quarta-feira, 10 de março de 2021

AINDA SOBRE LULA E A DECISÃO DE FACHIN

 

Ministros que defendem a Lava-Jato no Supremo entendem que, ao anular as condenações de Lula que tramitaram na 13ª Vara de Curitiba, o ministro Fachin conteve danos maiores à operação — ele sabia que os atos de Sergio Moro seriam anulados de qualquer maneira pela 2ª Turma, hoje dominada por Gilmar Mendes. Além disso, grassava nos bastidores o rumor de que o semideus togado poderia pautar a discussão sobre a parcialidade de Moro numa das próximas sessões, sem aviso prévio, donde Fachin antecipou a um dos ministros que tomaria uma “medida extrema”.

O receio (justificado) de Fachin era de que a suspeição de Moro, se declarada, não só anularia as condenações de Lula como abriria uma brecha para que os demais réus pleiteassem isonomia de tratamento. Na condição de dono do voto vencedor, Gilmar assumiria a relatoria dos novos pedidos e poderia, com base nesse precedente, anular monocraticamente todas as outras condenações oriundas da força-tarefa que desvendou o maior esquema de corrupção da história do país, no qual o petismo organizou uma pilhagem sistemática de empresas estatais (especialmente a Petrobras), em conluio com empreiteiras e outros partidos, para fraudar a democracia brasileira e perpetuar um projeto de poder.

Ao fim e ao cabo de tantos fatiamentos, ficou definido que a 13ª Vara só teria competência para julgar casos que envolvessem a Petrobras. E é aqui que entra o argumento inusitado de Fachin, que, como bem observou O ANTAGONISTAtambém quis democratizar a impunidade: uma vez que a 2ª Turma já andava livrando de condenações políticos do PP e do MDB, não haveria razão para deixar o chefe do PT condenado. O problema é que a iniciativa do ministro-relator da Lava-Jato deve acelerar ainda mais o processo de desmonte e anulação das condenações de políticos, sem mencionar que Gilmar Mendes, o semideus de toga que assumiu o posto de mandachuva informal dos togados supremos, não é de deixar por menos. Fachin visou esvaziar a cruzada capitaneada por ele contra a força-tarefa, cujo ápice seria o julgamento da parcialidade de Sergio Moro pela 2ª Turma, mas o nobre magistrado que Augusto Nunes apelidou de Maritaca de Diamantino não é de se dar por vencido.

No editorial desta terça-feira, a Gazeta do Povo qualificou de “inexplicável” a decisão mediante a qual os 4 processos oriundos da 13ª Vara de Curitiba, em que Lula figura como réu serão anulados e encaminhados à primeira instância da Justiça Federal do Distrito Federal, já que Fachin a embasou em argumentos já analisados (e rebatidos) à exaustão sobre a competência da JF do Paraná para julgar as ações contra o ex-presidente.

Como é público e notório, uma decisão da nossa mais alta corte de Justiça pode sair em 2 horas ou levar 20 anos, a depender do togado que a toma e de quem ela favorece. E, como não podia deixar de ser, a dicotomia — semeada pelo pela choldra petralha, regada pela caterva de tucanos emproados e adubada pela cáfila de sectários do bolsonarismo boçal — contaminou as togas e dividiu a Corte em duas alas: a dos “garantistas” (de raiz ou de ocasião, dependendo do ponto de vista) e a dos “punitivistas”.

Por razões que me fogem à compreensão, depois que a banda podre, digo, a ala garantista da Corte formou maioria contra a prisão após condenação em segunda instância, a coisa degringolou de vez. Na 2ª Turma, o então decano Celso de Mello atuava como fiel da balança, mas, depois que ele se aposentou e Bolsonaro colocou em seu lugar o eminente desembargador piauiense dono de um currículo ofuscante, a coisa degringolou de vez. Tampouco é fácil entender (embora eu tenha minhas teorias) por que a encarnação de Amon-Rá no STF virou a toga, passando de lavajatista ferrenho a inimigo figadal da força-tarefa e do combate à corrupção, sobretudo em relação à assim chamada “República de Curitiba”. Aliás, entre os 11 ministros supremos, Mendes é campeão absoluto em pedidos de impeachment... mas “e daí”? (Volto a essa questão numa próxima oportunidade).

Fachin anotou em seu despacho que Lula era apontado na acusação como o chefe da organização criminosa que assaltou o país e, por estar no comando, sua ação não se limitaria à Petrobras. Em suma, a Petrobras foi, sim, vítima de Lula; mas, como a lista de vítimas não se limita à estatal petrolífera, as ações contra o ex-presidente não poderiam permanecer na 13ª Vara. Data venia e salvo melhor juízo, isso não faz o menor sentido, quando mais não seja porque criaria uma situação em que ações que tratam da Petrobras acabariam sendo tiradas de Curitiba para serem julgadas em outros locais, esvaziando a vara atualmente comandada pelo juiz federal Antonio Bonat até naquilo que o próprio Supremo havia considerado ser sua competência.

