Com brocardos de sabedoria como “médio tutissimus ibis” e “in medio stat virtus”, os antigos romanos recomendavam evitar os extremos e caminhar com segurança pelo meio. Mas de que adiantam os ensinamentos se não aprendemos com eles?
A dicotomia político-ideológica — semeada pela caterva petista e seu sumo pontífice, estrumada pela soberba de um tucanato decadente e fermentada pela bile regurgitada por uma récua de muares que endeusa um “mito” de araque — demonstra à saciedade quão nefasto é o fanatismo.
A cizânia se espalhou país afora como metástase, infectando, inclusive, os três pilares da Democracia e o quarto poder, que perdeu o selo de confiabilidade e se tornou refém da radicalização.
Em toda guerra, a primeira vítima é sempre a Verdade, e nesse dissenso político-ideológico não é diferente: a Verdade feneceu quando narrativas se sobrepuseram a fatos e pereceu quando extremistas extremados se arrogaram o direito aos próprios fatos.
A polarização transformou adversários políticos em inimigos figadais, e o conflito — saudável, porquanto visa ao consenso — deu lugar ao confronto — nefasto, da feita que busca o extermínio do inimigo.
Em suma: cavou-se um fosso tão profundo que a construção de pontes escoradas no bom senso tornou-se virtualmente impossível. Dito isso, passo a palavra ao ilustre jornalista Ricardo Noblat:
“No planeta Terra não tem governo que se sustente com 300
mil mortos por uma pandemia. Parte da culpa lhe será naturalmente atribuída,
tanto mais quando se trata de um governo que fez por merecê-la. É esse o
destino manifesto do presidente Jair
Bolsonaro sugerido desde já pelas pesquisas de opinião pública.
‘A mais recente delas, revelada pela revista EXAME, é do instituto Ideia Big Data, que ouviu 1.255 pessoas entre os últimos dias 22 e 24 de
março. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos. A
desaprovação do governo Bolsonaro
chegou à marca de 49%, a pior desde junho passado (54%).
‘Se antes era de 30% a porcentagem dos que consideravam Bolsonaro um líder ótimo ou bom, agora
é de 25%. Com atraso, as pessoas finalmente começam a dar-se conta da dimensão
da tragédia que se abateu sobre o país e de que tudo ou quase tudo dito por Bolsonaro a respeito não passou de
mentiras.
‘Não, não era uma gripezinha ou resfriadinho. Não, a
cloroquina e outras drogas não funcionam contra o vírus. Não, não se pode
separar a salvação da economia da salvação de vidas. Vidas em primeiro lugar
porque, sem elas, não haverá economia robusta. Não, a pandemia não estava no
seu finalzinho em dezembro.
Para 77% dos entrevistados, a aplicação das vacinas está
atrasada. Nesse quesito houve um avanço de 10 pontos percentuais em comparação
ao registrado na pesquisa de 15 de janeiro último. 52% dos brasileiros vão
pedir o novo auxílio emergencial – mas desses, 69% acham que menos de 600 reais
é muito pouco.
‘Entre os dias 12 e 16 deste mês, o instituto Paraná Pesquisas ouviu 2.334 pessoas.
Segundo a revista VEJA, 80,4%
admitiram que a pandemia dura mais do que imaginavam, e 73,4% que o número de
mortos é maior do que o esperado. O medo de perder alguém querido para a doença
atinge 48%, com viés de alta.
‘Pela primeira vez, 20% dos brasileiros atribuem o
cenário crítico da pandemia a todos os políticos com cargos eletivos (o índice
era de 6% em maio de 2020). Também cresceu a responsabilização de Bolsonaro
pelo descontrole da doença. O porcentual é de 29,4%, muito superior aos 11,2%
que culpam os governadores.
‘Dá para dizer que o presidente desperdiçou as chances de
virar o jogo na pandemia? Dá, sim, e agora, enfraquecido, corre atrás do
prejuízo. O vírus matou até ontem 307.326 pessoas. É mais que o total de
soldados do Exército (235 mil) e próximo do total de 335 mil militares da ativa
do Exército, Marinha e Aeronáutica.”
