Não sei quanto a vocês, mas eu estou até os tampos de ouvir falar em (e escrever sobre) cloroquina, Bolsonaro, corrupção, Bolsonaro, Covaxin, Bolsonaro, genocídio, Bolsonaro, Centrão, Bolsonaro, corrupção, Bolsonaro... Como a CPI do Genocídio só retoma as sessões presidenciais amanhã, resolvi aproveitar a trégua para dar uma espiadela no retrovisor. Até porque à frente, em meio a brumas, vislumbra-se apenas o iceberg gigante contra o qual a Nau dos Insensatos colidirá se a tripulação não se amotinar e botar a ferros o capitão aluado, que por alguma razão continua na cabine de comando. Antes, porém, cumpre dedicar algumas linhas à reação do presidente às manifestações contra o governo que eclodiram no último sábado nas capitais dos 26 estados, no DF e em um sem-número de outros municípios.
Foi a primeira mobilização desde que o superpedido
de impeachment foi protocolado (na última quarta-feira) e após novas
denúncias de corrupção na compra de vacinas pressionarem o Executivo. As
alegadas irregularidades ganharam destaque na pauta dos atos, com faixas,
cartazes e camisetas afirmando “Bolsonaro corrupto” e “Sua vida vale
um dólar”, além de réplicas de cédulas de US$ 1 manchadas de
vermelho.
Na última quinta-feira (1), o ministro Alexandre de Moraes determinou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos, mas abriu um novo inquérito para investigar uma organização criminosa digital que vem atacando as instituições. O ministro mencionou 12 vezes o deputado Eduardo Bolsonaro e anotou em seu despacho que é necessário aprofundar as investigações para verificar se aliados do presidente usaram estrutura pública do Palácio do Planalto, da Câmara e do Senado para propagar ataques às instituições nas redes sociais. Também foram mencionados nominalmente o presidente e seus filhos Zero Um e Zero Três. Dito isso, sigamos em frente.
“Quem controla o passado controla o presente, e quem controla
o presente controla o futuro”, escreveu George Orwell em 1940,
como parte do slogan do Partido — que, no universo distópico do livro “1984”,
representa o Estado totalitário num universo distópico. Por uma série de razões
cuja obviedade dispensa detalhamento, a epigrama do escritor anglo indiano continua
atual. Dito isso, sigamos adiante em nossa breve viagem ao passado (parece um
contrassenso, mas não é).
Depois de eleger um cachaceiro populista que renunciou 6 meses e 25 depois após
a posse — pavimentando o
caminho que levaria a 21
anos de ditadura militar — a récua de muares que no Brasil se
convencionou chamar de “eleitorado” guindou à presidência o pseudo caçador de marajás
Fernando Collor de Mello, que renunciou
em dezembro de 1992, horas antes do julgamento de seu impeachment, mas apenas
para não ser inabilitado politicamente. Mesmo assim, Collor foi inabilitado
politicamente por oito anos, ao contrário do que aconteceria com Dilma, a
inolvidável, em agosto de 2016: graças a uma manobra espúria orquestrada pelos
então presidentes do STF e do Senado, a eterna estocadora de vento foi
apeada do cargo, mas preservou seus direitos políticos (ao arrepio da Lei
do Impeachment). Nas eleições de 2018, o povo se encarregou de
completar o que os senadores não haviam concluído: Postulante a uma cadeira no
Senado por Minas Gerais, a ex-presidanta pedanta amargou um melancólico 4º
lugar.
