Ministros que
defendem a Lava-Jato no Supremo entendem que, ao anular as condenações de Lula que
tramitaram na 13ª Vara de Curitiba, o ministro Fachin conteve danos maiores à operação — ele sabia que os atos de
Sergio Moro seriam anulados de qualquer
maneira pela 2ª Turma, hoje
dominada por Gilmar Mendes. Além disso, grassava nos bastidores o rumor
de que o semideus togado poderia pautar a discussão sobre a parcialidade de Moro numa das próximas sessões, sem
aviso prévio, donde Fachin antecipou a um dos ministros que
tomaria uma “medida extrema”.
O receio (justificado)
de Fachin era de que a suspeição de Moro, se declarada, não só anularia as
condenações de Lula como abriria uma
brecha para que os demais réus pleiteassem
isonomia de tratamento. Na condição de dono do voto vencedor, Gilmar assumiria a relatoria dos novos
pedidos e poderia, com base nesse precedente, anular monocraticamente todas as outras condenações oriundas da força-tarefa
que desvendou o maior esquema de corrupção da história do país, no qual o
petismo organizou uma pilhagem sistemática de empresas estatais (especialmente
a Petrobras), em conluio com
empreiteiras e outros partidos, para fraudar a democracia brasileira e
perpetuar um projeto de poder.
Ao fim e ao cabo de
tantos fatiamentos, ficou definido que a
13ª Vara só teria competência para julgar casos que envolvessem a Petrobras.
E é aqui que entra o argumento inusitado de Fachin, que, como bem observou O
ANTAGONISTA, também quis democratizar a impunidade:
uma vez que a 2ª Turma já andava
livrando de condenações políticos do PP
e do MDB, não haveria razão para
deixar o chefe do PT condenado. O
problema é que a iniciativa do ministro-relator da Lava-Jato deve acelerar
ainda mais o processo de desmonte e anulação das condenações de políticos, sem
mencionar que Gilmar Mendes, o
semideus de toga que assumiu
o posto de mandachuva informal dos togados supremos, não é de deixar
por menos. Fachin visou esvaziar a
cruzada capitaneada por ele contra a força-tarefa, cujo ápice seria o
julgamento da parcialidade de Sergio
Moro pela 2ª Turma, mas o nobre
magistrado que Augusto Nunes
apelidou de Maritaca
de Diamantino não é de se dar por vencido.
No editorial desta terça-feira,
a Gazeta do Povo qualificou de “inexplicável”
a decisão mediante a qual os 4 processos oriundos da 13ª Vara de Curitiba, em que Lula
figura como réu serão anulados e encaminhados à primeira instância da Justiça Federal do Distrito Federal, já que Fachin
a embasou em argumentos já analisados (e rebatidos) à exaustão sobre a
competência da JF do Paraná para
julgar as ações contra o ex-presidente.
Como é público e
notório, uma decisão da nossa mais alta corte de Justiça pode sair em 2 horas ou levar 20 anos, a depender do
togado que a toma e de quem ela favorece. E, como não podia deixar de ser, a dicotomia — semeada pelo pela choldra
petralha, regada pela caterva de tucanos emproados e adubada pela cáfila de
sectários do bolsonarismo boçal — contaminou as togas e dividiu a Corte em duas
alas: a dos “garantistas” (de raiz
ou de ocasião, dependendo do ponto de vista) e a dos “punitivistas”.
Por razões que me fogem
à compreensão, depois que a banda podre, digo, a ala garantista da Corte formou
maioria contra a prisão após condenação em segunda instância, a coisa
degringolou de vez. Na 2ª Turma, o então
decano Celso de Mello atuava como
fiel da balança, mas, depois que ele se aposentou e Bolsonaro colocou em seu lugar o eminente desembargador piauiense dono
de um currículo ofuscante, a coisa degringolou de vez. Tampouco é fácil entender
(embora eu tenha minhas teorias) por que a encarnação de Amon-Rá no STF virou a
toga, passando de lavajatista ferrenho a
inimigo figadal da força-tarefa e do combate à corrupção, sobretudo em relação
à assim chamada “República
de Curitiba”. Aliás, entre os 11 ministros supremos, Mendes é campeão absoluto em pedidos de
impeachment... mas “e daí”? (Volto a essa questão numa próxima oportunidade).
Fachin anotou em seu despacho que Lula
era apontado na acusação como o chefe da organização criminosa que assaltou o
país e, por estar no comando, sua ação não se limitaria à Petrobras. Em suma, a Petrobras
foi, sim, vítima de Lula; mas, como
a lista de vítimas não se limita à estatal petrolífera, as ações contra o ex-presidente
não poderiam permanecer na 13ª Vara.
Data venia e salvo melhor juízo, isso não faz o menor sentido, quando mais não
seja porque criaria uma situação em que ações que tratam da Petrobras acabariam sendo tiradas de
Curitiba para serem julgadas em outros locais, esvaziando a vara atualmente comandada
pelo juiz federal Antonio Bonat até
naquilo que o próprio Supremo havia
considerado ser sua competência.
