domingo, 7 de fevereiro de 2021

UM PAÍS DE MENTIRINHA


O Brasil sempre foi um país “de mentirinha”, mas jamais foi presidido por alguém tão avesso à verdade quanto o mandatário de turno. Não que faça sentido culpar o eleito pela imbecilidade dos que o elegeram: maus políticos podem ser capazes de tudo, menos de brotar em seus gabinetes por geração espontânea ― ou seja, só estão lá porque alguém os elegeu.

O presidente movido a leite condensado transformou esta banânia em pária internacional. Infelizmente, a despeito da ressurreição dos panelaços (sepultados quando Dilma foi expelida), teremos de conviver com as pragas (viral e presidencial) por mais algum tempo. Para o vírus já existe vacina, e logo haverá um remédio; para a oura praga, Maia perdeu o bonde da história e nada indica que Lira quer ver Roma pegar fogo. Ao menos por enquanto.

Bolsonaro foi o grande derrotado em novembro. Levou um tombo com a posse de Biden, outro com a falta de vacinas e um terceiro com a asfixia de Manaus, caiu nas pesquisas e passou a conviver com o fantasma do impeachment. Quanto mais ele descia a ladeira, mais a “opção de centro” subia. Pois não é que as posições se inverteram?

Bolsonaro falou em “morte, invalidez e anomalia” ao se referir à “tal vacina chinesa do Doria”, disse “não vai tomar e ponto final” e fez campanha aberta contra a vacinação obrigatória. Se não tomar e morrer, vale seu mantra: “E daí? O que eu posso fazer? Não sou coveiro”. Mas vaso ruim não quebra fácil.

Foi até um tanto patético o ministro do marketing, Fábio Faria, arrastar Pazuello, Ernesto Araújo e o Zé Gotinha para receber não uma, mas duas vezes, em São Paulo e no Rio, os mesmos dois milhões de doses da Oxford/Astrazeneca vindas da Índia. A vacinação já começara havia cinco dias, a quantidade de doses era um quinto das já disponíveis e suficiente apenas para uma parcela ínfima das prioridades. Logo, foi muito ministro para pouca vacina. E com discursos não sobre vacinas, mas com loas a Bolsonaro.

Vira e mexe o tenente insubordinado, tornado capitão por força das regras, se autoproclama militar e põe as Forças Armadas numa enrascada, ao enveredá-las, via palavras e atos, pela perigosa teia de insinuações e ameaças à democracia e às instituições. “Quem manda sou eu, não abro mão da minha autoridade”, continuará gritando, enquanto carrega criancinhas em palanques, devora canapés em eventos militares e deixa os garotos brincarem de líderes de algo como direita revolucionária armada. Há um vácuo na Presidência, mas Bolsonaro está mais preocupado em trancar o impeachment e manipular a opinião pública. A internet, o Centrão, as bancadas do boi, da bala e da bíblia e parte da esquerda farão o resto. Pelo menos enquanto isso lhes parecer interessante.

Resumo da ópera: O Brasil é um pária internacional, com um presidente que mais ajuda sendo pária no seu próprio governo.

Com Eliane Cantanhede