Todo fato tem ao menos três versões: a sua, a minha e a verdadeira. Não existe verdade absoluta. Pode-se falar a verdade mentindo e mentir falando a verdade. Tudo é uma questão de ponto de vista.
Conta-se que certa vez, questionado sobre a penúria
em Cuba forçar universitárias a se prostituírem para sobreviver, Fidel
Castro respondeu que a situação em Cuba era tão boa que
até as prostitutas eram universitárias.
Em outubro do ano passado, o senador e vice-líder do governo Chico Rodrigues, alvo de mandado de busca e apreensão por suspeita de desvio de dinheiro, foi flagrado pela Polícia Federal com cerca de R$ 30 mil escondidos entre as nádegas. Devido a esse “incidente escatológico”, o ministro supremo Luís Roberto Barroso determinou o afastamento do parlamentar. Em fevereiro passado, o cueca-suja reassumiu o mandato sem análise do Conselho de Ética e, para surpresa de ninguém, disse que provaria sua inocência na justiça. Antes, em carta enviada a seus pares no Congresso, ele já havia negado qualquer participação em desvios na área da saúde durante a pandemia. Segue trecho da missiva do nobre parlamentar.
“Posso ter cometido atos que, vistos de fora do prisma
daquele lugar, naquele momento, com o medo e a responsabilidade de ter de
assegurar os recursos destinados ao pagamento dos funcionários de empresa de
minha família, podem ser rotulados como ridículos ou lamentáveis. Posso ser
criticado e, sendo sincero, venho sofrendo um pesadelo de ter uma vida inteira
de serviço público prestado ao meu estado e ao meu país ser reduzida e
sintetizada a uma expressão degradante e que não reflete o que fui, o que sou e
o que fiz ao longo de toda uma vida. Os fatos objetivos são um só e me absolvem
de qualquer tipo de má conduta. Os recursos encontrados comigo e que num ato de
desespero e desequilíbrio momentâneo, cuja autocrítica hoje é fácil de
realizar, mas na aflição e surpresa do acontecimento foi um impulso de
autoproteção, constituem valores totalmente compatíveis com o meu patrimônio e,
mais importante, estão devidamente declarados em meu imposto de renda.
Portanto, são recursos lícitos, legais, oficiais e de origem declarada. O
montante apreendido comigo era, como é possível cabalmente comprovar, apenas
aquele necessário que procurei num ato involuntário resguardar para o pagamento
de funcionários”.
Rodrigues afirmou ainda que foram “meses de condoída e solitária prosternação” e que teve de fazer uso de medicamentos psiquiátricos para “restaurar o mínimo de sanidade”. Os redatores do Sensacionalista disseram ter ficado com dó dos apoiadores de Bolsonaro. E para facilitar quem quer passar pano, ou melhor, passar notas de real para mais esse escândalo, fizeram uma lista de desculpas para o papel moeda estar onde o sol não brilha. Confiram:
1. O governo colocou o dinheiro no Centrão;
2. Não é possível provar nada porque as imagens
ficaram borradas;
3. Chico Rodrigues tem o c* cheio de dinheiro;
4. Com a desvalorização do real e a falta de papel
higiênico, ficava mais barato usar dinheiro;
5. Era só um dinheiro sujo, nada de mais;
6. O dinheiro era de rachadinha;
7. Ele aplicou em um fundo;
8. Ao contrário do que diz Paulo Guedes, o Real foi para
o buraco;
9. Ele comeu o dinheiro achando que era capim;
10. É um tratamento para Covid-19 que substitui o ozônio
no reto.
Triste Brasil.
Ainda sobre “narrativas” — termo muito em voga ultimamente —, o escritor Mentor Neto publicou recentemente o texto que eu reproduzo a seguir, ainda que com algumas ligeiras modificações:
“O depoimento de Pazuello comprovou a competência dos profissionais de mídia training do Brasil. O Planalto estava em pânico — afinal, a inépcia do ex-ministro é flagrante. O que poderia fazer sob interrogatório um general especializado em logística que enviou para o Amapá 78 mil doses de vacina destinadas ao Amazonas? Então, o jeito for botar o sujeito para treinar.
Como se não bastassem os ensaios, ainda conseguiram um habeas
corpus que garantia seu silêncio no caso de surgirem perguntas que tivesse
escapado do treinamento. Mas não foi necessário. Pazuello nadou de
braçada em meio aos tubarões do Senado — o media training valeu, ao governo,
cada centavo que você e eu pagamos. Por isso, após analisar cada uma das
respostas do general, separei cinco dicas que podem servir para qualquer cidadão
comum que tiver de enfrentar um interrogatório, começando por se apresentar com
humildade, bem vestido, mas nunca arrogante, e puxar o saco descaradamente.
Afirmar que está ali para ser sincero. E mesmo que a pandemia seja coisa do
passado, ir de máscara — para poder rir da cara de todo o País sem ser
detectado. Isso posto, vamos ao que importa.
1. Sobre mentir.
Mentiras são mentiras quando alguém prova a verdade. Diante
de qualquer pergunta, pense: podem provar que estou mentindo? Se a resposta for
negativa, minta como se não houvesse amanhã. Mentiras são úteis também quando
questionarem suas crenças com perguntas do tipo “o senhor acredita…”, “o
senhor acha…” ou “o senhor tentou…” Mesmo que você tenha agido
diferente do que acredita, a pergunta não foi essa; eles que aprendam a
perguntar.
2. Quando acuado.
Essa é a técnica mais importante a ser dominada. Basta um
escorregão e você pode sair algemado (se não estiver protegido por um HC,
claro). Respire fundo e elabore a resposta com a mesma incongruência que um
candidato despreparado faria numa redação do ENEM. Inicie a resposta dois meses
antes do período em que pergunta está focada. Inclua o maior número de
personagens e diálogos irrelevantes, faça ilações polêmicas, que nada têm a ver
com o assunto, confunda com conclusões que ninguém compreende e então
interrompa a resposta. Obrigue a perguntarem de novo, e repita a operação até
que o tempo do interrogador se esgote.
3. Descubra um elogio.
O interrogador pode bajular você para tentar derrubá-lo,
fisgando seu ego. Não caia nessa. Lembre-se de que hoje você não tem ego. Ao
ser elogiado (de forma sarcástica ou não), essa é sua deixa. Esqueça a pergunta
e se atenha ao elogio da forma mais humilde possível. Rasteje. Diga que o
mérito não é seu, mas sim de sua equipe. Se perceberem sua estratégia, utilize
a técnica 2.
4. Quando acusarem seu chefe.
Nada é mais importante do que livrar a cara do chefe. Foi
ele quem contratou seu mídia training e será ele quem conseguirá seu próximo
emprego. Negue que alguma vez falou com ele. Negue que teve reuniões. Negue que
recebeu ordens. Quando mostrarem vídeos de vocês dois juntos, diga que vídeo é
“coisa de internet”, como se internet fosse um universo paralelo. Se for
emparedado, diga simplesmente: “desculpe, mas não posso responder por ele.”
5. Passe mal.
Passar mal não é vergonha para ninguém. Um mal súbito,
pressão alta, tontura... qualquer coisa que lhe permita ganhar tempo. Depois de
suas intermináveis respostas, ninguém vai lembrar essa fraqueza.
Com essas dicas, você certamente se dará bem. Entre confiante de que a indústria do mídia training vive disso há décadas, e não vai ser você quem vai contrariar a regra. Boa sorte. O País precisa de brasileiros como você.”