quinta-feira, 29 de abril de 2021

A SUPREMA COMÉDIA (CONTINUAÇÃO)


O STF reparou uma injustiça histórica. De fato, havia um erro na questão da competência para julgar o ex-presidente corrupto. Todo mundo sabe que ele só poderia ser julgado numa vara onde houvesse um juiz “cumpanhêro” disposto a atestar sua idoneidade. Mas não foi isso que aconteceu na 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba.

Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro (duas vezes) porque o judiciário de primeira, segunda e de terceira instância estava muito mal equipado, sem um único juiz amigo que pudesse compreender a complexidade do benemérito que assaltou o povo sem querer prejudicar ninguém — ao menos uma fração dos quase R$ 5 bilhões devolvidos pela quadrilha do Petrolão poderia ter sido usada para comprar um pouco mais de compreensão.

A comprovada atuação ilegal desse esquema para além do Brasil rendeu vultosos lucros. Empresas tupiniquins corromperam políticos e autoridades públicas em diversos países da América Latina (Colômbia, Chile, Peru, Equador, Panama, Venezuela, El Salvador, República Dominicana, Antígua e Bermudas, México) e dois da África (Angola e Moçambique), além de interferir em processos eleitorais.

No último dia 15, m CEO da principal indústria petroquímica brasileira firmou um acordo penal no Tribunal Federal de Nova York — sim, Nova York — por pagamento de suborno feito a um empregado da Petrobras no Brasil — sim, no Brasil. No Peru, o presidente em exercício e todos os ex-presidentes foram alcançados pela Lava-Jato de lá, com base em elementos probatórios produzidos aqui. Na França o ex-premiê Sarkozy foi condenado por corrupção. É assim que funciona no mundo evoluído!

Aqui, porém, a banda toca diferente. Enquanto a força-tarefa alcançava um determinado grupo de poder, aplausos aos montes. Quando a investigação (e investigação é isso, o desenrolar de um novelo) ampliou o espectro, as reações começaram. Ali pode, no meu quintal não. Para livrar os meus, livremos todos.

Da feita que contra fatos não há argumentos, criam-se nulidades e narrativas variadas, inclusive espionagem. A materialidade dos crimes ninguém fala, no entanto, ninguém nega. Todo mundo finge que não vê. Pacto do silêncio condescendente!

A Lava-Jato pode ter cometido erros, mas isso não anula os graves fatos apurados. Consequências políticas não podem ser lançadas na conta a operação, pois o problema no Brasil foi — e é — a corrupção e não o seu combate. Verba pública deve ser canalizada para saúde, educação e segurança, não para bolso de corrupto!.  Durante o julgamento da suspeição de Moro, o ministro Ricardo Lewandowski, incomodado com o voto de Luís Roberto Barroso, buscou rebater o colega afirmando que a operação causou mais prejuízos à economia (142,6 bilhões, segundo o eminente magistrado) do que o valor supostamente desviado pela corrupção (a propósito, a última terça-feira (27) foi o Dia Mundial da Anta).

Existe uma teoria — chamada de race to the bottom,  nivelamento por baixo, teoria da competição regulatória etc. — segundo a qual a corrupção seria a graxa na roda da economia. Trata-se de uma falácia que não é lavada a sério nenhum lugar evoluído do planeta, mas nem por isso deixa de ser esgrimida nesta banânia, quando convém aos oportunistas de ocasião. No mundo real, onde os fatos são fatos, e não versões deturpadas por narrativas que visam engabelar ouvintes e espectadores (como as que certo presidente perora para certa récua de miquinhos amestrados em certo chiqueirinho, defronte ao Palácio da Alvorada), a corrupção agride de forma escancarada a livre concorrência, o desenvolvimento social, o desenvolvimento tecnológico, a eficiência econômica e a política, além de degradar a democracia.

Voltando ao “suspeitíssimo” Sergio Moro — talvez a único virtual candidato capaz derrotar tanto o mito dos bolsomínions quanto o bocório da patuleia vermelha —, a vara de Curitiba só podia julgar processos relacionados à Petrobras. A OAS ganhou de Lula contratos fraudulentos com a estatal petrolífera e pagou a ele e seu bando propinas oriundas do caixa de corrupção da empreiteira, mas não tinha nenhum azulejo do triplex do Guarujá com o carimbo “Obrigado, Lula, pela grana que nós roubamos juntos da Petrobras”. Ou seja: uma coisa é você roubar honestamente a maior empresa pública do país porque você tem o legítimo desejo de ficar rico que nem os seus comparsas; outra coisa muito diferente é a Justiça querer adivinhar o que foi propina decorrente da negociata e o que foi só um presentinho do seu amigo empreiteiro porque ele gosta de você. Obviamente isso é questão de foro íntimo, e a 13ª Vara de Curitiba vai ter que responder por invasão de privacidade.

O que o STF fez ao inocentar Lula foi mostrar que o grande erro da operação Lava-Jato foi não saber com quem estava lidando. E não foi por falta de aviso. A intelectualidade de cabresto, a burguesia decadente, as subcelebridades e a bandidagem do bem alertaram desde sempre os homens da lei de que para Lula não há lei. E o escândalo do mensalão foi a prova cabal disso. José Dirceu acabou preso por montar um propinoduto entre empresas estatais e o PT para comprar deputados e outras bugigangas — e Lula saiu assobiando numa boa, porque o guerrilheiro de festim era seu braço direito, mas nem todo mundo sabe o que o braço direito e sua mão boba fazem.

A Lava-Jato não quis entender isso. Recusou-se a obedecer a lei máxima nacional segundo a qual roubar não é crime se você é um picareta festejado por estrelas cadentes da MPB e por uma legião de inocentes úteis e inúteis. Perdeu, playboy. Ressuscitando sua lendária militância em favor de Dilma Rousseff, a musa dos intelectuais, o ministro Fachin sacou sua faquinha e voilà: Adeus, roubalheira. Aí foi só correr para o abraço das togas esvoaçantes, exuberantes como asas de urubu em perfeita coordenação para envolver e proteger a carniça. Lula livre!

Agora ninguém segura. Se as eleições fossem hoje, assegura o instituto de pesquisas DataVenia, o molusco larápio seria eleito com 171% dos votos. E você tem duas opções: arrumar um padrinho na cleptocracia ou se levantar daí e avisar que não vão te assaltar de novo.

Com Guilherme Fiúza