Eleição, reza do dito confirmado pelos fatos, não se ganha de véspera. Tampouco se definem resultados com tal antecedência, e nossa história recente mostra isso. Nenhum dos três presidentes que disputaram, e ganharam, um segundo mandato em 1998, 2006 e 2014 estava com a vida ganha no ano anterior ao do pleito.
Senão, vejamos: em 1997, FHC enfrentava uma das cinco
crises econômicas mundiais que atingiram seu governo e via Lula lhe
roçar os calcanhares nas pesquisas eleitorais; em 2005, Lula estava
enrolado até o pescoço no escândalo do mensalão e só não sofreu um processo de
impeachment porque a oposição optou por vê-lo “sangrar”; Dilma Rousseff,
em 2013, atordoava-se sem saber para onde ir em meio às “jornadas de junho”.
Apesar desses pesares, FHC, Lula e Dilma
conseguiram se reeleger. Boa notícia para Bolsonaro? Não
necessariamente, porque comparado aos três é o que tem maiores dificuldades
pela frente. Nas vitórias dos antecessores entre outros fatores contou o peso
da cadeira e da caneta presidenciais. É a vantagem maior, não raro definitiva,
dos chamados incumbentes. Como eles, Bolsonaro detém as duas — cadeira e
caneta —, mas não sabe usá-las. Quando usa, abusa do direito de errar.
Observação: Uma coisa nada tem a ver com a outra, mas eu achei por bem mencionar que os dez membros do Tribunal Especial Misto aprovaram nesta sexta-feira (30), por unanimidade, o afastamento em definitivo de Wilson Witzel do Governo do Rio de Janeiro. Além de condenar o ex-juiz por crime de responsabilidade, o tribunal decidiu inabilitá-lo por cinco anos ao exercício de qualquer função pública.
Por esta e algumas outras que virão relacionadas abaixo, no
momento o nome do jogo é o da indefinição. Ainda que vigore a impressão geral
de que o segundo turno de 2022 vai reproduzir o embate entre Bolsonaro e
o PT (com ou sem Lula na cabeça da chapa) em 2018, a política não
segue a dinâmica dos ecos. E não porque assim tenha assentado Karl Marx na
famosa referência à história.
A política não se repete na medida exata dos acontecimentos
anteriores porque é escrava das circunstâncias. E estas não autorizam a
conclusão de que a próxima eleição será igual à que passou. Para início de
conversa, lá atrás as forças que não se alinham a Bolsonaro nem a Lula
ficaram cada qual no seu canto e agora articulam com antecedência uma tentativa
de entendimento. Se der certo, pode fazer toda a diferença, embora não seja a
única. Há outras que alteram o cenário e podem influir no resultado. Vamos a
elas.
— Ausência do elemento surpresa. Desacreditado, Bolsonaro
foi desconsiderado até se tornar um fato consumado. Contou a história que bem
entendeu, valendo-se de um sentimento antipetista muito forte que aglutinou um
eleitorado disposto a se agarrar a qualquer coisa que representasse um
obstáculo à volta do PT. –
— Em quase dois anos e meio de governo, Bolsonaro mostrou a
que veio, mas principalmente a que não veio. Perdeu o discurso da luta contra a
corrupção, fez a ideia da nova política virar pó, deu repetidas e robustas
provas de seu despreparo para o cargo e provocou uma debandada significativa no
plantel de aliados que conseguira reunir para se eleger. Uma gestão sem marca
para exibir no palanque.
— Em 2018, logo após o atentado sofrido em Juiz de Fora,
teve uma exposição nos meios de comunicação completamente desproporcional à de
seus adversários e, pela condição de vítima, ficou durante um bom tempo imune a
ataques. Hoje, por tudo o que fez e deixou de fazer no governo, é alvo de
noticiário predominantemente desfavorável que não tende a arrefecer.
— Por causa dos atritos com governadores o presidente criou
com eles um ambiente hostil a ponto de a maioria constantemente se manifestar
de maneira coletiva contra suas atitudes e decisões. Vários são antigos
aliados, hoje rompidos e cuja tendência é dificultar a campanha pela reeleição
nos respectivos estados.
— No mundo do dinheiro o clima tampouco é dos melhores, dado
o fiasco do contrato de aluguel com o liberalismo de Paulo Guedes.
— O fator Lula livre para disputar, que em tese
poderia ressuscitar o antagonismo de 2018, pode não ter esse efeito se o
antibolsonarismo restrito e presumido de antes vir a se configurar, na
campanha, maior e mais forte que o antipetismo.
A mãe de todas as enormes pedras no caminho de Bolsonaro
no rumo da reeleição é, claro, a pandemia da Covid. Se antes um sinistro
inesperado acabou por favorecê-lo eleitoralmente, agora o imprevisto se apresenta
de novo, mas como fonte de prejuízos também no campo eleitoral.
E, aqui, voltamos às diferenças. Daquela vez sofreu o dano
involuntário. Agora corre o risco de padecer sob o peso dos estragos que
voluntariamente provocou.
Com Dora Kramer