagos artificiais para o lazer de quem virar jacaré depois de tomar o imunizante. Doria disse que a atitude do capitão-estricnina revela um “pária” que tem liderado o Brasil em meio a um “mar de incompetência”, e que o governo atual é uma exceção no histórico de sucesso dos planos de vacinação no país: “E agora, na pior situação de saúde do Brasil nos últimos 100 anos, a triste realidade é a de um governo negacionista de Jair Bolsonaro.” Tem como discordar?

Voltando ao que eu dizia sobre o turismo internacional e a relatividade das coisas, Bolsonaro torrou em 2020 (o segundo ano de sua desditosa gestão) R$ 8,6 milhões em viagens pelo mundoConsiderando mais 12 trechos em que ainda não houve prestação de contas, o valor total deve ficar em torno de R$ 9,6 milhões. Os dados apresentados referem-se apenas as atividades dos escalões avançados, já que as demais informações solicitadas pelo blog do jornalista Lucio Vaz (*) não foram fornecidas a pretexto de estarem protegidas por sigilo.

Fora as viagens para a Índia e para os Estados Unidos, que custaram respectivamente R$ 742 mil e R$ 354 mil, as viagens mais caras foram para o Guarujá. Foram torrados R$ 336 mil em seis dias de Carnaval, R$ 294 mil numa folga de quatro dias no início de 2020 e R$ 253 mil no feriadão de três dias de 12 de outubro (durante o qual saiu pelas ruas da cidade de moto, provocando aglomerações de apoiadores, e esteve na praia, onde andou de jet ski). Os 29 dias de mordomia que sua alteza irreal gozou no litoral paulista custaram aos contribuintes a “bagatela” de R$ 906 mil. Com esse valor, 7 pessoas poderiam fazer um cruzeiro de volta ao mundo no navio MSC Poesia (foto) com duração de 119 dias e visitas a 53 destinos em 33 países (os bilhetes mais caros custam R$ 122,5 mil por pessoa em acomodação dupla).

Continua...

(*) Lúcio Vaz cobre a política em Brasília há 30 anos, revelando mordomias, privilégios, supersalários, desvios de recursos públicos e negociatas nos três poderes. Com passagens por O Globo, Folha de S. Paulo e Correio Braziliense, o jornalista ― autor dos livros "A Ética da Malandragem - no submundo do Congresso" e "Sanguessugas do Brasil" ― ganhou os prêmios Embratel e Latino-americano de Jornalismo Investigativo ao descobrir a Máfia dos Sanguessugas.