quinta-feira, 20 de maio de 2021

PAZUELLO PRESIDENTE


Quando Eduardo Pazuello declarou à CPI que teve “autonomia” para gerir o Ministério da Saúde, os brasileiros foram autorizados a suspeitar de que há um impostor no Planalto. No instante em que o general disse que Bolsonaro nunca lhe deu “ordens diretas para nada”, ficou entendido que a República é presidida pelo ex-ministro cujo depoimento era aguardado com enorme expectativa. Mas ninguém poderia supor que o evento produziria revelação tão bombástica: quem manda não é Bolsonaro, mas Pazuello.

É o capitão quem obedece, não o general. Em de outubro de 2020, Bolsonaro declarou que houve “precipitação” de Pazuello em assinar protocolo manifestando a intenção de comprar do Butantan 46 milhões de doses da CoronaVac. “A vacina da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população.” 

Pazuello disse à CPI ter ignorado Bolsonaro. Enxergou a manifestação do hipotético presidente como resposta de um “agente político”, não de um presidente. “A posição dele não interferiu em nada no diálogo com o Butantan”, esclareceu o mandatário presumido.

Recordou-se a Pazuello a frase que ele pronunciou ao lado de Bolsonaro: “É simples assim: um manda e o outro obedece.” E o general: foi “apenas uma posição de internet e mais nada.” Em público, Bolsonaro simulou desaprovação. Mas “nada foi dito” para Pazuello sobre a CoronaVac em conversas privadas. 

O ortopedista Henrique Mandetta e o oncologista Nelson Teich declararam ter deixado o comando do Ministério da Saúde por resistir à pressão de Bolsonaro para expandir o uso da cloroquina no tratamento da Covid. Cogitou-se até reescrever a bula do remédio por decreto. Com o general Pazuello foi diferente. Ao assumir o comando da Saúde, ele editou candidamente um memorando com orientações sobre o tratamento precoce da Covid. Incluiu no rol de medicamentos a cloroquina. Esclareceu à CPI que agiu por conta própria, pois Bolsonaro jamais ordenou coisa nenhuma. 

De repente, o país se deu conta de que Bolsonaro é apenas uma pose. O suposto presidente empurrou a cloroquina em entrevistas, em lives, em postagens, em discursos... Exibiu caixa do medicamento até para uma ema nos jardins do Alvorada. Pazuello é o único brasileiro a quem Bolsonaro não ousou vender a cloroquina. O capitão sabe quem manda. O depoimento de Pazuello faz lembrar uma célebre declaração de Tim Maia: “Não fumo, não bebo e não cheiro. Só minto um pouco.”

É uma pena que a presidência acidental do general, cujo poder está limitado ao tempo de duração do depoimento à CPI, não dará ao país um gosto do que seria ser oficialmente presidido por Pazuello. Um mandato de quatro anos em algumas horas não faz justiça a esse rei sem trono. 

Uma alternativa para o Brasil seria instalar uma CPI hipertrofiada no gabinete presidencial, esticando a sessão desta quarta-feira pelo tempo que resta de mandato para o atual governo. Bem verdade que seria necessário tomar algumas providências institucionais, como revogar a República. Mas um país que teve uma fraude como ministro da Saúde não terá dificuldade para se adaptar ao inimaginável.

Observação: O UOL Confere checou as declarações de Pazuello; para mais detalhes, clique aqui.

Por volta das 17h, Pazuello passou mal e precisou se deitar num sofá para se recuperar. O senador Otto Alencar, que é médico, contou que Pazuello teve síndrome vasovagal, por ficar tanto tempo sentado. “Deitamos ele no sofá. Se recuperou. Até poderia retomar o depoimento. Ele pode fazer o esporte que quiser, isso é muito comum. Acontece com quem está muito nervoso, emocionado e fica muito tempo sentado.” O ex-ministro negou que tenha passado mal. Alencar explicou a divergência: "Pazuello negou tanto na CPI que mente até sobre a própria saúde".

O plano original era retomar a oitiva do general ainda ontem, após o fim da reunião do plenário, mas o senador Omar Aziz decidiu encerrar a sessão, que será reinicada agora pela manhã, por volta das 9h30.

Com Josias de Souza.