sábado, 20 de março de 2021

O PRESIDENTE MANDA, O MINISTRO OBEDECE, OS BRASILEIROS MORREM



A nova rodada de pesquisas do Datafolha revela que o índice de 30% daqueles que avaliam positivamente o desgoverno do despresidente subiu no telhado. Análise mais aprofundada dos números mostra que os fiéis a qualquer custo, também conhecidos como “núcleo duro de admiradores”, ficam em torno de 15%.

Sempre tive ressalvas em relação a estatísticas e, por extensão, a pesquisas de intenção de voto. Sobre estatísticas, respaldo minhas suspeitas na situação supostamente confortável de alguém com a cabeça no forno e os pés no freezer; sobre as pesquisas, basta comparar as previsões dos institutos com o resultado das urnas.

Datafolha, Ibope, Paraná Pesquisas e afins utilizam critérios científicos e dados fornecidos pelo IBGE, TSE etc. para definir uma “amostra” da população que represente fielmente o todo, visando obter a eficiência pretendida a partir do menor número possível de entrevistas. O detalhe — e o diabo mora nos detalhes — é que, como dizia Magalhães Pinto, "a política é como nuvens no céu; a gente olha e elas estão de um jeito, então olha de novo e elas já mudaram".

Na melhor das hipóteses, essas abordagens representam num “instantâneo” do humor do eleitorado num determinado momento. E isso se presumirmos que que a opinião de uns poucos milhares de entrevistados espelhe o que pensam mais de 200 milhões de brasileiros — não sei ao certo quantos, já que raciocinar não é o esporte preferido dos tupiniquins, mas imagina que, se a maioria se desse ao trabalho de pensar, imagens do ex-presidiário, da ex-gerentona de araque, do ex-vampiro do jaburu e da tragédia anunciada que ora despreside o país não estariam penduradas na galeria dos presidentes.

Bolsonaro está colhendo o que plantou, pagando a conta pelos desmandos em série que cometeu antes e, principalmente, durante a pandemia: 56% não o veem como líder, 54% repudiam sua gestão na crise sanitária, 44% desaprovam o seu governo e 43% o consideram culpado pela tragédia que assola o Brasil. Nem o truque de tentar transferir a responsabilidade para os governadores deu certo: só 17% acham que a culpa é deles. No governo, avalia-se que não há muito a fazer para reverter a situação desfavorável, a não ser investir na vacinação em massa e apostar que bons resultados tenham o condão de levar parte da população a dar ao capitão-frustração o benefício do esquecimento.

Quem semeia ventos colhe tempestades, e presidente que menospreza pandemia assume o ônus da impopularidade. Na avaliação de Eliane Cantanhede, analista política da Globo News, “O Brasil vive uma catástrofe sem precedentes com a pandemia e o presidente, numa profunda e drástica relação de causa e efeito, passa por seu pior momento — o melhor índice do Ministério da Saúde no combate à pandemia, de 76%, foi registrado quando o então ministro Luiz Henrique Mandetta traçava estratégias, tomava providências efetivas e mantinha a população rigorosamente informada.”

Assim como nunca admitiu a gravidade da pandemia, Bolsonaro parece não compreender que somente se ajudar a combater é imprescindível para mitigar os danos na economia, na renda e nos empregos, e que o sucesso de Mandetta e da Saúde seria seu passaporte para a reeleição. Ao demitir a ciência, desdenhar da pandemia e militarizar o Ministério da Saúde, obteve como resultado o aumento exponencial de infecções e mortes, que vêm batendo recordes dia sim, outro também. Sem falar que faltam vacinas para o plano de imunização nacional, leitos de UTI, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas para fazer frente à demanda. Há ainda o desemprego, a estagnação da economia, a pressão do preço dos alimentos e dos combustíveis na inflação e o primeiro aumento (de 0.75 ponto percentual) na Selic depois de seis anos de reduções sucessiva. O efeito dessa combinação de descalabros no humor da população resultará em perda de votos nas eleições de 2022 (se é que sua excelência permanecerá no cargo até lá).