Observação: Duas décadas depois do apagão
energético havido durante o segundo mandato de FHC — que foi um dos
responsáveis pela derrota dos tucanos no pleito presidencial de 2002 —, a seca
por que passam algumas regiões do Brasil, somada a problemas relacionados à
transmissão de energia elétrica, delineia um cenário nada alvissareiro. Em
2014, durante sua irresponsável campanha pela reeleição, Aladilma e sua Lâmpada
Nada Maravilhosa ocuparam espaço em rede nacional de rádio e televisão para
dizer que “no caso da energia elétrica, as perspectivas são as melhores
possíveis (...) o Brasil vai ter energia cada vez melhor e mais barata,
o Brasil tem e terá energia mais que suficiente para o presente e para o
futuro, sem
nenhum risco de racionamento ou de qualquer tipo de estrangulamento no curto,
no médio ou no longo prazo”. Como se vê, se tivesse que ganhar a vida
como cartomante a ex-presidanta anta já teria morrido de fome.
O fato de alguém com antecedentes como os de Collor se
eleger senador nos leva a pelo menos três conclusões tão lamentáveis quanto inevitáveis:
1) O Brasil não passa de uma republiqueta de bananas; 2) Em Alagoas, a pobreza,
o apedeutismo e a política de cabresto andam de mãos dadas; 3) A alta cúpula do
Judiciário tupiniquim abusa da hermenêutica para legislar em favor de seus
bandidos de estimação (vejam o caso do ex-presidente presidiário que teve a
ficha lavada e agora posa de “ex-corrupto”).
A renúncia do autodeclarado homem macho de
colhão roxo guindou Itamar Franco ao comando de um
país com uma taxa de inflação em torno de 80% ao mês (ou 1.191,09% a.a.). Ao
contrário do que muitos dizem — aos quais peço vênia para discordar —, os
maiores feitos do presidente mineiro (que nasceu à bordo de um navio de
cabotagem em algum ponto entre a Bahia e o Rio de Janeiro) não foram estimular
a VW a retomar
a fabricação do fusca e ser fotografado ao lado de uma
modelo avessa
ao uso da calcinha. Foi durante a “Republica
do Pão de-Queijo” que o PIB cresceu 10%, a renda per capita,
6,78% e Fernando
Henrique Cardoso e sua “equipe de notáveis” criaram o Plano
Real.
Nomeado ministro da Fazenda, FHC se tornou
presidente “de fato” e transformou o presidente “de direito” numa versão
tropicalizada da Rainha da Inglaterra. Mesmo assim, historiadores
do quilate do Professor Marco Antonio Villa consideram Itamar
o mandatário “menos pior” entre todos que o Brasil amargou desde a
redemocratização. Graças ao sucesso do Plano
Real, o grão duque tucano foi eleito presidente no primeiro turno
do pleito de 1994.
FHC manteve a estabilidade econômica, privatizou
empresas estatais, criou as agências regulatórias, alterou a legislação que
rege o funcionalismo público e implementou programas de transferência de renda
como o Bolsa Escola, precursor do Bolsa-Família do PT.
O PIB cresceu 19,39% (média de 2,42% ao ano) e a renda per
capita, 6,99% (média de 0,87% ao ano). Em 2003, quando Lula assumiu
a presidência, a inflação havia baixado para 12,53% ao ano — donde a tal “herança
maldita”, cantada em prosa e verso pelo PT, jamais passou de
folclore.
A Constituição Cidadã de 1988 não
autorizava a reeleição do chefe do Executivo, mas uma estratégia que começou a
ser articulada no governo Itamar acabou mudando
as regras do jogo. E muita sujeira foi varrida para baixo do tapete:
menos de quatro meses depois da aprovação da PEC
da reeleição na Câmara, a Folha publicou uma
reportagem com a seguinte chamada (em duas linhas e na primeira página): “Deputado
conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”.
Observação: Uma semana depois da publicação da
denúncia, dois parlamentares envolvidos renunciaram
por “motivos de foro íntimo” (mediante ofícios idênticos enviados
ao Presidente da Câmara) e outros três foram absolvidos pela CCJ em processo
relatado por um deputado governista.
