A situação do presidente se complica à medida que a CPI revolve as entranhas pútridas do governo federal. Saltam aos olhos evidências robustas de que o negacionismo, o descaso e a incompetência do governo federal foram em grande medida responsáveis pela morte de mais 530 mil pessoas no Brasil. Soterrado pelas evidências de corrupção, o capitão tenta negar o inegável e defender o indefensável com narrativas que não convenceriam nem a Velhinha de Taubaté.
Observação: A Velhinha de Taubaté, criada
por Luis Fernando Veríssimo durante a ditadura militar, ficou
famosa por ser a última pessoa no Brasil que acreditava no governo. Ela
“faleceu” em novembro de 2005, aos 90 anos, decepcionada com o cenário político
tupiniquim, em especial com o seu ídolo, Antonio Palocci.
O senador Omar Aziz disse ontem que o silêncio do presidente no caso Covaxin deixa claro o cometimento de crime de responsabilidade. Ou coisa ainda pior.
A senadora Simone Tebet, que extraiu do deputado Luis Miranda o nome do líder do governo na Câmara e expôs alterações grosseiras em no documento que o coronel Élcio Franco e o ministro Onyx Lorenzoni apresentaram para rebater as acusações de irregularidades, entende que existem elementos mais que suficientes para embasar um pedido de impeachment. Ela reconhece que ainda não há os 342 votos necessários na Câmara, mas acredita que o quadro venha a mudar nas próximas semanas.
Bolsonaro escreveu ao primeiro-ministro da Índia manifestando interesse na Covaxin, embora tenha insinuado que a vacina da Pfizer transformaria as pessoas em jacarés e desqualificado a CoronaVac — que apresenta eficácia de 78% na prevenção de casos leves e 100% para casos moderados e graves de Covid.
Observação: As taxas de eficácia da "vachina do Dória" são semelhantes às verificadas em vacinas que já
fazem parte do Plano Nacional de Imunização, como a da gripe. Demais
disso, a vacinação contra a Covid no Brasil começou logo após a Anvisa
aprovar o uso emergencial desse imunizante, que é responsável por 52,7% das
doses distribuídas pelo país — a AstraZeneca, produzida pela Fiocruz,
responde por 43,4% e a Pfizer, por 3,9%.
Bolsonaro disse ontem que a acusação de propina na compra de vacinas não se sustenta, e tornou a recorrer a uma justificativa inconsistente para se defender das denúncias. No sábado, ele apagou um vídeo que havia postado como sendo da motociata em Porto Alegre — que na verdade era do evento realizado em São Paulo no dia12 de junho — e voltou a atacar a CPI, referindo-se à cúpula da Comissão como "os três patetas".
Em resposta, o senador Omar Aziz comparou o presidente ao macaco guariba, que defeca pela boca, e minimizou a abertura de inquérito para apurar possível prevaricação no caso Covaxin: "Não foi a Polícia Federal que abriu absolutamente nada. Ela foi determinada a abrir pela PGR, que, por sua vez, foi determinada pelo Supremo. Não tem muito o que investigar, o próprio presidente admitiu que recebe muitas denúncias, mas não tem como encaminhá-las. Tem tempo pra andar de moto, mas não tem tempo para fazer o que deveria fazer. Ele é um bom motoqueiro e um péssimo presidente".
Observação: A Polícia Federal instaurou um inquérito para investigar a suspeita de prevaricação do presidente. A investigação foi aberta a pedido da PGR, e autorizada pelo STF. De acordo com a decisão da ministra Rosa Weber, o prazo para conclusão das investigações é de 90 dias, mas pode ser prorrogado. O reverendo Amilton Gomes de Paula enviou nesta um atestado informando à CPI da impossibilidade de comparecer ao depoimento agendado para amanhã. O presidente da comissão disse ao Estadão que o dito-cujo afirmou ter problemas renais e que a solicitação está sendo analisada por uma junta médica do Senado.
Aziz afirmou à CNN que o presidente do senado lerá hoje o requerimento que sacramenta a prorrogação da CPI por até mais 90 dias, e que a comissão pretende seguir mais uma semana focada na apuração de possíveis irregularidades na compra de vacinas pelo governo federal.
Com Bolsonaro acuado, surge a discussão: pedir o
impeachment ou deixá-lo sangrar? O impedimento é um instrumento que agrega
forças e produz um desgaste constante, ensina Fernando Gabeira. Há quem
afirme que ele fortalece o governante que o supera no Parlamento, mas não foi
isso que aconteceu com Trump. Quando se está num movimento descendente,
quase tudo empurra para baixo.
Os áudios divulgados pelo UOL mostram que Bolsonaro
também contratava parentes para receber parte de seu salário. Tudo indica que o
chefe do clã foi pioneiro no uso da técnica que ensinou
posteriormente aos filhos parlamentares. Se ele não participou de
grandes esquemas de corrupção ao longo de sua longa carreira, foi porque criou
sua própria fonte de financiamento, destinada a manter campanhas e aumentar o
patrimônio pessoal.
O povo nas ruas e o aumento da rejeição o "mito" apontam
para um novo cenário cujos contornos exatos ainda não estão desenhados. Chega-se
a um momento em que a habilidade da oposição se torna o fator decisivo, pois só
uma sucessão de erros gigantescos pode tornar Bolsonaro viável nas
eleições de 22. Ao menos essa é a leitura que o momento permite.
Com alguma sorte (mais nossa do que dele), Bolsonaro poderá
voltar em breve a comer pastel e tomar guaraná na rua. Mas sua vida política
será uma desgraça.