quinta-feira, 22 de julho de 2021

PAU QUE NASCE TORTO MORRE TORTO

Após receber alta do hospital Vila Nova Star, no último domingo, Bolsonaro retornou a Brasília "com a corda toda". A princípio, a obstrução intestinal diagnosticada pelos médicos do Hospital das Forças Armadas exigiria uma cirurgia de emergência, daí o esculápio que o acompanha desde o atentado em 2018 recomendou que ele fosse trazido para São Paulo. Acabou que "o paciente respondeu bem ao tratamento convencional" (nada como um bom purgante) e a cirurgia foi descartada. Quando mais não seja, a viagem livrou o capitão da reunião com os presidentes do STF e do Congresso.

Dias antes de ser internado, Bolsonaro levou uma carraspana do ministro Luiz Fux por acusar o TSE de fraude nas eleições. Antes mesmo de receber alta, voltou a atacar o ministro Luís Roberto Barroso, chamando-o de "imbecil" e "idiota". Na semana anterior, depois da conversa com o presidente do Supremo, desagradado com as perguntas de alguns repórteres, disparou: "Eu não vim aqui para brigar com ninguém. Vai acabar a entrevista. Depois diz que eu sou grosso. Vai acabar a entrevista. Vamos rezar o pai nosso aqui, vamos? Vamos rezar? Vamos lá, vamos ajudar, vamos rezar o Pai Nosso".

De volta a Brasília, em conversa com a récua de baba-ovos no chiqueirinho defronte ao Alvorada, Bolsonaro voltou a defender o voto impresso: "Eu entrego a faixa para qualquer um, se eu disputar a eleição, né? Se eu disputar, eu entrego a faixa para qualquer um. Uma eleição limpa. Agora, participar de uma eleição com essa urna eletrônica..."

O ministro Barroso classificou os ataques de "lamentáveis" e "levianos"; Rodrigo Pacheco disse que "quem pretender retrocesso democrático será considerado inimigo da nação". Arthur Lira, que por enquanto continua alinhado com Bolsonaro, afirmou que "não tem compromisso algum com nenhum tipo de ruptura política, institucional democrática". Aliados alertaram o presidente de que sua truculência leva ao delírio seus apoiadores de raiz, mas assusta quem votou nele como alternativa à volta do PT — e a perda desse eleitorado pode ser fatal. Mas Bolsonaro, exemplo do escorpião da fábula, é incapaz de agir contra a própria natureza.

Mudando de um ponto a outro, o presidente que se elegeu com a promessa de acabar com a velha política do "toma-lá-dá-cá" — e que só continua no cargo porque alugou o apoio do Centrão — deve anunciar amanhã a nomeação de Ciro Nogueira para a Casa Civil. O deputado piauiense é considerado a pessoa certa para baixar a fervura no Congresso em tempos de CPI (e outras crises). Com isso, o general Luiz Eduardo Ramos assumirá a Secretaria-Geral e Onyx Lorenzoni comandará o Ministério do Trabalho e Emprego, que será recriado com a divisão do Ministério da Economia.

A troca de cadeiras é uma indicação inequívoca de fragilidade do governo. Antes da posse, o bolsonarismo desdenhava o Centrão; hoje, precisa dele para sobreviver. Cada palavra do célebre "Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão", cantarolado em tom de superioridade pelo general Augusto Heleno na campanha de 2018, teve que ser engolida goela abaixo.

Para os centristas, não existem ideologias, só interesses. Em troca de poder e dinheiro — não necessariamente nesta ordem — eles alugam seu apoio a peso de ouro, seja para dar sustentação ao governo da vez, seja para blindar o governante de turno de um impeachment (por crime de responsabilidade) ou de um processo no STF (por crime comum). Chupam-lhe o sangue a mais não poder e o abandonam à própria sorte ao menor sinal de mudança dos ventos.  

Bolsonaro quer um partido para chamar de seu, mas exige o controle dos fundos partidário e eleitoral. Se estivesse bem na fita, poderia escolher a sigla que mais lhe aprouvesse; com a popularidade em queda livre a CPI nos calcanhares, não está em posição de impor condições. 

Depois que as negociações com o Patriota malograram, restaram-lhe o PTB de Roberto Jefferson — que já foi lulista —, o PMDB (Partido da Mulher Brasileira) e outras siglas nanicas. Se quiser manter o apoio do Centrão, terá de se filiar ao Progressistas de Ciro Nogueira e Arthur Lira, o que significa aliar-se de vez aos verdadeiros profissionais da política tupiniquim. Do contrário, ficará a ver navios pelo binóculo. E sem o papai na Presidência, Zero Um, Zero Dois, Zero Três e Zero Quatro se tornarão Zeros à Esquerda.

A depender dos avanços da CPI, o Centrão abandonará Bolsonaro — atribuindo o desembarque a seu governo errático, caótico. Collor, Lula e Dilma foram páginas viradas pelo Centrão. Mas nada impede que o picareta dos picaretas volte a ser cortejado pelos centristas.

A conferir.