Bolsonaro transformou o Brasil num pária e os brasileiros em ameaça mundial, mas parece não perceber a relação direta entre o terreno daninho que cultiva em torno de si e a possibilidade de realizar seu prioritário plano de conquistar um segundo mandato. Por mais que as recentes pesquisas mostrem um aumento significativo de sua reprovação como governante, ele ainda não deu sinais claros de que compreende o tamanho do buraco no qual entra cada vez mais fundo, e segue achando que a resistência de 30% de adoradores basta para lhe assegurar vaga no segundo turno do pleito de 2022.

O presidente também não percebeu que quanto mais se pode, mais é preciso ter cuidado para não ultrapassar limites — seja o da institucionalidade, seja o da paciência humana. Se abandonar o viés persecutório e olhar em volta, ele verá o tamanho do passivo de prejuízos que contratou. Não é à toa que a maioria dos governadores se posiciona contra seus atos e palavras, não havendo um só que se poste ao seu lado. E isso a despeito da dependência dos estados em relação ao governo federal. É uma atmosfera de autonomia política fadada a repercutir no processo eleitoral. O universo político dá sempre o seu jeito na direção de melhores ventos. Conseguirá o capitão produzir o favoritismo necessário para repetir a atração de 2018? The answer, my friends, is blowing in the wind.

Mesmo tendo reconhecido publicamente seu "caso de amor à primeira vista” com o ministro João Otávio de Noronha, seu primogênito, Flávio “Rachadinha”, amargou duas derrotas nas últimas semanas, e ele próprio se vê forçado a lutar pela sobrevivência: embora não seja capaz de agir contra a própria natureza e continue negacionista e falando as asnices de sempre, acabou sucumbindo à pressão e se resignando a mostrar a saída ao general pesadelo, de quem vinha se servindo para tirar castanhas com a mão do gato. Mas não nos iludamos. O que aconteceu não passou de uma “troca de guarda”, pois o comando continua o mesmo. Prova disso é fato de o cardiologista Marcelo Queiroga ter deixado claro que está disposto a rezar pela cartilha do “um manda, o outro obedece”.

Para Bolsonaro, o novo ministro é “muito mais entendido na questão de saúde e vai fazer outros programas que interessam cada vez mais para diminuirmos o número de pessoas que venham a entrar em óbito por ocasião dessa doença, que se abateu sobre o mundo todo”. Mas vale lembrar que Mandetta e Teich eram médicos como Queiroga e também “muito mais entendidos na questão da saúde”. Mesmo assim, o presidente os chutou porta afora e nomeou o general interventor — talvez porque, antes, era preciso ter à frente da pasta um entendido na questão da logística. E Pazuello satisfazia plenamente esse requisito, tanto que esqueceu sete milhões de testes (que caducaram) num galpão; deixou de comprar seringas, agulhas e vacinas; ignorou o aviso de que ia faltar oxigênio em Manaus; enviou para o Amapá as doses de imunizante que eram para o Amazonas.

Bolsonaro acha (ou diz achar) que “o trabalho do Pazuello está muito bem-feito; a parte de gestão foi muito bem por ele. E agora vamos partir para uma parte mais agressiva no tocante ao combate ao vírus”, e conclui confirmando o que já sabíamos: “Queiroga tem tudo para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento a tudo o que o Pazuello fez até hoje”. Em suma: Bolsonaro continuará mandando, o ministro da Saúde continuará obedecendo e os brasileiros continuarão morrendo.

O Brasil contabiliza quase 300 mil mortes pela Covid. O sistema de saúde está à beira do colapso. O desemprego campeia solto, o dólar disparou, a inflação voltou, os combustíveis dobraram de preço e a Selic subiu, enquanto o presidente cai nas pesquisas, os parlamentares falam em CPI e o ex-presidiário Lula bafeja no cangote do capitão sem noção. As conversas do centro com a esquerda esquentam, o senador Major Olímpio, morto nesta quinta pela “gripezinha” do capitão, fortalece o bolsonarismo arrependido à direita, mas nada é tão devastador contra Bolsonaro do que o próprio Bolsonaro.