Jamais se decidiu
que caberia à 13ª Vara casos que
dissessem respeito única e exclusivamente à Petrobras. O critério era bem mais simples: se a estatal
petrolífera tivesse sido lesada (mesmo que houvesse outras estatais ou órgãos
governamentais envolvidas nos atos criminosos), só deixariam a capital
paranaense os casos em que não houvesse
menção à Petrobras. O próprio Fachin embasou sua decisão em trechos
da denúncia oferecida pelo MPF (no
caso do tríplex no Guarujá) onde a
ligação entre os favores oferecidos pela OAS
e nomeações e contratos da Petrobras
é de uma clareza meridiana — tendo sido reconhecida inclusive pelas instâncias
superiores, que ratificaram a condenação de Lula.
A mesma ligação com
contratos da Petrobras foi
estabelecida também no processo do sítio
de Atibaia, sendo reconhecida pela juíza substituta Gabriela Hardt e pela 8ª
Turma do TRF-4. Tudo isso faz da
decisão de Fachin aquilo que no
linguajar jurídico se convencionou chamar de “teratológico” — ou seja, algo absurdo, bizarro, surreal. Até
porque, para além de restabelecer os direitos políticos do sumo pontífice da
seita do inferno e lhe permitir disputar a Presidência em 2022 (se até lá ele
ainda caminhar entre os vivos e não tiver sido novamente condenado em duas
instâncias no DF, o que é improvável,
mas não impossível), Fachin visou esvaziar
a cruzada capitaneada por Mendes
contra a Lava-Jato, cujo ápice seria
o julgamento da parcialidade de Sergio
Moro pela 2ª Turma. Mas, como
dito parágrafos atrás, o semideus de toga é duro na queda.
É preciso ter em
mente que decisões judiciais devem ser
tomadas com base nos fatos, e não por estratégia. E tanto os fatos quanto a
jurisprudência construída sobre a competência da 13ª Vara desmontam completamente a argumentação do ministro relator
da Lava-Jato. O correto seria negar o habeas corpus impetrado pela
defesa do molusco e deixar que a 2ª
Turma cometesse uma monumental injustiça ao declarar a suspeição de Moro, assumindo a responsabilidade pelo
erro, por mais daninho que isso fosse para o país. Poupar Moro poderia livrar da vergonha os demais integrantes da 2ª Turma, mas reforça a insegurança
jurídica que marca a atuação do Supremo
nos processos do Petrolão, com
retrocessos sucessivos que consolidam o
papel da Corte como promotora não de justiça, mas de injustiças totalmente
nocivas a um Brasil cansado de corrupção.
Atualização: Por 4 votos a 1, vencido o ministro Fachin, a 2ª Turma
decidiu manter no colegiado a análise de habeas corpus que pede a suspeição de Moro. O presidente da Turma e
mandachuva da Corte entendeu que a decisão de Fachin, que anulou ações contra Lula em Curitiba não implica perda
de objeto do HC que questiona a imparcialidade
do ex-juiz. Em reação ao agendamento feito de última hora pelo mestre de
cerimônias do cirquinho, Fachin solicitou
o adiamento da discussão até o plenário decidir se a análise sobre a suspeição
de Moro tem ou não validade depois
da decisão dada na véspera. Assim o julgamento do recurso será realizado mesmo
com a anulação de todas as decisões tomadas pela 13ª Vara nas ações contra Lula.
Na visão de Fachin, o deslocamento
de competência do processo para a JF
do DF evitaria a anulação dos
inquéritos, interceptações e quebras de sigilo feitas pela força-tarefa
paranaense da operação Lava-Jato, facilitando uma possível nova condenação de Lula em menos tempo, já que os
depoimentos de testemunhas e documentos comprobatórios poderiam ser
aproveitados — a depender da decisão do novo (ou novos) juiz responsável pelos
processos na Justiça de Brasília. Caso Moro
seja declarado suspeito, todas as provas
colhidas contra Lula na 13ª Vara de Curitiba ficarão anuladas.
Atualização 2: O ministro Kassio Nunes Marques pediu vista do processo, alegando com que, na condição de novato na Corte, nunca analisou o caso e precisa de mais tempo para formar seu juízo. Mas sugeriu a seus pares que, querendo, adiantem seus votos. Gilmar Mendes votou por considerar Moro parcial e anular a condenação e todos os atos processuais do caso do tríplex do Guarujá, no que foi seguido pelo petista que vestiu a toga sem despir a farda de militante. Em se mantendo o entendimento expresso anteriormente por Fachin e Cármen Lúcia (pela rejeição da suspeição de Moro), o voto de desempate caberá ao novato da Corte. Detalhe: após a manifestação de Nunes Marques, Cármen Lúcia sinalizou que pretende se pronunciar novamente (até o encerramento de um julgamento, os ministros podem alterar seus votos). Façam suas apostas.