Apenas 177 dos 594 congressistas conquistaram o mandato parlamentar através do voto direto. Grosso modo, um terço dos 513 deputados federais e 81 senadores têm contas a acertar com a justiça criminal (daí o empenho em sepultar a Lava-Jato). E mais: enquanto cerca de 100 milhões de brasileiros sobrevivem com apenas R$ 413 por mês, os nobres deputados recebem cerca de 80 vezes mais: R$ 33,7 mil mensais. Sem mencionar que a Câmara reembolsa (e nós pagamos) gastos com restaurante, motorista, aluguel de carro, combustível, táxi, segurança particular, passagens aéreas, hospedagem, conta de telefone, correios, cursos e até fretamento de jatinhos — além de R$ 4.253 mensais para despesas com moradia.
Segundo matéria da jornalista Helena Mader,
“Mesmo com a pandemia e com a
suspensão temporária das sessões presenciais na casa, as despesas com a cota
parlamentar não tiveram uma queda condizente com o cenário de quarentena. Entre
janeiro e agosto deste ano, a despesa mensal média foi de 10 milhões de reais.
No ano passado, os deputados gastaram cerca de R$ 16 milhões por mês – um total
de R$ 192,4 milhões de janeiro a dezembro de 2019. [...] Em tese, a crise da Covid impôs o
isolamento social a boa parte dos parlamentares, mas os valores de reembolso
pela compra de gasolina e de querosene para jatinhos colocam essa teoria em
xeque – ou indicam que pode haver algo de errado por trás das prestações de
contas. Os deputados federais gastaram este ano R$ 14,9 milhões com
aluguel de carros, principalmente modelos de luxo, além de 6,2 milhões de reais
com combustível. Com esse dinheiro, é possível comprar 1,3 milhão de litros de
gasolina e percorrer até 24,8 milhões de quilômetros, o equivalente a 618
voltas em torno da Terra [...]
No Senado, o
custo por parlamentar é ainda maior: por volta de R$ 294 mil por mês. Esse valor inclui o salário de R$ 33,7 mil, o auxílio-moradia de R$ 4.253 e a cota para exercício da atividade de até R$ 15 mil mensais. Soma-se a esse
montante a verba para contratação de servidores comissionados, que, para a
maioria, pode alcançar R$ 227,1 mil.
São oferecidos aos senadores ainda serviços médico-hospitalares, odontológicos
e laboratoriais de ponta. Essa despesa cresceu vertiginosamente nos últimos
anos e praticamente dobrou entre 2016 e 2019, quando saltou de R$ 7,1 milhões
para R$ 13,9 milhões — até agosto de 2020, o Senado já havia desembolsado R$
7,9 milhões de com a assistência à saúde…
O Supremo Tribunal
Federal ocupa uma área de 14.000 metros quadrados — espaço que dá e sobra
para abrigar confortavelmente o Plenário (salão
de debates dos 11 togados), a sala
do presidente da Corte (com respeitáveis 100 m2) e as
duas Turmas (cada qual com
cinco integrantes). Até o início do século XIX, não havia uma corte
suprema nesta banânia. Com a vinda da família real portuguesa para o Rio de
Janeiro, o príncipe regente criou a Casa
da Suplicação do Brasil, que é considerada a versão 1.0 do STF,
mas a função de corte constitucional se solidificou após a declaração da independência, com a
criação do Supremo Tribunal de Justiça e sua posterior promoção a Supremo Tribunal Federal (noves
fora um curto período em que o tribunal foi efetivamente chamado de Corte Suprema).
Os ministros —
como são intitulados os membros do supremo e dos tribunais superiores — são indicados pelo presidente da República,
referendados pelo Senado. Uma vez empossados e devidamente togados, acomodam
seus buzanfãs em confortáveis poltronas de couro caramelo, de onde passam a
julgar e condenar os pobres, absolver os ricos, soltar traficantes e chefes de
organizações criminosas e fazer malabarismos de hermenêutica criativa para
enquadrar na moldura dos ditames constitucionais as conveniências de
ex-presidentes corruptos e outros criminosos de estimação.
Para ser ministro do STF
o art. 104 da CF exige que o
candidato seja brasileiro, tenha entre 35 e 65 anos, goze de reputação ilibada
e detenha notável saber jurídico. Não é preciso sequer ser bacharel em
Direito. Na prática, importa mesmo é o Q.I. (de “Quem Indica”). Dito de outra maneira, importa mesmo é
cair nas boas graças do presidente da República de turno, ser aprovado por
menos 14 dos 28 integrantes da CCJ do
Senado e conquistar a simpatia (e o voto) de pelo menos 41 dos 81 senadores
na sessão plenária subsequente. Para isso, o candidato da vez faz um périplo pelos
gabinetes dos nobres senadores (conhecido como “beija-mão”), como fazem os políticos em campanha eleitoral (a
sabatina no Senado é meramente protocolar).
