O STF reparou uma injustiça histórica. De fato, havia um erro na questão da competência para julgar o ex-presidente corrupto. Todo mundo sabe que ele só poderia ser julgado numa vara onde houvesse um juiz “cumpanhêro” disposto a atestar sua idoneidade. Mas não foi isso que aconteceu na 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba.
Lula foi condenado por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro (duas vezes) porque o judiciário de primeira, segunda e de
terceira instância estava muito mal equipado, sem um único juiz amigo que
pudesse compreender a complexidade do benemérito que assaltou o povo sem querer
prejudicar ninguém — ao menos uma fração dos quase R$ 5 bilhões devolvidos
pela quadrilha do Petrolão poderia ter sido usada para comprar um pouco
mais de compreensão.
A comprovada atuação
ilegal desse esquema para além do Brasil rendeu vultosos lucros. Empresas tupiniquins
corromperam políticos e autoridades públicas em diversos países da América
Latina (Colômbia, Chile, Peru, Equador, Panama, Venezuela, El Salvador,
República Dominicana, Antígua e Bermudas, México) e dois da África (Angola e
Moçambique), além de interferir em processos eleitorais.
No último dia 15, m
CEO da principal indústria petroquímica brasileira firmou um acordo penal no
Tribunal Federal de Nova York — sim, Nova York — por pagamento de suborno feito
a um empregado da Petrobras no Brasil — sim, no Brasil. No Peru, o presidente
em exercício e todos os ex-presidentes foram alcançados pela Lava-Jato de lá, com base em elementos probatórios produzidos aqui. Na França o
ex-premiê Sarkozy foi condenado por corrupção. É assim que
funciona no mundo evoluído!
Aqui, porém, a banda
toca diferente. Enquanto a força-tarefa alcançava um determinado grupo de
poder, aplausos aos montes. Quando a investigação (e investigação é isso, o
desenrolar de um novelo) ampliou o espectro, as reações começaram. Ali pode, no
meu quintal não. Para livrar os meus, livremos todos.
Da feita que contra fatos
não há argumentos, criam-se nulidades e narrativas variadas, inclusive
espionagem. A materialidade dos crimes ninguém fala, no entanto, ninguém nega.
Todo mundo finge que não vê. Pacto do silêncio condescendente!
A Lava-Jato pode ter cometido erros, mas isso não anula os graves fatos apurados. Consequências
políticas não podem ser lançadas na conta a operação, pois o problema no Brasil
foi — e é — a corrupção e não o seu combate. Verba pública deve ser canalizada
para saúde, educação e segurança, não para bolso
de corrupto!. Durante
o julgamento da suspeição de Moro, o ministro Ricardo Lewandowski, incomodado com o voto de Luís
Roberto Barroso, buscou rebater o
colega afirmando que a operação causou mais prejuízos à economia (142,6 bilhões,
segundo o eminente magistrado) do que o valor supostamente desviado pela
corrupção (a propósito, a última terça-feira (27) foi o Dia
Mundial da Anta).
Existe uma teoria —
chamada de “race to the
bottom”, nivelamento por baixo, teoria da competição
regulatória etc. — segundo a qual a corrupção seria a graxa na roda da
economia. Trata-se de uma falácia que não é lavada a sério nenhum lugar
evoluído do planeta, mas nem por isso deixa de ser esgrimida nesta banânia, quando
convém aos oportunistas de ocasião. No mundo real, onde os fatos são fatos, e
não versões deturpadas por narrativas que visam engabelar ouvintes e
espectadores (como as que certo presidente perora para certa récua de miquinhos
amestrados em certo chiqueirinho, defronte ao Palácio da Alvorada), a corrupção
agride de forma escancarada a livre concorrência, o desenvolvimento social, o
desenvolvimento tecnológico, a eficiência econômica e a política, além de
degradar a democracia.
Voltando ao “suspeitíssimo”
Sergio Moro — talvez a único virtual candidato capaz derrotar
tanto o mito dos bolsomínions quanto o bocório da patuleia vermelha —, a vara
de Curitiba só podia julgar processos relacionados à Petrobras. A OAS ganhou de Lula contratos fraudulentos
com a estatal petrolífera e pagou a ele e seu bando propinas oriundas do caixa
de corrupção da empreiteira, mas não tinha nenhum azulejo do triplex do Guarujá
com o carimbo “Obrigado, Lula,
pela grana que nós roubamos juntos da Petrobras”. Ou seja: uma coisa é você roubar honestamente a maior empresa pública
do país porque você tem o legítimo desejo de ficar rico que nem os seus
comparsas; outra coisa muito diferente é a Justiça querer adivinhar o que foi
propina decorrente da negociata e o que foi só um presentinho do seu amigo
empreiteiro porque ele gosta de você. Obviamente isso é questão de foro íntimo,
e a 13ª Vara de Curitiba vai ter que responder por invasão de
privacidade.
O que o STF fez ao inocentar Lula foi mostrar que o grande erro da operação Lava-Jato foi não saber com quem estava lidando. E não foi por falta de aviso. A
intelectualidade de cabresto, a burguesia decadente, as subcelebridades e a
bandidagem do bem alertaram desde sempre os homens da lei de que para Lula não há lei. E o escândalo do mensalão foi a prova cabal disso. José Dirceu acabou preso por montar um propinoduto entre empresas estatais e o PT para comprar deputados e outras bugigangas — e Lula saiu assobiando numa boa, porque o guerrilheiro de festim era seu braço
direito, mas nem todo mundo sabe o que o braço direito e sua mão boba fazem.
A Lava-Jato não quis entender isso. Recusou-se a obedecer a lei máxima nacional
segundo a qual roubar não é crime
se você é um picareta festejado por estrelas cadentes da MPB e por uma legião
de inocentes úteis e inúteis.
Perdeu, playboy. Ressuscitando sua lendária militância em favor de Dilma Rousseff, a musa dos intelectuais, o ministro Fachin sacou sua faquinha e
voilà: Adeus, roubalheira. Aí foi só correr para o abraço das togas
esvoaçantes, exuberantes como asas de urubu em perfeita coordenação para
envolver e proteger a carniça. Lula
livre!
Agora ninguém
segura. Se as eleições fossem hoje, assegura o instituto de pesquisas DataVenia, o molusco larápio seria eleito com 171% dos votos. E você tem duas
opções: arrumar um padrinho na cleptocracia ou se levantar daí e avisar que não
vão te assaltar de novo.
Com Guilherme Fiúza