DE PROMESSAS,
QUEM VIVE É SANTO.
Vimos nesta sequência que, a despeito da evolução tecnológica (ou por causa dela), as baterias dos celulares exigem recargas cada vez mais frequentes, o que implica uma progressiva redução na autonomia dos aparelhos (entenda-se por "autonomia" o tempo durante o qual o dispositivo é capaz de funcionar sem que a bateria precise ser recarregada).
Claro que as tomadas estão por toda parte, e que, na
falta delas, sempre podemos recorrer a um carregador portátil veicular. No
entanto, isso não é uma solução, mas sim um mero
paliativo para contornar o verdadeiro problema, que é baixa autonomia
dos smartphones.
Semanas atrás, ao abordar esse assunto, eu tracei
um paralelo entre o celular e o automóvel. Na oportunidade, disse que a
"autonomia" de um veículo corresponde à distância que ele
consegue percorrer com um tanque de combustível, e que a ideia básica é a
mesma no caso do celular, com a diferença de que a variável não é a
distância, mas o intervalo de tempo durante o qual o aparelho
funciona até que a bateria se esgote totalmente.
Observação: a autonomia de um veículo depende
de diversos fatores — do coeficiente aerodinâmico ao tipo e qualidade do
combustível, passando pela pressão dos pneus, temperatura ambiente, altitude,
tipo de percurso (urbano ou rodoviário), condições do trânsito etc. —, mas a
maneira de dirigir do motorista é, sem dúvida alguma, determinante: segundo a
revista Quatro Rodas, reduzir
o tempo de viagem em 33% pode significar um aumento de 103% no gasto com
combustível.
Em suma, temos um problema de fácil compreensão e difícil solução. Para entender melhor, tracemos outro paralelo, desta feita com os carros elétricos (aliás, eles são tão antigos quanto os modelos com motor de combustão interna ― que transforma a energia calorífica produzida pela expansão dos gases resultante da queima da mistura ar-combustível na energia mecânica que que faz o carro se movimentar; se você tem interesse nesse assunto, sugiro a leitura da sequência iniciada nesta postagem).
Os primeiros veículos elétricos surgiram no final do século XIX e deixaram de ser fabricados em 1915, quando Henry Ford lançou o modelo T. A brasileira Gurgel Motores S/A foi responsável pelo primeiro projeto de carro elétrico da América Latina.
Batizado de Itaipu E150, o carrinho media 2,65 m de comprimento por 1,40 m de largura, dispunha de dois assentos (motorista e carona) e pesava 460 kg (320 kg só das baterias). Foram fabricados apenas 27 protótipos do Itaipu E150. Os primeiros modelos, equipados com um motor que gerava 3,2 kW (potência equivalente a 4,2 cv), atingiam vertiginosos 30 km/h de velocidade máxima, ao passo que os da última safra alcançavam o dobro dessa velocidade — desde que na descida e com vento a favor. Mas sua autonomia média era de míseros 70 km por carga.
Antes de baixar as portas (em 1996), o engenheiro João
Augusto Conrado do Amaral Gurgel apostou as fichas que lhe restavam no Itaipu
E400 — um furgão elétrico que fez parte da frota de empresas
brasileiras de eletricidade. Nesse modelo, o motor produzia o equivalente a 11
cv, mas a autonomia era de apenas 80 km por carga, e as baterias levavam até 10 horas
para recarregar.
O tempo provaria que Gurgel mirou o alvo certo, mas não dispunha da arma adequada para atingi-lo.
Em 2011 (dois anos após a morte de Gurgel), a BMW ActiveE — veículo com a maior autonomia naquela época — rodava 151 km por carga. Em 2020, segundo um levantamento feito pelo Office of Energy Efficiency & Renewable Energy, a autonomia média dos veículos elétricos disponíveis para venda ou aluguel nos EUA já alcançava 402 km por carga.
Atualmente, os carros da Tesla são os que oferecem maior autonomia — o Tesla Model S Long Range Plus encabeça o ranking, com 647 km por carga, contrapondo-se ao MINI Cooper SE, que roda177 km com uma carga.
Considerando que tanto os veículos elétricos
quanto smartphones, notebooks, tablets e assemelhados utilizam baterias — e que a diferença consiste basicamente no tamanho e na capacidade de carga desses componentes —,
bastaria que os fabricantes de gadgets adaptassem a solução encontrada pelo segmento
automotivo a seus produtos. Mas o problema é que nem tudo que é tecnicamente possível é viável do ponto de vista econômico. E é aí que a porca
torce o rabo.
Continua no próximo capítulo.