A CIÊNCIA SERVE PARA NOS DAR UMA IDEIA DE QUÃO EXTENSA É A NOSSA IGNORÂNCIA.
Empresas de telemarketing, de telefonia e de TV por assinatura, entre muitas outras, obrigam-nos a interromper o que estamos fazendo para atender ligações que, se não caem, brindam-nos com uma gravação (não dá nem para a gente xingar o interlocutor) que busca nos empurrar goela abaixo produtos que não queremos comprar e serviços que não desejamos contratar.
Se você é vítima contumaz desses chatos, aqui vai uma boa notícia (coisa rara hoje em dia): A partir das muitas queixas diárias recebidas pelo Procon — para que se tenha ideia da dimensão do problema, apenas em 2017 foram registradas cerca de 16 mil reclamações sobre serviços de telemarketing em São Paulo —, foi implementado um serviço gratuito, muito útil, mas pouco conhecido, que está disponível em São Paulo e nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais.
Para manter essas gralhas a distância, acesse o site do Procon e cadastre seu telefone (é possível inscrever até cinco números por consumidor, que podem ser de terminais fixos ou móveis). Se, passados 30 dias da data do cadastro, alguma empresa de telemarketing que insistir em perturbá-lo, você pode formalizar uma denúncia (para mais detalhes, clique aqui), mas note que essa proibição não se aplica a ligações de pedidos de doações nem de empresas que precisem entrar em contato para fazer pesquisas de satisfação ou cobranças.
Nos telefones fixos — que vêm perdendo espaço nas
residências em virtude da versatilidade dos smartphones — o BINA (sigla
de “B Identifica o Número de A”) permite visualizar
o número de quem está ligando. Ou de quem ligou, já que o aparelho registra as
chamadas não atendidas. O problema é que essa informação não basta para você
saber quem ligou, a menos que seja capaz de associar o número em
questão ao usuário da linha. Demais disso, algumas operadoras deixaram de
disponibilizar o BINA (como é o caso da VIVO, pelo menos na
região onde eu moro).
No caso de ligações recorrentes, não custa pesquisar o
número do chato no Google, já que telefones divulgados na Internet por
usuários e empresas costumam ser indexados. A depender do caso, os resultados
podem ser bastante detalhados — com nome, razão social e até mesmo endereço
físico. Serviços de buscas ligados à Deep Web oferecem mais chances de
sucesso, mas requerem um navegador capaz de singrar por aquelas águas e alguma
expertise para evitar... enfim, isso é conversa para outra hora.
No celular, o número de quem está ligando (ou
quem ligou quando seu dispositivo estava desligado, sem bateria ou sem serviço,
p.ex.) é exibido no display, mas o titular da linha só é identificado se
estiver na sua lista de contatos. Ademais, sempre existe ainda a possibilidade
de o número não ser exibido, pois há quem configure o aparelho para ocultar a
ID. Não há nada de errado nisso, mas tenha em mente que algumas pessoas não
atenderão suas ligações, pois associam “número privado” a trotes ou a golpes.
Nem sempre é o caso, mas até aí morreu o Neves.
Observação: A expressão “Até aí morreu o
Neves” não tem a ver com a morte de Tancredo Neves. Na verdade,
nenhum dos estudiosos da fraseologia da língua portuguesa sabe que Neves
é esse. O sentido da frase, como sabemos, é pacífico: diz-se “Até aí morreu
o Neves” quando se quer dizer algo como “E daí? O que você diz não traz
novidade nenhuma”. Sua origem, no entanto, é obscura. A única tese sobre
isso é a do filólogo João Ribeiro, um dos maiores estudiosos brasileiros
da matéria, em seu livro “Frases feitas — Estudo conjetural de locuções,
ditados e provérbios”. A hipótese vale pela ousadia de ensaiar uma
explicação para algo tão nebuloso. Depois de ressalvar que “não há na
história ou na lenda nenhum Neves famoso que eu conheça” e que “pode ser
que [a frase] tenha origem em algum entremez, vaudeville ou comédia”, Ribeiro
apresenta o que chama de “conjetura”: a de que a expressão tenha surgido
como variante de outra frase feita clássica da língua portuguesa, “Morreu
Inês” ou, na versão mais usada hoje, “Inês é morta”, que significa “Agora
é tarde demais”. Inês, ao contrário de Neves, sabe-se quem é:
a fidalga Inês de Castro, a “rainha morta”, amante do futuro rei de
Portugal D. Pedro I (não confundir com o nosso), assassinada em 1355 a
mando do pai deste, D. Afonso IV. A tragédia de Inês tem gorda
presença na história, na literatura, na lenda e na imaginação popular. De
acordo com a curiosa especulação de Ribeiro, um mal-entendido — motor
clássico de invenções linguísticas — poderia ter transformado “morreu Inês”
em “morreu o Neves”. Antenor Nascentes disse que a tese de Ribeiro
“não parece muito provável”. Mas o fato de ser a única disponível não
nos permite descartá-la depressa demais.
Como eu dizia antes de tratar da morte do Neves,
o fato de a ID de quem está ligando não ser exibida não significa
necessariamente que a chamada seja maliciosa. Aliás, “ID” é um
diminutivo da palavra inglesa “identity”, que significa “identidade”
na tradução literal para a língua portuguesa, mas remete à identificação do
usuário em serviços online, redes sociais e dispositivos computacionais.
Para não espichar demais este texto, deixo a conclusão para a próxima postagem.