domingo, 15 de agosto de 2021

AFRONTA PESSOAL


 

Em mais um capítulo da batalha entre o STF e o Palácio do Planalto e seus apoiadores, o ministro Alexandre de Moraes determinou nesta sexta-feira (13) a prisão preventiva do ex-deputado federal Roberto Jefferson, cuja biografia se confunde com uma folha corrida. 

Bolsonaro não só classificou a decisão do magistrado de "atentado contra a liberdade de expressão" como considerou uma "afronta pessoal", seja porque seus filhos são investigados no âmbito do mesmo inquérito que fisgou o mandarim do PDT, seja porque, na avalição do mandatário, ele próprio é o alvo do ministro.

De ex-presidiário do mensalão, Jefferson se converteu em modelo do bolsonarismo ao percorrer a conjuntura incitando a prática de crimes em entrevistas e nas redes sociais, pregando a intervenção militar sob o comando de Bolsonaro e incitando a invasão do Senado e a destituição dos ministros do Supremo. É graças a esse tipo de pregação que o Brasil se consolida na Era Bolsonaro como o mais antigo país do futuro do mundo.

Jefferson está indo para a cadeia porque tem um entendimento particular da democracia? Porque discorda das decisões de ministros do Supremo? Porque é favorável à reeleição de Bolsonaro? Porque aprova o comportamento do governo federal durante a pandemia? Obviamente não! Isso é parte do proselitismo vagabundo com que os devotos do bolsonarismo tentam imputar ao tribunal — particularmente ao ministro Alexandre de Moraes — uma decisão atrabiliária, autoritária.

Alega essa escumalha que ao determinar a prisão preventiva do ex-parlamentar o ministro ofendeu o direito constitucional à liberdade de expressão — que bolsonaristas e simpatizantes veem como um salvo-conduto para a delinquência e o crime. Tomar crime por liberdade de expressão consiste em instrumentalizar os códigos da democracia para solapá-la; tomar a liberdade de expressão como um crime remete a uma questão quase ancestral, que está em "A República", de Platão, já suficiente e brilhantemente dissecada por Karl Popper em "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos", como explanou Reinaldo Azevedo neste artigo.

Não deixa de ser comovente ver defensores de um golpe militar posando de arautos do livre pensar e do livre dizer. A Lei de Segurança Nacional, mesmo com todo o lixão que abrigava, permitia punir os prosélitos do golpismo. E, claro, não por acaso, um bolsonarista como André Mendonça se valeu dessa aberração para punir opiniões desairosas ao presidente da República. Só que não estamos lidando com uma corrente de pensamento política que tenha ao menos coerência interna no seu erro, e sim com oportunistas vulgares, pilantras, aproveitadores, depredadores da ordem democrática, golpistas.

Jefferson é um político flexível. Recompensado, pode ser a favor de tudo ou contra qualquer outra coisa. Integrou a milícia congressual de Collor. Sob Lula, interessou-se pelos negócios dos Correios. Pilhado, virou delator. Ainda não contou como distribuiu o mimo de R$ 4 milhões que recebeu de Delúbio Soares, então gestor das arcas do PT. Sob Dilma, o PTB de Jefferson foi apanhado plantando bananeira na Casa da Moeda. Sob Temer, assumiu o balcão em que se vendiam no Ministério do Trabalho registros de sindicatos por cifras que também roçaram os R$ 4 milhões. Agora, Jefferson retorna à cadeia como herói da resistência do bolsonarismo.

O PTB é um cartório travestido de partido político, que Jefferson preside como dono. O fundo partidário é abastecido com dinheiro público. Os arquivos do TSE informam que o Tesouro pingou R$ 18,8 milhões nas arcas do PTB em 2020. Em 2021, já foram gotejados mais R$ 11,7 milhões.

É o cúmulo da desfaçatez: dinheiro arrancado do bolso do contribuinte e destinado ao financiamento da democracia pode ter sido usado para bancar atividades antidemocráticas.

Com Josias de Souza