sexta-feira, 30 de julho de 2021

SE BEM O DIZ, MELHOR O FAZ


Em suas desvairadas parlapatices, Bolsonaro fez duas "promessas" para esta semana: vetar o fundão e apresentar provas de fraude nas eleições gerais de 2014. Como escrevi este texto ontem de manhã e a live presidencial hebdomadária vai ao ar no final da tarde, não sei que provas o presidente irá apresentar sobre a suposta fraude ou o que dirá acerca do veto.

Atualização: Surpreendentemente, sua alteza irreal falou durante horas. Como era esperado, não trouxe prova alguma de coisa nenhuma.

Em sua cruzada pelo retrocesso, Bolsonaro esgrime há mais de 500 dias o mantra de fraude na contagem dos votos na eleição de 2014. "Por 231 vezes ganhava Aécio, ganhava Dilma, ganhava Aécio. Esse então é o indício mais forte da probabilidade de o sistema não ser seguro”, disse ele no último dia 21, em entrevista à rádio Jovem Pan News Itapetininga.

O presidente se baseia numa entrevista da ex-candidata a deputada federal pelo PSL Naomi Yamaguchi (irmã da médica Nise Yamaguchi) com uma fonte anônima que apresenta supostos indícios de irregularidades na reeleição de Dilma, mas a CNN Brasil analisou a planilha do TSE — com as atualizações parciais entre as 17h01 de 26 de outubro de 2014 e as 02h13 da madrugada do dia 27 — e identificou uma única mudança na liderança, às 19h32, justamente quando a petista superou o tucano e seguiu na frente até o final da apuração.

Até agora, o capitão só granjeou o apoio de alguns militares com pendores golpistas — não por eles acreditarem na tese, mas por estarem dispostos a tudo para evitar a volta da camarilha petista ao poder. Já questão do fundão não passa de um jogo de cena, de mera cantilena para dormitar bovinos.

Quanto ao aumento do valor do fundão eleitoral, Bolsonaro se faz de desentendido e tenta terceirizar a responsabilidade pelo descalabro — usando o vice-presidente da Câmara como bode expiatório —, mas sabe que a maracutaia está eivada de digitais do próprio governo. Numa de suas narrativas, ele disse que seus aliados, afoitos apoiadores do reajuste, votaram a favor porque não leram bem o que estavam aprovando. Se assim foi, todos os bolsonaristas do serpentário candango — incluindo os filhos Flávio, no Senado, e Eduardo, na Câmara — são analfabetos, ingênuos, ou ambas as coisas. 

Inicialmente, ao ser questionado sobre a possibilidade de veto, Bolsonaro cogitou que, caso adotasse tal procedimento, estaria incorrendo em crime de responsabilidade. Em outra manifestação, por força de uma caudalosa torrente de críticas disse que limitaria o veto a "um excesso de R$ 2 bilhões", mas não deixou claro como fará isso, já que, tecnicamente, suas opções se resumem a sancionar ou vetar o descalabro. No entanto, um parecer da Consultoria de Orçamento da Câmara afirma que o presidente pode vetar o dispositivo sem incorrer em crime, desde que se atenha ao patamar mínimo a ser garantido no Orçamento, que é de cerca de R$ 800 milhões.

Mas nada disso mudo o fato de que o ominoso aumento do fundão foi uma obra coletiva do time bolsonarista e da oposição, todos mancomunados para "passar a boiada". E quem resolverá esse imbróglio — e os que surgirão de agora em diante — serão o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o "primeiro-ministro" Ciro Nogueira, que mandam no país a partir daqui.

Bolsonaro, como o Vampiro do Jaburu — que terminou o mandato-tampão como pato-manco (tradução literal de lame duck, que é como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim do mandato, mas tão desgastados que os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio) — e outros antes dele, tornou-se um mero espantalho espetado no jardim do Palácio do Planalto

Será interessante ver como o mandatário cuja língua é mais destrutiva que a própria caneta vai sair da sinuca de bico que ele mesmo criou com sua habitual inépcia na condução de dois assuntos que não têm nenhum ganho para lhe prover, apenas mais desgaste. 

Faz pena ver um presidente da República sujeitar-se a tão ridículo papel — pena do Brasil, bem entendido, por ter um mandatário dessa catadura.