terça-feira, 20 de abril de 2021

ALINHAMENTO A TODA PROVA (FINAL)


Como abutres bicando nacos de uma vaca agonizante, 
Aras e Mendonça disputam a vaga do atual decano Marco Aurélio de Mello, que se aposenta em julho do STF. Como se sabe, Bolsonaro tem inúmeros interesses na corte, entre os quais se destacam três inquéritos — o primeiro foca "atos antidemocráticos" e envolve aliados e talvez algum parente próximo; o segundo investiga o próprio Bolsonaro por tentar de interferir na PF; o terceiro trata do foro especial do nobre senador Flávio “Rachadinha” Bolsonaro, a prova provada de que filho de peixe peixinho é (ou de que o fruto nunca cai longe do pé, como preferir o caro leitor).

Até julho, ficaremos sabendo com quem a Corte — e nós — conviveremos compulsoriamente pelas próximas décadas. Enquanto isso, assistiremos à disputa entre Mendonça e Aras pelo “troféu da disciplina” e a preferência do chefe, até porque, como todos sabemos, a escolha será “terrivelmente pessoal”.

Pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana do Brasil, o AGU é visto com bons olhos por líderes religiosos influentes. Embora favorito, esmera-se em mostrar serviço ao capitão. Na quinta-feira, 1, pediu ao STF que revogasse as medidas restritivas que impediam a reabertura das igrejas (ele protocolou o pedido pouco depois de o PGR ter protocolado outro, no mesmo sentido). Mendonça tem boa aceitação entre os ministros do STF, mas passou a sofrer resistências depois de determinar a abertura de uma série de inquéritos para intimidar críticos ao mandatário com base na Lei de Segurança Nacional, criada durante a ditadura militar. E o mesmo desgaste ocorre no Congresso.

Em desvantagem, Aras tenta ganhar a predileção do mandatário aproximando-se dos evangélicos e procurando conquistar a admiração dos outros integrantes da Corte. Alguns deles, no entanto, confidenciam que o nome do PGR provoca incômodo por “participar de jogos políticos” e não ter “princípios jurídicos” necessários para o cargo. O primeiro passo dado por Aras foi em março, quando se reuniu com o pastor Silas Malafaia e o bispo Abner Ferreira para se manifestar contrário ao fechamento das igrejas durante a pandemia. Integrantes influentes da bancada evangélica da Câmara, porém, acham que essa aproximação é inútil, porque Aras não é evangélico.

O alinhamento de um ministro aos interesses de Bolsonaro não é visto com bons olhos no STFNunes Marques que o diga. Após proferir a liminar liberando os cultos, o ministro bolsonarista ficou isolado na Corte. Nas rodas de conversa do tribunal, suas decisões são classificadas como “tecnicamente frágeis”. Um dos membros mais críticos a ele até agora tem sido Gilmar Mendes

Logo depois da liminar que determinava a reabertura das igrejas, Mendes escancarou seu mal-estar com o colega e tomou uma decisão contrária em um processo semelhante ao analisado pelo aliado do presidente. Tratava-se de uma ação do PSD contra decreto do governador de São Paulo, João Doria, que proibia atividades religiosas presenciais. Ao tomar essa medida, o semideus togado obrigou o presidente dos togados, ministro Luiz Fux, a levar a discussão sobre o funcionamento de templos religiosos na pandemia para o plenário. Com isso, o mandatário e seu ministro preposto no tribunal acabaram derrotados na Corte.

No mês passado, Mendes já tinha se desentendido com Marques no julgamento da imparcialidade de Moro no caso do tríplex. O novato votou de acordo com os desígnios de quem lhe cobriu os ombros com a suprema toga. O chefe informal do Judiciário foi direto ao ponto: “Não há salvação para juiz covarde. A combinação de ação entre o Ministério Público e o juiz encontra guarida em algum texto da Constituição? Isso tem a ver com garantismo? Nem aqui nem no Piauí”, em referência ao estado natal de Marques.

Desde que assumiu a vaga no STF, o indicado que “tomou muita tubaína” com sua alteza irreal tomou outras decisões que revelaram seu alinhamento aos anseios do grande líder e aumentaram sua rejeição na Corte. Em dezembro, o ministro piauiense impôs uma série de empecilhos para instituir a vacinação obrigatória contra a Covid durante sessão em plenário. Fora isso, votou pelo esvaziamento da Lei da Ficha Limpa e defendeu a redução do período de inelegibilidade de políticos condenados criminalmente com base nessa legislação. Em outro caso, autorizou a pesca de arrasto (feita com redes no mar e em rios) no litoral do Rio Grande do Sul, com direito a receber até congratulações do presidente.

Além de um Exército, Bolsonaro quer um STF para chamar de seu.