Em 4 de junho de 1997, a malfadada emenda foi aprovada pelo
Senado e imediatamente promulgada, garantindo sua vigência na eleição do ano
seguinte, da qual FHC sairia como primeiro presidente
reeleito. Apesar da abundância de provas documentais, o então procurador-geral Geraldo
Brindeiro não acolheu nenhuma das representações que pediam o envio de
denúncia ao STF. Ao fim e ao cabo, ninguém
foi preso. No
dia 27 de julho daquele ano, FHC reconduziu o engavetador-geral ao
cargo (que Brindeiro acabou exercendo por oito anos, de julho de 1995 a
junho de 2003).
Em 2014, quando FHC criticou o PT pelo
baixo nível da campanha de Dilma, o bocório de Garanhuns respondeu:
“Vi o ex-presidente falar com a maior desfaçatez: ‘É preciso acabar com a
corrupção’. Ele devia dizer quem é que estabeleceu a maior promiscuidade entre
Executivo e Congresso quando ele começou a comprar voto para ser aprovada a
reeleição”. (Cá entre nós, Lula reclamar de corrupção
em governo alheio é o
mesmo que Marcola, chefe do PCC, imputar crimes ao arquirrival Comando Vermelho.)
FHC sempre negou o esquema, mas mudou um pouco a
história em 2007: “O Senado votou [a reeleição] em
junho [de 1997] e 80% dos parlamentares
aprovaram. (…) Houve compra de votos? Provavelmente.
Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito
menos”.
Anos depois, em delação premiada, o ex-deputado Pedro
Corrêa disse aos investigadores que se envolveu em crimes desde seu
primeiro mandato parlamentar — em 1978, pela extinta Arena —,
e que “a aprovação da PEC da reeleição foi um dos
momentos mais espúrios” que ele presenciou em toda sua vida pública.
Segundo o delator, houve uma disputa de propinas entre FHC, pela
aprovação, e Paulo Maluf ― que
havia deixado a prefeitura de São Paulo com alta aprovação e com sua
candidatura à Presidência da República cogitada ―, pela rejeição. Da parte do
governo federal, a iniciativa da reeleição foi liderada pelos (hoje falecidos)
Ministro das Comunicações (Sérgio Motta) e presidente da Câmara (Luiz
Eduardo Magalhães), e contou com o apoio do deputado Pauderney
Avelino, dos governadores do Amazonas e do Acre e de outras lideranças
governistas, que compraram os votos de mais de 50 deputados.
Corrêa disse que participou pessoalmente desse
episódio, mas de forma contrária, tentando subornar parlamentares em desfavor
da emenda constitucional, com recursos de Maluf, que visava à
Presidência e sabia que, se o governo conseguisse passar a emenda
da reeleição, seu maior concorrente seria FHC. Disse ainda que
ele os deputados Severino Cavalcanti e Salatiel
Carvalho foram convocados pelo turco lalau “para se
contraporem ao governo e cooptar, com propina, deputados que estivessem se
vendendo ao governo FHC”.
Na versão do hoje nonagenário e eterno presidente de honra
do tucanato, Corrêa apenas repetiu o que a imprensa veiculou
na época. Em sua biografia (Diários da Presidência), FHC relata
que o episódio foi uma “questão do Congresso”. Em um dos “diários”, ele diz
que foi informado por Luis Eduardo Magalhães de que Maluf ofereceu R$
1 milhão ao deputado Fernando Brandt, da comissão da
Câmara que analisava a PEC, para votar contra a medida, mas não
cita outros parlamentares nem os detalhes relatados por Corrêa.
Observação: Segundo a Gazeta do Povo, a assessoria de Maluf alega que “o favorecido no episódio foi Fernando Henrique com a sua reeleição, sendo ele, portanto, quem deveria ser ouvido”. Pauderney Avelino, em nota, rechaçou as acusações do delator e afirmou que não responderia a “bandidos e ladrões do dinheiro público”. ACM Neto, da família de Luis Eduardo Magalhães, não se manifestou, a exemplo dos demais políticos citados na delação que ainda estão vivos.