Convicções político-ideológicas à parte, não há como
discordar. Vejamos agora o que disse Ricardo
Rangel:
“Bolsonaro
anunciou a criação de um comitê anti-Covid. O comitê fracassou já em sua
primeira reunião.
‘Bolsonaro
vetou a presença dos governadores de quem não gosta, fez propaganda de
“tratamento precoce”, insistiu em se colocar contra o isolamento social. “De
onde menos se espera, daí mesmo é que não sai nada”, explicaria o Barão de Itararé aos presidentes da
Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco.
‘A frustração de Lira
se revelou em um duro discurso, com clara ameaça de impeachment se o presidente
não mudar de atitude e não parar de fazer besteira. Se Bolsonaro entendesse a situação em que está, pararia de falar
contra o isolamento e a favor de em “tratamento precoce”.
‘Já Pacheco,
que tem na gaveta um pedido de CPI da Saúde pronto para ser aprovado, foi
desrespeitado pelo assessor presidencial Filipe
Martins, que fez um gesto que tanto pode ser obsceno como um símbolo da
supremacia branca. A provocação enfureceu os senadores. A esta altura, é certo
que já tem novas assinaturas. Se a CPI for instalada, e for feita a sério, de
seu relatório constarão vários crimes de responsabilidade cometidos pelo
presidente da República. A pressão sobre o presidente da Câmara para botar
votar o impeachment — com o qual Lira
havia ameaçado Bolsonaro no mesmo
dia — se tornará praticamente irresistível. Se Bolsonaro entendesse a situação em que está, teria demitido Martins imediatamente.
‘Mas Bolsonaro
não entende a situação em que está. Bolsonaro
não ouve, não entende, não pensa, não aprende… e não muda. O próprio Mandetta explicou, logo após ser demitido.
“Você vai lá de manhã, conversa, explica, ele entende, concorda. Quando chega
de tarde, ele dá uma declaração dizendo tudo ao contrário do que combinou”.
Nas próximas semanas, tudo seguirá como antes: o número
de mortes crescerá explosivamente, a vacinação prosseguirá lentamente, e Bolsonaro continuará sendo exatamente
quem sempre foi.
‘Lira e
Pacheco precisam decidir se farão
algo de concreto a respeito ou se vão ficar nas ameaças e nos enfurecimentos
enquanto os corpos se empilham.”
Também não vejo como contestar. Encerro com um texto lapidar
(como sempre) de Dora Kramer:
“O presidente da Câmara, não poderia ser mais claro: ou o
presidente da República toma jeito ou não dará mais para segurar a instalação
de uma CPI para apurar os desmandos no trato da pandemia e, no limite, a
abertura de um processo de impeachment.
‘Falou disso quando aludiu aos “remédios políticos
amargos” com “efeitos fatais” disponíveis no Poder Legislativo no “alerta
amarelo” que fez, com jeito de ultimato a Jair
Bolsonaro que, se estiver com seu instinto de sobrevivência em dia, deve
enxergar uma luz vermelha.
‘Lira
falou com respaldo. De congressistas de governo e de oposição, do Judiciário,
de entidades civis e até do PIB que mais recentemente decidiu sair da toca.
Criou em dois meses uma situação politicamente difícil para o presidente Bolsonaro, que o antecessor Rodrigo Maia não conseguiu em dois
anos.
‘A dificuldade do Planalto é como reagir. Não pode
atribuir as declarações a ofensivas de adversários eleitorais nem se arriscar a
dar respostas agressivas, pois está lidando com o expoente máximo de sua base
de apoio congressual.
‘A saída por ora é o presidente se fazer de desentendido
e mandar seus interlocutores palacianos dizerem que o recado de Lira teve como referência exclusiva a
pressão pela demissão do chanceler Ernesto
Araújo, cujo passaporte de saída parece carimbado.
‘Bolsonaro
pode interpretar como quiser, mas a fatura apresentada pelo presidente da
Câmara é bem mais ampla e mostra ao chefe da nação que não é possível fazer
tudo errado e esperar que dê certo no final.”
Assino embaixo.