quinta-feira, 24 de junho de 2021

O FEMEAPÁ E O PRÊMIO PINÓQUIO DE OURO


Na terça, o ministro da boiada foi elogiado pelo chefe; na quarta, foi exonerado (e já se vai tarde). Mas vale lembrar que Salles era apenas o executor da política do presidente para o meio ambiente. E que de nada adianta trocar a roda da carroça quando o verdadeiro problema é o burro.

Dado não comparecimento de Francisco Maximiano — sócio da empresa Precisa Medicamentos, que intermediou a negociação bilionária do Ministério da Saúde para a compra da vacina indiana Covaxin — e sem tempo hábil para agendar um novo depoimento, a CPI da Pandemia dedicou a sessão desta quarta-feira à análise de 58 requerimentos (entre pedidos de informação, quebras de sigilo, convites e convocações). Dito isso, passemos ao post do dia.

Sérgio Marcus Rangel Porto
, mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta, concebeu uma enciclopédia das estultices que pinçou do cotidiano tupiniquim durante a ditadura militar e batizou-a (a enciclopédia, não a ditadura) de FEBEAPÁ. Se ainda caminhasse entre os vivos, o festejado cronista, escritor, radialista, comentarista, teatrólogo, jornalista, humorista, ex-funcionário do Banco do Brasil e compositor carioca certamente nos brindaria com uma edição revista e atualizada de seu Festival de Besteiras que Assola o País, e muito provavelmente dedicaria um volume exclusivo ao FEMEAPÁ — falo do festival de mentiras que assola o país em tempos de CPI do Genocídio.

Seria difícil escolher entre tantos desempenhos magistrais o ator a ser laureado com a estatueta do Pinóquio de Ouro. Eu apostaria minhas fichas no general pesadelo, mas a performance do médico e deputado gaúcho que supostamente comandava o suposto gabinete paralelo que supostamente balizava as supostas ações do suposto presidente desta republiqueta de bananas me fez pensar duas vezes.

Sem sequer a decência de corar, Osmar Terra informou à CPI que não existe trabalho científico demonstrando a eficácia da quarentena. Se o isolamento social funcionasse, afirmou o deponente não-ajuramentado, não teríamos a maior parte da mortalidade de 2020 dentro de asilos. E disse ainda que “todas as pandemias tiveram um curso com medidas não farmacêuticas que não foram a de trancar as pessoas dentro de casa; nunca houve isso na história”.

O nobre deputado parece ter esquecido — mui convenientemente — que o fato de os velhinhos não saírem dos asilos não significa que não tenham contato indireto com o “mundo exterior” (através dos médicos, enfermeiros e outros funcionários das instituições). Quando ao trabalho científico, um artigo publicado no próprio site da Biblioteca Nacional (do governo federal) aponta o isolamento social como uma das medidas utilizadas diversas vezes, ao longo da história, para controlar a disseminação de doenças infectocontagiosas (para saber o que é fato ou fake nas declarações do esculápio, siga este link).

Cheio de rompantes quando fala da suspeição alheia, Bolsonaro é condescendente com as suspeitas que explodem debaixo de seu nariz. A procuradora Luciana Loureiro farejou indícios de crimes e risco temerário no contrato de compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin pelo ministério da Saúde, sob o comando do general Pesadelo. O imunizante foi o mais caro entre todos os que o Brasil comprou e o processo de aquisição, o mais célere, a despeito dos alertas sobre “dúvidas” em relação à eficácia, à segurança e ao preço, conforme mostrou O GLOBO.

O total gasto na compra da vacina indiana foi de R$ 1,6 bilhão, e até agora o Brasil não recebeu uma única dose. O silêncio do presidente diante dessa transação enferruja um pouco mais sua retórica — já bem oxidada — e torna sem sentido seu discurso teatral de que “acabou com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no governo e que governo sem corrupção não é uma virtude, mas uma obrigação”.

Em janeiro último, enquanto manauaras morriam asfixiados, o luminar da logística que comandava a pasta da Saúde negou que o governo financiasse, divulgasse ou orientasse o uso de cloroquina e afins no tratamento da Covid. Mas num documento do Exército obtido via Lei de Acesso à Informação consta o seguinte despacho: “Em 17 de junho de 2020 foram expedidas novas Orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da COVID-19, a respeito da prescrição de medicamentos, incluindo novamente a Cloroquina, em pacientes adultos, que apresentem sintomas leves, moderados ou graves da doença.” Ou seja, os militares apenas cumpriram a decisão do ministério da Saúde (no sentido de fabricar e distribuir a cloroquina), ao contrário do que afirmou o ex-ministro-interventor.

