Em depoimento à CPI do Genocídio, ao atribuir a Eduardo
Pazuello a decisão de adquirir apenas 10% das doses de vacinas do Covax Facility,
em vez dos 50% (176 milhões de doses) colocados à disposição pelo
consórcio coordenado pela OMS, o ex-chanceler de fancaria Ernesto
Araújo desferiu golpes em Bolsonaro, mas sem tocá-lo, diz Josias de
Souza. “Essa decisão não foi minha, do Ministério das Relações
Exteriores, mas do Ministério da Saúde dentro da sua estratégia de vacinação”,
declarou Araújo, que disse desconhecer os “fundamentos técnicos” que
motivaram a decisão.
O ex-ministro das Relações Exteriores não ignora que Pazuello
comandou a Saúde guiando-se pelo lema segundo o qual “um
manda e o outro obedece”, e que foi 100% subserviente ao capitão.
Indagado sobre o empenho do Itamaraty em adquirir na Índia matéria-prima
para a produção de cloroquina, Araújo transferiu novamente a decisão a Pazuello.
“No caso, o Ministério da Saúde foi quem nos pediu que procurasse viabilizar
essa importação”.
Foi preciso muito esforço para obter de Araújo uma
menção ao presidente. O relator Renan Calheiros perguntou se ele não
havia tratado da aquisição de cloroquina com nenhuma outra autoridade. E o
depoente: “Não foi exatamente um pedido para implementar esse pedido do
Ministério da Saúde. Mas o presidente da República ele, em determinado momento,
pediu que o Itamaraty viabilizasse um telefonema dele com o primeiro-ministro
indiano Narendra Modi.”
O aparente propósito de Araújo de preservar Bolsonaro
não foi bem sucedido, pois nem Pazuello acredita que tenha conduzido o
Ministério da Saúde com autonomia. De resto, o compromisso do ex-chanceler com
a verdade revelou-se frágil nos trechos em que ele declarou na CPI que
nunca fez declarações sinófobas. O senador Omar Aziz, presidente da
Comissão, interveio para recordar ao depoente que estava sob juramento de dizer
a verdade.
Ficou entendido que Ernesto Araújo nunca recebeu
orientação direta de Bolsonaro na pandemia, não foi negligente na busca
por vacinas nem ofendeu a China. Seu único problema é mentir um pouco.
Enquanto todos aguardávamos o início do depoimento de Pazuello,
marcado para as 9h desta quarta-feira, 160 agentes da PF cumpriam
mandados de busca e apreensão em São Paulo, no Pará e no Distrito Federal,
inclusive no Ministério do Meio Ambiente e na casa do ministro Ricardo
Salles.
A Operação Akuanduba apura crimes de corrupção,
advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando que teriam
sido praticados por agentes públicos e empresários do setor madeireiro. Além
das buscas, o STF determinou o afastamento preventivo de dez agentes
públicos que ocupam funções de confiança no Ibama e no Ministério do
Meio Ambiente, além da suspensão imediata da aplicação do Despacho nº
736900/2020, que afrouxa regras para exportação de madeira.
Segundo as investigações — que começaram e janeiro, após informações
obtidas junto a autoridades estrangeiras que relataram desvio de conduta de
servidores brasileiros no processo de exportação — esse despacho foi feito a
pedido das empresas que tinham cargas apreendidas nos Estados Unidos e Europa
e, com isso, possibilitou a regularização de mais de 8 mil cargas de madeiras
exportadas ilegalmente entre 2019 e 2020. As investigações começaram em janeiro
deste ano após informações obtidas junto a autoridades estrangeiras
Desde o início do atual governo, os indicadores de
desmatamento têm batido sucessivos recordes no Brasil e motivado um repúdio
internacional sem precedentes sobre a política ambiental brasileira, com
efeitos econômicos, sobretudo no agronegócio. Salles já estava na mira
do Congresso, do TCU e do STF. Acusado de tentar
atrapalhar uma megaoperação da PF contra o desmatamento no Amazonas, em
dezembro, o ministro é alvo de duas ações no Supremo — uma apresentada pelo PDT
e outra pelo ex-superintendente da corporação no estado, Alexandre Saraiva —
que serão relatadas pela ministra Cármen Lúcia.