domingo, 11 de abril de 2021

TUDO COMO DANTES NO QUARTEL DE ABRANTES

 

Impossível enxergar a olho nu vestígios de sanidade na forma como Jair Bolsonaro lida com a pandemia. Ele briga com os fatos mais ou menos como o sujeito que salta do décimo andar e, ao passar pelo oitavo, proclama aliviado: “Até aqui, tudo bem.”

No dia em que o Brasil registrou pela primeira vez mais de 4 mil mortes por covid em 24 horas, o capitão criticou novamente medidas de isolamento social adotadas por estados e municípios para evitar ou atenuar o colapso das UTIs. Presidente que prega o retorno a uma hipotética “normalidade” sem fornecer vacinas na quantidade necessária para atingir a imunidade coletiva condena sua Presidência à anormalidade.

Bolsonaro acha que se imunizou politicamente ao entregar a coordenação política do governo para o centrão. Engano. A tribo de Arthur Lira e Valdemar Costa Neto revela-se capaz de tudo, exceto de cometer suicídio político. A lealdade dos aliados tende a diminuir na proporção direta do aumento do número de cadáveres. A Fiocruz, fundação vinculada ao Ministério da Saúde, alertou que a pandemia deve permanecer em “níveis críticos” durante o mês de abril, “prolongando a crise sanitária e o colapso nos serviços e sistemas de saúde nos Estados e capitais brasileiras”. De acordo com o Boletim Extraordinário do Observatório Covid-19, elaborado pela Fiocruz, houve um aumento na taxa de letalidade da covid. Subiu de 3,3% para 4,2%.

O Brasil pós-redemocratização elegeu cinco presidentes pelo voto direto: Collor, FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro. O primeiro e a penúltima foram enviados para casa antes de concluir o mandato. Uma taxa de mortalidade de 40% — praticamente dez vezes maior do que o índice de letalidade do vírus. Há nas gavetas do deputado Arthur Lira, o réu que preside a Câmara, sete dezenas de pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Por muito menos, o então presidente da Câmara Eduardo Cunha, mentor de Lira, colocou para andar o pedido de deposição de Dilma.

Falando com um grupo de devotos na porta do Alvorada, Bolsonaro recusou-se a comentar os 4.211 corpos do dia. Preferiu espinafrar a estratégia do isolamento social. “Tem uma pesquisa aí que diz que quem tem uma vida saudável é 8 vezes menos propenso a ter problema com a covid” afirmou ele, sem citar a fonte da pesquisa, em vídeo divulgado por canal bolsonarista no YouTube. “Mas quando você prende o cara em casa, o que ele faz em casa? Duvido que ele não aumentou um pouquinho de peso. Duvido. Até eu cresci um pouquinho a barriga”, completou, arrancando gargalhadas dos apoiadores. “Me chamavam de torturador, racista, homofóbico. Agora é o quê? Aquele que mata muita gente? Genocida! Imagina se o Haddad estivesse no meu lugar?! (...) Do que eu não sou culpado aqui no Brasil? (risos)”, afirmou o presidente. “O pessoal [em outros países] quer destruir o vírus. O pessoal, aqui, quer destruir o presidente. Se vai morrer mais gente, não interessa [pra eles], não”, concluiu.

Diante da escalada no número de casos de coronavírus, no Brasil, todos os estados e o Distrito Federal passam por algum tipo de restrição. O isolamento social é consolidado internacionalmente como uma das principais ferramentas de combate à Covid. Em março, o sucessor de Pazuello no comando da Saúde defendeu uma orientação para a população usar máscaras e adotar o isolamento ao assumir a pasta. A postura foi elogiada por parlamentares, inclusive integrantes da oposição, por não seguir o presidente.

Observação: Queiroga é cardiologista, não general. Mas, a exemplo do antecessor, o doutor também se submete às generalidades que compõem as superstições de Bolsonaro sobre o “tratamento precoce” do coronavírus. Nesta quarta-feira, foi batizado com Cloroquina numa pajelança anticientífica realizada na cidade catarinense de Chapecó. Ao aceitar o convite do chefe para integrar a comitiva presidencial num tour cloroquínico, o subordinado comportou-se como um médico que viaja num avião sabendo que toda a sua bagagem de conhecimentos científicos viaja em outra aeronave. A iniciativa pode ser um tributo que o doutor decidiu pagar à falta de lógica, para evitar que o presidente o expurgue do governo, como fez com o ortopedista Henrique Mandetta e o oncologista Nelson Teich. A dúvida que paira no ar é a seguinte: o que é pior, um general sem formação médica que bate continência para as prescrições de um capitão ou um médico que se rende ao receituário de um presidente sem comprovação científica?

Numa pandemia, depois da insanidade costuma vir a cobrança. Como Bolsonaro não dispõe de um plano mirabolante de retorno à normalidade sem restrições, tende a se tornar um aliado tóxico. Aos pouquinhos os aliados do Planalto começam a fazer exercícios de futurologia. Muitos já avaliam que, se concluir o mandato, o capitão fará campanha em 2022 não nas redes sociais, mas ao lado de uma pilha de cadáveres. Não será fácil recrutar companhia.

Com Josias de Souza