sexta-feira, 26 de março de 2021

O REI MOMO E A COLOMBINA (FINAL)


Antes de anular as condenações de Lula, o ministro Fachin rejeitou ao menos 10 vezes retirar da Lava-Jato de Curitiba investigações sem relação com a Petrobras. Em 2017, por exemplo, ele enviou à 13ª Vara Federal de Curitiba  trechos da delação da JBS que mencionavam Lula e Mantega, além de ter votado a favor de manter sob o âmbito da força-tarefa casos que envolveram, por exemplo, Eduardo Cunha, André Esteves, Guido Mantega e Geddel Vieira Lima (e na maioria das vezes foi voto vencido, mas até aí morreu o Neves). 

No último dia 8, o eminente relator da Lava-Jato no STF reconheceu a incompetência do juízo de Curitiba para julgar as ações criminais contra Lula e declarou a perda de objeto dos demais pedidos da defesa do ex-presidiário (visando, supostamente, salvar a pele de Sérgio Moro e o legado da Lava-Jato). 

Gilmar Mendes amo e senhor dos togados supremos e presidente de turno da 2ª Turma —, não se fez de rogado, enquanto o diabo coçava um olho, pautou a retomada do julgamento (que teve início em dezembro de 2018 e foi por um pedido de vista feito do próprio Gilmar, que farejou a derrota quando Cármen Lúcia acompanhou o voto do relator). 

Fachin não só propôs o adiamento como chegou a recorrer ao presidente da Corte, mas o semideus togado não arredou pé.  O julgamento foi retomado no último dia 9 e novamente interrompido por um pedido de vista do ministro Kássio Nunes Marques, que alegou precisar de mais tempo para examinar para formar seu juízo. 

Observação: Embora tenha “chocado” o processo por mais de 2 anos, Gilmar não sossegou enquanto o colega não devolveu os autos e ele pode pautar a retomada do julgamento. E depois acusam Moro de parcialidade, de se ter balizado por interesses pessoais, de tramar com Dallagnol a condenação de um ex-presidente corrupto com a "nítida" intenção de vir a fazer parte de um governo que, àquela época, ninguém, nem mesmo o messias que não miracula, podia sonhar que viria a existir. 

Com a anulação das ações contra Lula em Curitiba, todos os atos processuais — inclusive a miríade de recursos que a defesa do réu apresentou — restaram igualmente nulos. Assim, a única solução sensata seria julgar a suspeição de Moro depois de o plenário do Supremo se posicionar acerca da controvertida decisão monocrática do relator da Lava-Jato (o julgamento está marcado para 14 de abril). 

Mas Gilmar tinha pressa — talvez porque quisesse passar a mensagem de que, no Brasil de hoje, o crime não compensa, pois nossa mais alta Corte é composta por magistrados virtuosos, sempre prontos a defender a Constituição e empenhados em punir políticos corruptos e outros criminosos de forma célere e exemplar. Pausa para as gargalhadas.

Na última terça-feira a parcialidade de Moro restou reconhecida por 3 votos a 2 — o que não só constitui enorme injustiça contra o ex-juiz e a Lava-Jato como abre um perigoso precedente que pode prejudicar seriamente o combate à corrupção no Brasil —, mas o que mais chamou a atenção foram os votos de Nunes Marques e Cármen Lúcia

O primeiro surpreendeu a todos ao rejeitar a tese da suspeição. Entender-se de forma diversa, que resultado de tais crimes seriam utilizáveis, seria uma forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil , disse, despertando a ira de Gilmar, que, como se sabe, não admite ser contrariado.  Aos berros, o ilustre presidente da Turma vituperou: Nada de conversa fiada, coisa de hackers. Estamos falando de coisas que estão nos autos. O Tribunal de Curitiba é conhecido mundialmente como um tribunal de exceção. Enche-nos de vergonha. A desmoralização da Justiça já ocorreu.

Cármen Lúcia surpreendeu menos por ter virado a casaca — já que havia sinalizado essa intenção no último dia 9 — e mais pela justificativa, já que os “novos elementos” que, segundo ela, embasaram sua decisão já eram de seu conhecimento em 2018, o que nos leva a pergunta de 1 milhão de dólares: teria a ministra sido cooptada por Gilmar ou influenciada pela Vaza-Jato de Verdevaldo das CouvesThe answer, my friends, is blowing in the wind. Mas não restam dúvidas de que a decisão que ela tomou na última terça-feira manchou indelevelmente seu legado.

Nunes Marques embasou sua decisão no fato de os supostos diálogos entre o ex-juiz e aos procuradores terem sido obtidos ilegalmente e, em tese, não servirem como prova. Mas há um entendimento segundo o qual provas ilícitas podem ser usadas quando servem para beneficiar o réu. Assim, teria sido melhor se ele tivesse defendido a imprestabilidade das mensagens não porque elas foram obtidas ilegalmente, mas porque sua autenticidade jamais foi comprovada, e aí, sim, apontar todas as incoerências e falácias da defesa do ex-presidiário, que desde sempre buscou atribuir a aura de parcialidade a atos do ex-juiz que são no mínimo defensáveis do ponto de vista processual, seja porque explicitamente amparados pela lei, seja porque dentro da margem de discricionariedade concedida ao juiz em questões passíveis de interpretação.

Quando o voto de Nunes Marques formou maioria contra a concessão do HC (até então, Cármen não havia mudado o seu), caberia ao presidente da Turam indagar se alguém mais tinha algo a acrescentar e então proclamar o resultado. Em vez disso, Gilmar passou horas reafirmando o que já havia dito em seu voto do dia 9, manifestando sua insatisfação com o desfecho que não lhe agradava, repetindo clichês — como a comparação da Lava-Jato com o totalitarismo soviético e a Stasi alemã-oriental — e relendo as supostas mensagens que ele mesmo dizia não serem necessárias para comprovar a parcialidade de Moro.

Observação: Reconhecida a suspeição de Moro, o juiz Antonio Bonat, atual titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, suspendeu a remessa dos autos referentes à sede do Instituto Lula e a doações ao mesmo instituto até ser comunicado formalmente do decidido pela 2ª Turma do STF (os processos que versam sobre o tríplex no Guarujá e o sítio em Atibaia têm recursos sub judice nas cortes superiores e ainda não baixaram à vara de origem). Na manhã de ontem, dada a comunicação do decidido no caso da suspeição, o magistrado concluiu ser desnecessária a interrupção da remessa dos autos, pois ausente prejuízo. "Assim, para que não subsistam dúvidas, despacharei diretamente nos processos em que foram decretadas medidas assecuratórias patrimoniais, tão somente para determinar as providências materiais necessárias à efetivação do decidido pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 164.493", afirmou Bonat. A ação sobre a sede do Instituto Lula não será remetida ainda, porque, segundo o juiz, uma decisão de Lewandowski em uma reclamação impediria o envio.

Fachin, em sua irretocável intervenção final, reforçou vários argumentos contra a suspeição e fez questão de demonstrar de forma cristalina que, à exceção das supostas mensagens, não havia nenhuma informação que já não estivesse presente quando a defesa de Lula impetrou o habeas corpus, no fim de 2018. Já Gilmar — a quem o impagável Augusto Nunes apelidou de Maritaca de Diamantino — vociferou em seu solilóquio que “cada um passará à história com o seu papel”. Pelo menos nisso ele tem razão. Sua atuação sistemática na desconstrução da Lava-Jato já deixou claro como ele passará à história.

Com Gazeta do Povo