No jargão publicitário, o termo “slogan” designa uma frase concisa e de fácil memorização que sintetiza as virtudes de algo ou alguém. No âmbito da política, o candidato a presidente Artur Bernardes, por exemplo, foi alcunhado de “Seu Mé”; mais adiante, Adhemar de Barros popularizou o “rouba, mas faz” (que Paulo Maluf aprimorou tempos depois), e o demiurgo de Garanhuns disputou a presidência quatro vezes ao som do jingle enjoadinho “Lula lá”.
São Paulo já foi “terra da garoa”, “locomotiva do Brasil”, “cidade
que se humaniza” e “cidade que não
pode parar” — entre outros, e não necessariamente nessa ordem. A BandNews FM, que criou o bordão “em
20 minutos tudo pode mudar”, alterou-o há alguns anos para “em um segundo tudo pode
mudar”.
Bolsonaro foi sagrado
“mito” pelos bolsomínions — camarilha de
boçais que veem o Messias que não
miracula como um enviado de Deus,
um salvador da Pátria —, embora sua
desditosa gestão, que piora a cada dia, demonstre claramente que ele não passa
de um mitômano populista com pitadas de psicopatia e sem envergadura para
exercer o cargo que ocupa. Em abril do ano passado, quando o Brasil contabilizava
87 mil infectados e 6 mil mortos pela
Covid — uma “gripezinha”, na
abalizada opinião de nosso presidente —, o jornal norte-americano The Washington Post concedeu-lhe a
láurea de pior
líder mundial no combate à pandemia.
Hoje, com mais de
12 milhões de infectados e 303,5 mil vítimas fatais da pandemia, não
espanta que muitos chamem Bolsonaro de “genocida”, ou que o denunciem ao Tribunal Penal Internacional, em Haia,
por crimes
contra a humanidade e genocídio — como fez uma coalizão que representa
mais de um milhão de trabalhadores da saúde no Brasil, apoiada por entidades
internacionais.
No texto original da convenção da ONU para a prevenção e a repressão do genocídio, cujo conteúdo adquiriu status de emenda constitucional no Brasil durante o governo Vargas, o termo genocídio designa atos que tenham por objetivo destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Partindo dessa premissa e sabendo que o tratado internacional estabelece punição tanto para quem pratica o genocídio quanto para quem o incentiva, o capitão-cloroquina poderia ser chamado de genocida quando convocou sua horda de apoiadores a "fuzilar a petralhada" (por se tratar de um grupo específico), mas não agora, em relação à pandemia.
O ódio historicamente destilado por ele contra
determinados segmentos da população também poderia ensejar essa acusação,
sobretudo levando em conta seu apoio à
tortura e o arraigado desejo de ver a democracia brasileira substituída por uma
guerra-civil, "matando
uns 30 mil, começando pelo FHC".
Gilmar Mendes, Kin
Kataguiri, Lula, Haddad
e Felipe
Neto, entre outros, já chamaram Bolsonaro
de genocida. O ex-decano supremo Celso
de Mello chegou mesmo a compará-lo
a Hitler. Mas no Brasil de Bolsonaro
é proibido chamar Bolsonaro de
genocida. Tanto é assim que uma porção de gente vem sendo processada, presa ou
intimidada por verbalizar que a política de saúde do capitão é “genocida”.
Bolsonaro assumiu
em diversos momentos o avatar de garoto-propaganda
da cloroquina, desdenhou o uso das máscaras (que se recusa a usar e
instiga seus devotos a imitá-lo), promoveu e estimulou aglomerações,
chamou de covardes
aqueles que atenderam aos apelos da ciência e respeitaram o isolamento social, classificou de “frescura
e mimimi” a preocupação com o vírus e continua defendendo um tratamento
precoce que não existe. Mas não pode ser chamado de genocida.
Bolsonaro demorou a se conscientizar da necessidade de imunizar a população e auxiliar financeiramente os mais necessitados, enquanto sua claque amestrada faz coro, ofende, ameaça, destila ódio e zomba de quem está se desdobrando para tentar conter a pandemia. Mas não pode ser chamado de genocida.
Bolsonaro penabundou Mandetta do comando da Saúde — porque o ortopedista que seguia a
ciência “estava se achando estrela” — e
forçou a demissão de Teich — porque o
oncologista se recusou chancelar o uso de medicamentos perigosos — para nomear
o general-interventor Eduardo “um
manda e o outro obedece” Pazuello, a quem incumbiu da missão de
transformar a Saúde em cabide de farda. Mas
não pode ser chamado de genocida.
Sob as ordens do capitão, o general Pesadelo deixou caducar sete milhões de testes RT-PCR num depósito federal em Guarulhos, manipulou os números de infectados e mortos pela Covid, falhou na compra de seringas e agulhas, deixou faltar oxigênio nos hospitais de Manaus enquanto distribuía “kits-covid para “tratamento preventivo”, disse que a Pfizer ofereceu apenas 9 milhões de doses da vacina (quando na verdade foram 70 milhões) e — a cereja do bolo —, perguntado pela imprensa sobre o cronograma da imunização, disse que o povo começaria a ser vacinado no dia D e na hora H. E nem ele nem seu chefe podem ser chamados de genocida.
Pazuello questionou o motivo de “tanta ansiedade, tanta angústia” ,
além de mandar
para o Amapá as doses do imunizante destinado a Manaus. Mas Bolsonaro — que não pode ser chamado de genocida — manteve o subordinado incompetente no cargo. Quando viu que não
era mais possível evitar sua substituição, desconvidou a cardiologista Ludhmilla
Hajjar (indicada pelo réu que ora preside a Câmara Federal) e nomeou Marcelo Queiroga (que tem tudo para ser
outro Pazuello) porque a médica
disse à GloboNews que defendia
medidas de isolamento social e prioridade à negociação de vacinas. Mesmo assim, Bolsonaro não pode ser chamado de genocida.
Bolsonaro se
negou a comprar vacinas em agosto. Fez campanha contra a vacinação. Recusou-se
a se vacinar. Pressionou a Anvisa
para negar registro à Coronavac. Tentou
impedir o Butantan de fornecer o imunizante
diretamente para os estados. Simulou falta de ar, debochando dos doentes, e
entrou com uma ação no STF para
impedir governadores de tomar medidas que salvarão vidas. Mas não pode ser chamado de genocida.
Talvez seja o caso de entendermos de uma vez por todas que somos de fato (des)governados por um verdadeiro genocida, que não relutou em transformar todo o país num grupo a ser perseguido, exterminado, aniquilado com requintes de crueldade. Sem mimimi. Por outro lado, a despeito de tudo o que foi dito até aqui, quem chamar o presidente de genocida corre o risco de ser processado por crime contra a honra.
Bolsonaro,
como se sabe, é um homem honrado. Mas se fosse preciso escolher um único
adjetivo para definir seu comportamento, não sobra nada além de… Genocida.