Na sessão da última quarta-feira, o plenário do STF se deu por competente (vencidos os
ministros Lewandowski e Marco Aurélio) para julgar o agravo
regimental interposto pela procuradoria contra a decisão monocrática de Fachin, que anulou as duas condenações
de Lula na 13ª Vara Federal de Curitiba (e os acórdãos do TRF-4 e do STJ) e
determinou a remessa de quatro processos (dois dos quais ainda estavam na fase
de instrução) para a Justiça Federal do
DF.
Assentado esse entendimento, Luiz Fux (que sucedeu ao Maquiavel
de Marília na presidência do colegiado e será sucedido por Rosa Weber em setembro de 2022)
suspendeu a sessão, deixando a discussão do mérito da estripulia fachiniana
e suas implicações na decisão da 2ª
Turma sobre a parcialidade do ex-juiz Sergio
Moro para a sessão seguinte, que talvez não seja suficiente para comportar a
facúndia dos togados (casos irremediáveis de paixonite pela própria voz) e a
leitura de seus votos intermináveis. Como estou redigindo esta postagem horas antes do início da sessão, não tenho como saber o resultado, mas farei um aditamento na manhã desta sexta-feira.
Observação: Somados,
os votos proferidos pelo colegiado a cada sessão perfazem, em média, 60 mil palavras, o que daria um livro
de mais de 200 páginas. É muita lenha queimada para pouca fumaça do
bom direito produzida.
Em atenção a quem não se deu conta do momento em que
vivemos, cumpre frisar que o julgamento em questão é eminentemente político. Outro detalhe digno de nota é que, embora o
STF seja uma corte constitucional e
seus membros, os “guardiões da Constituição”, o tribunal também funciona como
última instância do Judiciário — e única instância para políticos de alto
coturno, cujo cargo lhes dá direito a foro especial por prerrogativa de função.
Na prática, nossa suprema corte virou uma “curva de rio” que custa aos
contribuintes mais de R$ 1 bilhão por
ano. E basta adicionar a essa exorbitância os R$ 6 bilhões gastos anualmente para manter o STJ e o TST funcionando, os salários e mordomias dos políticos nas esferas
federal, estadual e municipal e o volume astronômico de dinheiro tragado pelo
ralo da corrupção para descobrir o porquê de não haver dinheiro para investir em
Saúde, Educação, Segurança etc., a despeito de os “contribuintes” pagarem
mais de R$ 3 trilhões por ano
em impostos. Mas isso é assunto para uma outra conversa.
O fato é que o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro está preocupando não só os petistas, mas também os criminalistas estrelados, que cobram seu peso em ouro para defender clientes endinheirados. Nesse caso, são dois os principais motivos, e nenhum deles tem a ver com o Estado Democrático de Direito, diz Merval Pereira em sua coluna n’ O Globo.
O primeiro é que eles querem aproveitar a suspeição de Moro para anular todos os processos julgados pelo ex-juiz (todos que resultaram na condenação de seus clientes, evidentemente), já que a Lava-Jato reduziu drasticamente sua margem de manobra para impedir, mediante a interposição de um sem-número de recursos e toda sorte de chicanas nitidamente protelatórias, a prisão da distintíssima clientela — formada majoritariamente por políticos de alto coturno e outros criminosos endinheirados.
O segundo é que uma parcela significativa dos profissionais do
Direito é formada por lulistas de quatro costados. Tanto que eles divulgaram
um manifesto afirmando que eleições
têm de ser decidas nas urnas, e não por “golpes jurídicos”.
O grupo “Prerrogativas”
— anotou Merval —, formado em sua
maioria por advogados criminalistas, considera-se dono da verdade jurídica, e
acha que aqueles que pensam de maneira diferente são incapazes de defender seus
pontos de vista sem interesses escusos. Em última análise, eles os únicos que
defendem o Estado Democrático de Direito;
os demais são meros golpistas, aí incluído o relator da Lava-Jato no Supremo,
ministro Edson Fachin.
Qualquer decisão do Supremo
que não obedeça aos ditames do grupo “Prerrogativas”
estará eivada de suspeição, pois os nobres causídicos querem não só a reserva
de mercado dos processos da Lava-Jato,
mas também a reserva de crítica às ações jurídicas. Para eles, só quem tem
formação jurídica pode comentar processos e decisões judiciais — isso para
criticá-los; para elogiá-los, os jornalistas anti Lava-Jato têm as portas abertas.
Estranhamente, dois desses advogados fizeram comentários públicos no Instagram sugerindo que Merval poderia vir a necessitar de um advogado criminalista. Em uma nova nota, publicada em sites jornalísticos de esquerda, voltaram a se referir à possibilidade de que o jornalista venha a precisar de defesa de um criminalista. A torpeza dessas insinuações mostra bem de quem estamos falando: advogados que ameaçam agir criminalmente contra a liberdade de expressão. Será que usarão a Lei de Segurança Nacional?
O jornalista afirma que a maioria dos juristas e
advogados não fazem parte de guildas que defendem os próprios interesses (políticos
e financeiros) como se estivessem defendendo a democracia, e que os
independentes — que ocupam diversas posições no mundo jurídico, inclusive nos
tribunais superiores — ajudam a basear tecnicamente seus comentários — que são
embasados na credibilidade firmada em mais de 50 de jornalismo, acompanhando
julgamentos do Supremo e atividades no Executivo e no Legislativo.
Resta dizer que a transferência dos processos de Lula de Curitiba para o DF abre uma janela de oportunidade para
a volta da inelegibilidade do dublê de ex-presidente e ex-presidiário, bastando
para tanto a decisão de que Moro não
agiu com parcialidade — nesse caso, tudo o que o ex-juiz fez até a condenação
do molusco pode ser usado pelo juiz encarregado de dar prosseguimento ao
processo. Em nota, o PT avisou para
“não tocar nos direitos do Lula”,
deixando claro que esse julgamento não passa de uma disputa política mal
disfarçada de discussão jurídica. Tanto que no próprio STF há quem acuse Fachin
de tramar um “golpe político” para afastar a suspeição de Moro e, consequentemente, impedir Lula de disputar a presidência em 2022.
ATUALIZAÇÃO:
O placar para manter a incompetência de Curitiba nas condenações do ex-presidente foi de 8 votos a favor e 3 contra, mas o ministro Alexandre de Moraes entendeu que os processos devem ser remetidos para São Paulo, que foi o Estado onde ocorreram os fatos. O ministro Nunes Marques abriu divergência quanto ao voto do relator, por entender que os crimes pelos quais Lula foi condenado têm relação indireta com a Petrobras, justificando, por conexão, a competência da 13ª VF de Curitiba. Como era esperado, a corte manteve os direitos políticos de Lula, conquanto não o tenha inocentado (é sempre bom lembrar). Na próxima sessão, que só deve ocorrer depois do feriado de Tiradentes, o plenário dará continuidade ao julgamento. Espera-se que fique decidido, então, onde o petralha será processado (se no DF ou em SP) e se cabe ou não ao pleno reexaminar a parcialidade de Moro, que foi decretada pela 2ª turma por 4 votos a 1.