domingo, 2 de maio de 2021

O IMPEACHMENT DE WILSON WITZEL E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


Março terminou mal para Wilson Witzel. No último dia do mês, os dez membros do Tribunal Especial Misto aprovaram por unanimidade seu afastamento definitivo do Governo Fluminense e o inabilitaram por cinco anos ao exercício de qualquer função pública. 

Com essa decisão (que já era esperada), o ex-juiz inaugurou a lista dos governadores de Estado defenestrados por crime de responsabilidade desde a redemocratização desta banânia. Se outros serão incluídos em tão seleta confraria, cabe à CPI da Covid determinar.

Dos cinco presidentes eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar — Collor, FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro —, o primeiro e a penúltima foram expulsos de campo antes do final do jogo. Fosse o Brasil um país que se desse ao respeito, o atual inquilino do Palácio do Planalto já teria sido despejado e internado.

Dilma foi penabundada porque estava quebrando o país — diante do “conjunto da obra” de madame, as pedaladas fiscais foram apenas a ponta do iceberg. Ao longo dos 5 anos, 4 meses e 12 dias que a ex-presidanta pedanta e incompetenta demoliu nossa economia, 68 pedidos de impeachment foram protocolados contra ela na secretaria da Câmara. Mas a gerentona de araque jamais foi chamada de genocida.

O caçador de marajás de festim — que inaugurou a lista dos presidentes depostos por crime de responsabilidade — colecionou 29 pedidos de impeachment, mas também não foi chamado de genocida. Itamar Franco, FHC, Lula e Temer foram agraciados com 4, 27, 37 e 33 pedidos, respectivamente, mas tampouco foram chamados de genocidas

Antes mesmo de completar um ano de mandato, Bolsonaro já abria larga dianteira em relação a seus predecessores. Três meses atrás, o réu que assumiu a presidência da Câmara herdou de seu antecessor cerca de 60 pedidos de impeachment do capitão. Hoje, são 116

Embora vivesse às turras com o capitão, Rodrigo Maiavia erros, mas não crimes de responsabilidade” nas ações do desafeto (talvez devesse ter procurado um oftalmologista). E Arthur Lira segue na mesma linha. Pressionado, afirmou que todos os pedidos que ele analisou são “inúteis”. É o que acontece quando se põe a raposa para tomar conta do galinheiro, e ela encarrega outras raposas de investigar o sumiço das galinhas.

Em março de 2020, quando o Brasil contabilizou 6 mil mortes pela “gripezinha”, o jornal norte-americano The Washington Post concedeu a Jair Bolsonaro o título de pior líder mundial no combate à pandemia. Dias atrás, o país ultrapassou as 400 mil mortes — dois terços das quais se deveram a ações e omissões de um mandatário negacionista e genocida

Gilmar MendesKin KataguiriLula, Fernando Haddad e Felipe Neto, entre outros, já chamaram Bolsonaro de genocida. Em mensagem envida a um grupo de ministros do STF, o ex-decano Celso de Mello comparou o capitão a Hitler, e uma coalizão que representa mais de um milhão de trabalhadores da saúde no Brasil, apoiada por entidades internacionais, denunciou-o ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes contra a humanidade e genocídio.

Na última quinta-feira, Miguel Urbán Crespo, integrante do Parlamento Europeu, disse durante um discurso em plenário que “necropolítica” do presidente brasileiro no combate à pandemia constitui um crime de lesa-humanidade. Segundo o parlamentar, Bolsonaro não é só um perigo para o Brasil, mas para o mundo inteiro.

Voltando ao impeachment do (ex)governador fluminense, Josias de Souza anotou em sua coluna que o episódio consolida a reversão de um fenômeno. Aquilo que se convencionou chamar na campanha eleitoral de 2018 de “nova política” revelou-se apenas mais da mesma velha falta de compostura.

Witzel teve uma queda tão meteórica quanto a sua ascensão. Juiz por 17 anos, virou governador na sua primeira eleição, com o apoio da família Bolsonaro. Chegou ao poder estadual prometendo duas coisas: libertar o Rio da corrupção e acabar com a bandidagem. Descobriu-se que, a exemplo do que ocorria em governos anteriores, a criminalidade não estava apenas nos fundões dos morros cariocas. Os palácios Guanabara e Laranjeiras, sede da administração estadual e residência oficial do governador, continuaram sob o domínio do crime organizado.

A moralidade de Witzel era de vidro e se quebrou num assalto às verbas destinadas a combater a pandemia. Ao ventilar sua intenção de disputar a Presidência da República em 2022, o governador passou a ser visto pelo capitão como um risco para sua reeleição e, portanto, um inimigo a ser combatido. Agora, com um incômodo passado pela frente, o ex-magistrado está mais próximo da cadeia do que do Planalto.

No Rio de Janeiro, considerando-se os escândalos já julgados e os que aguardam na fila por uma sentença, corruptos e denunciados servem principalmente como assunto de conversa. Quando se está numa rodinha entre amigos, é inútil mudar de assunto. Pode-se, no máximo, mudar de corrupto. Dos quatro antecessores de Witzel, três já passaram pela cadeia — Antony Garotinho, Rosinha Garotinho e Luiz Fernando Pezão — e outro, Sergio Cabral, continua em cana. Para complicar, Cláudio Castro, o vice que assumiu a poltrona de Witzel, também está sob investigação.

A roubalheira epidêmica é um convite ao desânimo. Mas é preciso levar em conta o seguinte: detentores de mandatos eletivos não surgem por geração espontânea; eles nascem do voto. O eleitor fluminense deveria fazer uma introspecção. Se levar a experiência a sério, talvez enxergue no espelho a imagem de um culpado.

Considerando-se que a autoproclamada “nova política” dá sinais de apodrecimento também em outros estados e em Brasília, o brasileiro tem duas alternativas: pode se manter exilado no conforto da sua omissão política ou pode se esforçar um pouco mais para dar algum sentido à democracia brasileira.

Fácil não é. Mas é preciso continuar tentando. O primeiro passo é o abandono da cômoda retórica de que os políticos “são todos iguais”. Não são. A igualdade absoluta é uma impossibilidade genética. O excesso de roubalheira faz todos os gatunos parecerem pardos. Mas a magia de momentos como o que voltará a acontecer em 2022 é a possibilidade de redescobrir que, para os eleitos inconscientes, o eleitor impaciente continua sendo o melhor remédio.