Uma vez aprovado, o candidato toma posse (numa cerimônia
realizada no próprio Tribunal), tem os ombros recobertos pela suprema toga e
acomoda o supremo buzanfã na confortável poltrona de couro cor de caramelo, de
onde virá a julgar e condenar os pobres, absolver os ricos, soltar traficantes
e chefes de organizações criminosas e amoldar a Constituição de maneira a favorecer
ex-presidentes corruptos e outros criminosos de estimação. Cada ministro conta
com um batalhão de auxiliares — dentre os quais os folclóricos “capinhas”, que
ajeitam as poltronas para suas excelências se sentarem e se levantarem.
Considerando os estagiários, terceirizados et al, o número de funcionários
do Supremo varia conforme
o mês, mas nunca fica abaixo de 2.450, o que dá uma média de 222 funcionários
por ministro. Em 2016, segundo dados do site políticos.org.br, esse séquito
faraônico consumiu mais de meio
bilhão de reais.
É importante ressaltar que o mandato do presidente da
República é de quatro anos (podendo ser prorrogado por outros quatro se o
mandatário de turno não for impichado nem condenado criminalmente nesse
entretempo), mas seu(s) apadrinhado(s) permanece(m) ministro(s) até completarem
75 anos de idade (quando a aposentadoria é compulsória), a menos que lhes dê na
veneta trocar a suprema toga pelo supremo
pijama — como fez Joaquim Barbosa,
que se aposentou aos 59 anos. Nesse meio tempo, suas excelências são
inamovíveis. A Constituição prevê a possibilidade de eles serem em caso de
crime de responsabilidade, mas na
prática a teoria é outra: desde a proclamação da República, em 1889, apenas
cinco indicados à Suprema Corte foram vetados (Barata Ribeiro, Innocêncio Galvão de Queiroz, Ewerton Quadros, Antônio Sève Navarro e Demosthenes da Silveira Lobo), todos
durante o governo do Marechal Floriano Peixoto (1891-1894) —
confira essa e outras curiosidades sobre o STF no estudo publicado pelo
decano Celso de Mello em 2014.
Passados dois séculos, o STF rescende ao bolor dos tempos do Império, com seus
paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, votos repletos de
citações em latim e outras papagaiadas. Os eminentes decisores trazem os
votos prontos e raríssimas vezes mudam de opinião por conta das sustentações
orais de advogados, amici curiae,
membros da PGR e quem mais
subir à tribuna e fizer solilóquios — enquanto aguardam sua vez de falar,
suas excelências se entretêm com a montoeira de papéis que atulham suas
bancadas, navegam na Web, jogam Solitaire ou
tiram um cochilo — afinal, ninguém é de ferro. Após o voto do relator, os
demais ministros se pronunciam na ordem inversa ao tempo de casa (ou seja,
seja, do novato ao decano). Em havendo empate, cabe ao presidente da corte dar
o voto de minerva.
Ainda que os magistrados possam se limitar a dizer se
acompanham ou não o voto do relator e, no caso de divergência, expor em poucas
palavras o motivo que os levou a discordar, a leitura dos voto costuma levar
horas. Há casos em que a leitura de um único voto preenche uma sessão
inteira — tempo mais que suficiente para julgar dois ou mais
processos, agilizando os trabalhos e aprimorando a performance do tribunal.
Manter essa máquina gigantesca funcionando custa aos
contribuintes mais de R$ 1 bilhão por
ano. Se somarmos a essa exorbitância os R$ 6 bilhões que custam o STJ e o TST,
os salários e mordomias de senadores, deputados federais, governadores,
deputados estaduais, prefeitos e vereadores, bem como os bilhões tragados pelo
ralo da corrupção, teremos um pisto do motivo pelo qual o país nunca tem
recursos para investir na Saúde, na Educação, na Segurança etc., ainda que
a arrecadação anual ultrapasse a casa dos R$ 3 trilhões.
Observação: No Brasil, cada contribuinte trabalha mais de 5 meses por ano só para fazer frente à carga tributária, que consome 41,80% da sua renda. Como disse certa vez o economista Delfin Netto, nosso país virou uma INGANA, com impostos da Inglaterra e serviços públicos de Gana.