Após receber
alta do hospital Vila Nova Star, no último domingo, Bolsonaro
retornou a Brasília "com a corda toda". A princípio, a obstrução intestinal
diagnosticada pelos médicos do Hospital
das Forças Armadas exigiria uma cirurgia
de emergência, daí o esculápio que o acompanha desde o
atentado em 2018 recomendou que ele fosse trazido para São Paulo.
Acabou que "o paciente respondeu bem ao tratamento convencional" (nada
como um bom purgante) e a cirurgia foi descartada. Quando mais não seja, a viagem
livrou o capitão da reunião com os presidentes do STF e do
Congresso.
Dias antes de ser internado, Bolsonaro levou uma
carraspana do ministro Luiz Fux por acusar o TSE de fraude
nas eleições. Antes mesmo de receber alta, voltou a atacar o ministro Luís
Roberto Barroso, chamando-o de "imbecil" e "idiota". Na semana
anterior, depois da conversa com o presidente do Supremo, desagradado com as perguntas de alguns repórteres, disparou: "Eu
não vim aqui para brigar com ninguém. Vai acabar a entrevista. Depois diz que
eu sou grosso. Vai acabar a entrevista. Vamos rezar o pai nosso aqui, vamos?
Vamos rezar? Vamos lá, vamos ajudar, vamos rezar o Pai Nosso".
De volta a Brasília, em conversa com a récua de baba-ovos no
chiqueirinho defronte ao Alvorada, Bolsonaro voltou a defender o voto
impresso: "Eu entrego a faixa
para qualquer um, se eu disputar a eleição, né? Se eu disputar, eu entrego a
faixa para qualquer um. Uma eleição limpa. Agora, participar de uma eleição com
essa urna eletrônica..."
O ministro Barroso classificou os ataques de "lamentáveis"
e "levianos"; Rodrigo Pacheco disse que "quem pretender
retrocesso democrático será considerado inimigo da nação". Arthur Lira,
que por enquanto continua alinhado com Bolsonaro, afirmou que "não
tem compromisso algum com nenhum tipo de ruptura política, institucional
democrática". Aliados alertaram o presidente de que sua truculência leva
ao delírio seus apoiadores de raiz, mas assusta quem votou nele como
alternativa à volta do PT — e a perda desse eleitorado pode ser fatal. Mas Bolsonaro,
exemplo do escorpião
da fábula, é incapaz de agir contra a própria natureza.
Mudando de um ponto a outro, o presidente que se elegeu com
a promessa de acabar com a velha
política do "toma-lá-dá-cá" — e que só continua no cargo
porque alugou o apoio do Centrão — deve anunciar amanhã a nomeação
de Ciro Nogueira para a Casa Civil. O deputado piauiense é considerado
a pessoa certa para baixar a fervura no Congresso em tempos de CPI (e
outras crises). Com isso, o general Luiz Eduardo Ramos assumirá a
Secretaria-Geral e Onyx Lorenzoni comandará o Ministério do Trabalho e
Emprego, que será recriado com a divisão do Ministério da Economia.
A troca de cadeiras é uma indicação inequívoca de
fragilidade do governo. Antes da posse, o bolsonarismo desdenhava o Centrão;
hoje, precisa dele para sobreviver. Cada palavra do célebre "Se
gritar pega Centrão, não fica um meu irmão", cantarolado em tom de
superioridade pelo general Augusto Heleno na campanha de 2018, teve que
ser engolida goela abaixo.
Para os centristas, não existem ideologias, só interesses. Em
troca de poder e dinheiro — não necessariamente nesta ordem — eles alugam seu
apoio a peso de ouro, seja para dar sustentação ao governo da vez, seja para
blindar o governante de turno de um impeachment (por crime de responsabilidade)
ou de um processo no STF (por crime comum). Chupam-lhe o sangue a mais
não poder e o abandonam à própria sorte ao menor sinal de mudança dos ventos.
Bolsonaro quer um partido para chamar de seu, mas exige o controle dos fundos partidário e eleitoral. Se estivesse bem na fita, poderia escolher a sigla que mais lhe aprouvesse; com a popularidade em queda livre a CPI nos calcanhares, não está em posição de impor condições.
Depois que as
negociações com o Patriota malograram, restaram-lhe o PTB de Roberto
Jefferson — que já foi lulista —, o PMDB (Partido da Mulher Brasileira) e
outras siglas nanicas. Se quiser manter o apoio do Centrão, terá de se
filiar ao Progressistas de Ciro Nogueira e Arthur Lira, o que
significa aliar-se de vez aos verdadeiros profissionais da política tupiniquim.
Do contrário, ficará a ver navios pelo binóculo. E sem o papai na Presidência, Zero
Um, Zero Dois, Zero Três e Zero Quatro se tornarão Zeros à Esquerda.
A depender dos avanços da CPI, o Centrão abandonará
Bolsonaro — atribuindo o desembarque a seu governo errático, caótico. Collor,
Lula e Dilma foram páginas viradas pelo Centrão. Mas nada
impede que o picareta dos picaretas volte a ser cortejado pelos centristas.
A conferir.