quinta-feira, 12 de agosto de 2021

PRIMEIRO FOI A CLOROQUINA. DEPOIS O VOTO IMPRESSO. QUAL SERÁ A PRÓXIMA CORTINA DE FUMAÇA?

 

Atribui-se a Aristóteles a divisão do Estado em três poderes independentes, e a Montesquieu a tripartição e as devidas atribuições do modelo mais aceito atualmente. A ideia, diga-se, é não deixar em uma única mão as tarefas de legislar, administrar e julgar. Isso porque a concentração de poder tende a gerar abusos, e um poder que se serve em vez de servir é um poder que não serve.

Bolsonaro não "criou" o tensionamento entre os Poderes, como Lula não "inventou" a corrupção. Por outro lado, o ex-presidente presidiário, ora promovido a "ex-corrupto", institucionalizou a roubalheira em prol de seu espúrio projeto de poder, e o dublê de mau militar e parlamentar medíocre — que elegemos justamente para evitar a volta do lulopetismo corrupto — vem "esticando a corda" para além do admissível.

Na manhã da última terça-feira, a Praça dos Três Poderes foi palco de uma inusitada blindadociata — o neologismo deriva das "motociatas" (sete até agora) que Bolsonaro vem promovendo desde o segundo domingo de maio. 

O comboio de blindados partiu do Rio de Janeiro com destino ao Campo de Instrução de Formosa, onde é realizado anualmente, desde 1988, a Operação Formosa — o maior treinamento militar da Marinha do Brasil no Planalto Central. A novidade é que, neste ano, a operação contará pela primeira vez com a participação do Exército Brasileiro e da Força Aérea Brasileira.

Foi também a primeira vez que os fardados "aproveitaram que estavam nas cercanias de Brasília" para entregar nas mãos do presidente da República e do ministro da Defesa os convites para comparecerem à Demonstração Operativa que ocorrerá no próximo dia 16. Nada mais natural, portanto, que adentrassem a Praça dos Três poderes com veículos blindados, armamentos e outros meios da Força de Fuzileiros da Esquadra. E o fato de o episódio ter ocorrido justamente no dia da votação da PEC do voto impresso no plenário da Câmara foi apenas uma coincidência.

Bolsonaro exsuda suspeitas de fraude eleitoral desde o tempo em que Dondon jogava no Andarahy, e as atribui às urnas eletrônicas. Curiosamente, desde1996, quando o voto eletrônico foi implementado no Brasil, o capitão e sua digníssima prole disputaram (e venceram) 20 eleições. A única derrota de um membro do clã ocorreu em 2016, quando o então deputado e hoje senador Flávio "Rachadinha" Bolsonaro concorreu à prefeito do Rio de Janeiro. 

Até as emas do Alvorada sabem que a implicância de Bolsonaro com o sistema eleitoral não passa de um jogo de cena (que já está ficando enfadonho) visando desviar o foco da sociedade, da mídia e dos adversários de sua mediocridade como gestor, das entranhas pútridas do seu governo e da podridão que cerca "o presidente que acabou com a Lava-Jato porque não havia mais corrupção". Que o diga a CPI do Genocídio.

Observação: Dos cinco filhos do capitão, somente a caçula (de 11 anos) não é alvo de investigações. Afora o célebre caso de Zero Um e as rachadinhas, a PF e o Ministério Público apuram suspeitas contra Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e Renan Bolsonaro, que incluem tráfico de influência, contratação de funcionários fantasmas e envolvimento na organização de manifestações que pediram o fechamento de instituições como o Congresso e o Supremo.

Em que pese a evidente tentativa de intimidação, o plenário da Câmara exorcizou o egum mal despachado do "voto impresso auditável". O placar foi de 283 votos contrários e 229 a favor. Houve 64 ausências e 1 abstenção. 

Observação: Para a aprovação de Propostas de Emenda Constitucional (PECs), o artigo 60, § 2 º da Constituição Federal diz que (a proposta) "será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros". Assim, seriam necessários 308 votos dos 513 deputados e 49 votos dos 81 senadores (em cada um dos turnos). 

Como os próprios parlamentares governistas reconheceram, "quem não votou tinha plena consciência de que sua ausência seria computada para rejeitar a PEC". Como o governo recebeu apenas 229 votos, os outros 283 deputados se manifestaram contra o voto impresso: 218 + 1 + 64. Até porque, com a votação híbrida, todos podiam votar remotamente. “Não precisava a presença física no plenário. Então, não há mais essa desculpa. O deputado ausente só fez isso para se proteger das pressões do Planalto”, observou um integrante da mesa diretora da Câmara.

Além do desfile da Marinha com tanques, o Planalto usou de todas as armas para intimidar deputados: telefonemas, ameaças com bloqueio de emendas, ataques nas redes sociais e até em mensagens de WhatsApp e até pressão de pastores evangélicos. Mesmo com toda essa mobilização, o placar explicitou um governo completamente esvaziado.

Vale lembrar que a PEC havia sido rejeitada na comissão especial da Câmara, no último dia 5, por 23 votos a 11. Mesmo assim, o deputado réu que Bolsonaro fez presidente da Casa do Povo decidiu submetê-la ao plenário "pela tranquilidade das próximas eleições". A oposição classificou a decisão de Lira como "insanidade". A deputada Talíria Petrone, líder da bancada do PSOL na Câmara, chegou a postar que "Lira e Bolsonaro são a mesma coisa". Talvez assista razão à parlamentar psolista. 

O presidente da Câmara justificou a decisão de levar a PEC ao plenário para "encerrar de vez o assunto, virar a página", confiando na promessa de Bolsonaro de aceitar o resultado da votação. "Não acredito que haja outro comportamento por parte do presidente Bolsonaro. Como eu disse, ele disse que respeitaria, e eu acredito, o resultado do plenário da Câmara dos Deputados", disse ele. Minutos depois, insistiu em mudanças no sistema de votação e defendeu que os poderes se unam para encontrar uma alternativa.

Para surpresa de ninguém, nem bem a sessão na Câmara havia sido encerrado e Bolsonaro já dizia que o resultado das eleições do ano que vem não será confiável. "Números redondos: 450 deputados votaram ontem [terça-feira]. Foi dividido, 229 [a favor], 218 [contra], dividido. É sinal que metade não acredita 100% na lisura dos trabalhos do TSE. Não acreditam que o resultado ali no final seja confiável". 

Bolsonaro está em permanente pé-de-guerra com os adversários (a quem vê como inimigos) e com as instituições. Sua cruzada pelo "voto impresso e auditável" e as incontáveis afirmações de que o sistema é inseguro e, portanto, que as eleições passadas foram fraudadas, são uma mistura de fake news, pós-verdades e teorias da conspiração. 

Não há problema em defender uma tese como a do voto impresso numa democracia. O problema consiste em ameaçar essa mesma democracia e as eleições vindouras se sua tese não for vitoriosa.

De cagada em cagada, o cagão se encaminha para uma situação de esvaziamento. Ao terceirizar o governo para o Centrão, o presidente de fancaria assumiu o papel de espantalho do Planalto. Não há absolutamente nada em sua desditosa gestão que lhe sirva de legado. Seu único projeto sempre foi, é e continua sendo a reeleição. Cada vez mais improvável, vale dizer. 

Resta saber o que Bolsonaro tirará da cartola para substituir o voto auditável (e a cloroquina antes dele) como forma de desviar a atenção de sua imprestabilidade chapada e da podridão que o carca. 

A ver qual será ― e quando ocorrerá ― a próxima crise institucional.