Jamais se decidiu que caberia à 13ª Vara casos que dissessem respeito única e exclusivamente à Petrobras. O critério era bem mais simples: se a estatal petrolífera tivesse sido lesada (mesmo que houvesse outras estatais ou órgãos governamentais envolvidas nos atos criminosos), só deixariam a capital paranaense os casos em que não houvesse menção à Petrobras. O próprio Fachin embasou sua decisão em trechos da denúncia oferecida pelo MPF (no caso do tríplex no Guarujá) onde a ligação entre os favores oferecidos pela OAS e nomeações e contratos da Petrobras é de uma clareza meridiana — tendo sido reconhecida inclusive pelas instâncias superiores, que ratificaram a condenação de Lula.

A mesma ligação com contratos da Petrobras foi estabelecida também no processo do sítio de Atibaia, sendo reconhecida pela juíza substituta Gabriela Hardt e pela 8ª Turma do TRF-4. Tudo isso faz da decisão de Fachin aquilo que no linguajar jurídico se convencionou chamar de “teratológico” — ou seja, algo absurdo, bizarro, surreal. Até porque, para além de restabelecer os direitos políticos do sumo pontífice da seita do inferno e lhe permitir disputar a Presidência em 2022 (se até lá ele ainda caminhar entre os vivos e não tiver sido novamente condenado em duas instâncias no DF, o que é improvável, mas não impossível), Fachin visou esvaziar a cruzada capitaneada por Mendes contra a Lava-Jato, cujo ápice seria o julgamento da parcialidade de Sergio Moro pela 2ª Turma. Mas, como dito parágrafos atrás, o semideus de toga é duro na queda.

É preciso ter em mente que decisões judiciais devem ser tomadas com base nos fatos, e não por estratégia. E tanto os fatos quanto a jurisprudência construída sobre a competência da 13ª Vara desmontam completamente a argumentação do ministro relator da Lava-Jato. O correto seria negar o habeas corpus impetrado pela defesa do molusco e deixar que a 2ª Turma cometesse uma monumental injustiça ao declarar a suspeição de Moro, assumindo a responsabilidade pelo erro, por mais daninho que isso fosse para o país. Poupar Moro poderia livrar da vergonha os demais integrantes da 2ª Turma, mas reforça a insegurança jurídica que marca a atuação do Supremo nos processos do Petrolão, com retrocessos sucessivos que consolidam o papel da Corte como promotora não de justiça, mas de injustiças totalmente nocivas a um Brasil cansado de corrupção.

Atualização: Por 4 votos a 1, vencido o ministro Fachin, a 2ª Turma decidiu manter no colegiado a análise de habeas corpus que pede a suspeição de Moro. O presidente da Turma e mandachuva da Corte entendeu que a decisão de Fachin, que anulou ações contra Lula em Curitiba não implica perda de objeto do HC que questiona a imparcialidade do ex-juiz. Em reação ao agendamento feito de última hora pelo mestre de cerimônias do cirquinho, Fachin solicitou o adiamento da discussão até o plenário decidir se a análise sobre a suspeição de Moro tem ou não validade depois da decisão dada na véspera. Assim o julgamento do recurso será realizado mesmo com a anulação de todas as decisões tomadas pela 13ª Vara nas ações contra Lula. Na visão de Fachin, o deslocamento de competência do processo para a JF do DF evitaria a anulação dos inquéritos, interceptações e quebras de sigilo feitas pela força-tarefa paranaense da operação Lava-Jato, facilitando uma possível nova condenação de Lula em menos tempo, já que os depoimentos de testemunhas e documentos comprobatórios poderiam ser aproveitados — a depender da decisão do novo (ou novos) juiz responsável pelos processos na Justiça de Brasília. Caso Moro seja declarado suspeito, todas as provas colhidas contra Lula na 13ª Vara de Curitiba ficarão anuladas.

Atualização 2O ministro Kassio Nunes Marques pediu vista do processo, alegando com que, na condição de novato na Corte, nunca analisou o caso e precisa de mais tempo para formar seu juízo. Mas sugeriu a seus pares que, querendo, adiantem seus votos. Gilmar Mendes votou por considerar Moro parcial e anular a condenação e todos os atos processuais do caso do tríplex do Guarujá, no que foi seguido pelo petista que vestiu a toga sem despir a farda de militante. Em se mantendo o entendimento expresso anteriormente por Fachin e Cármen Lúcia (pela rejeição da suspeição de Moro), o voto de desempate caberá ao novato da Corte. Detalhe: após a manifestação de Nunes Marques, Cármen Lúcia sinalizou que pretende se pronunciar novamente (até o encerramento de um julgamento, os ministros podem alterar seus votos). Façam suas apostas.