Não se trata apenas do obscurantismo anticientífico. Empresários apoiadores do governo faturaram alto com o medicamento que tem Bolsonaro como garoto-propaganda. No ano passado, o comércio do “kit Covid” cresceu surpreendentes 550% e movimentou mais de 500 milhões de reais. Até novembro, o governo federal havia distribuído 5,8 milhões de comprimidos produzidos no laboratório do Exército. A EMS informou à CPI que deve faturar R$ 31 milhões com a venda de hidroxicloroquina em 2021, ou seja, cerca de R$ 10 milhões a mais do que no ano anterior.

Uma denúncia feita pelo PDT aponta que ao menos cinco ministérios, mais o Exército, foram mobilizados para a tarefa de produzir e distribuir o “kit Covid”. “Estamos pedindo a responsabilização criminal, pois essa política agravou os efeitos da pandemia. Enquanto o mundo inteiro compra vacina e dissemina o uso de máscara, aqui Bolsonaro elege a cloroquina como solução”, afirmou Carlos Lupi, presidente nacional do partido e um dos autores da petição que resultou na notícia-crime enviada pela ministra Rosa Weber, do STF, à PGR.

Voltando à Covaxin, a procuradora que investiga a transação salienta a intermediação da Precisa Medicamentos, que tem um longo histórico de irregularidades. A empresa é associada da Global Saúde, que vendeu medicamentos ao ministério da Saúde há três anos e jamais entregou (mais R$ 20 milhões de dinheiro público que desceram pelo ralo da corrupção). Aliás, foi exatamente essa transação que rendeu ao deputado Ricardo Barros — líder do autodeclarado presidente em cujo governo não existe corrupção — um processo por improbidade.

Observação: Descobriu-se que o parlamentar escamoteou em uma medida provisória do governo federal a emenda que azeitou a entrada da Covaxin no mercado brasileiro ao autorizar a “importação e distribuição de quaisquer vacinas” sem registro na Anvisa, desde que aprovadas pela autoridade sanitária em outros países. Nessa jaboti, Barros incluiu a agência sanitária da Índia no rol das entidades cujos selos de qualidade seriam levados em conta no Brasil. Os técnicos da Anvisa torceram o nariz, mas o líder de Bolsonaro ameaçou “enquadrar” a agência.

No documento entregue à CPI, a procuradora anotou que “a omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”.

Sete dias antes de assinar o contrato para o fornecimento da Covaxin, a Precisa, que também representa a companhia Cupid Limited em um contrato para a aquisição de preservativos femininos, acrescentou aditivo contratual neste processo que dobrou o valor da licitação junto ao Ministério da Saúde. A CNN analisou dados do Portal da Transparência e constatou que a empresa assinou o contrato para fornecimento de cinco milhões de preservativos femininos no dia 13 de novembro. O valor inicial era de R$ 15,7 milhões e passou para R$ 31,5 milhões no dia 18 de fevereiro. A justificativa foi uma correção na cotação do dólar.

Depois que o deputado federal Luis Miranda revelou ter levado pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro “provas contundentes” de irregularidades nas negociações para a compra da vacina Covaxin, o senador Alessandro Vieira afirmou que há “indícios gravíssimos” do cometimento de crime no âmbito do Ministério da Saúde. Embora o parlamentar entenda prematuro afirmar que Bolsonaro cometeu crime, ficou evidente que o chefe do Executivo teve acesso às informações citadas pelo deputado Miranda e não determinou a adoção das medidas cabíveis. 

Ainda segundo o senador, o caso é “gravíssimo” e a CPI já o vinha monitorando a partir do depoimento de Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde — e irmão do deputado Luiz Miranda —, que sofreu pressões dos superiores para aprovação do contrato de compra da Covaxin através da Precisa Medicamentos. Nesse contexto, a reconvocação de Pazuello — que já foi aprovada — se tornou indispensável, afirmou Vieira em entrevista à CNN Brasil. “A gente está falando de contratos que são milionários, e não se tem notícia de nenhuma solicitação de providência junto á Polícia Federal e ao Ministério Público Federal”.

O divórcio entre a compra da Covaxin e o interesse público transforma a honestidade do governo Bolsonaro um atributo sem comprovação científica.